Após notícias de que a CVC estava demitindo e renegociando dívidas, o presidente da companhia, Leonel Andrade, afirma que a situação financeira da empresa é de normalidade e que o endividamento é compatível com as receitas geradas. O executivo, porém, diz que a estratégia, no momento, é renegociar o pagamento de R$ 665 milhões que vencem em abril, dado que quitá-lo colocaria a CVC em um “cenário difícil”, pois tiraria recursos que poderiam fazer a empresa “continuar crescendo”.
Em relação às demissões, Andrade afirma que elas foram feitas em decorrência do processo de integração de companhias que a CVC adquiriu nos últimos anos. “As empresas vão se integrando, os back offices vão se integrando. Essas demissões foram em função de aumento de eficiência operacional.”
Otimista, o executivo destaca que as vendas foram retomadas e que, em até dois anos, a empresa terá a mesma capacidade digital que as agências de turismo online têm.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é a situação da empresa?
Do ponto de vista financeiro, está normal, em dia com todas as suas obrigações. Reduzimos a dívida de R$ 2,2 bilhões para R$ 900 milhões. A companhia gerou, no último trimestre, mais de 4 bilhões de viagens. O que significa um negócio de quase R$ 17 bilhões. Portanto, a dívida de R$ 900 milhões é compatível. É uma dívida antiga que foi informada lá em 2017 e 2018, basicamente com aquisições que foram feitas. Nesse sentido, a companhia entrou na pandemia uma situação fragilizada. Na pandemia, fomos capitalizando e utilizamos os recursos para modernização e redução da dívida. Essa dívida era uma série de debêntures. Eu tinha de ir pagando as de menor vencimento, e foi o que eu fiz. Só que o tempo passou. Agora, dos R$ 900 milhões, R$ R$ 665 vencem em abril. O que posso dizer, com tranquilidade, é que eu durmo cada dia melhor em relação ao que dormia quando cheguei na empresa. Estamos conversando com o mercado e não há ninguém neste momento que não esteja tranquilo para reescalonar a dívida. Não está no radar que eu não consiga postergar (a dívida). Ninguém está negando crédito (à empresa). Tem até discussões de possíveis novos credores querendo aportar crédito.
A empresa teria condições de pagar a dívida?
Claro. Seria um cenário difícil no sentido de que talvez me tirasse recursos para continuar crescendo, mas a empresa teria capacidade de honrar a dívida.
Mas a ideia é postergar?
O que está em pauta é uma discussão de reescalonar a dívida. Não vou adiantar se são dois ou dez anos, porque tem enormes discussões.
O sr. falou de novos credores aportando dinheiro. Como está essa negociação?
Existe essa possibilidade. Não necessariamente os credores atuais podem postergar, podemos ter novos credores entrando. O que posso dizer é que não vai haver aumento da dívida.
O sr. disse que parte da dívida foi feita com aquisições. A maneira como ocorreram essas aquisições foi equivocada?
As decisões de fazer aquisições foram corretas. Ainda bem que foram feitas, porque, depois, quando veio a pandemia, talvez, não tivesse gerado interesse de ter tido aporte de capital. Acho que se pode fazer muitas críticas à empresa, mas não às aquisições.
Por que ocorreram demissões no início do mês?
Quando cheguei à empresa, tínhamos cerca de 4.400 funcionários. Hoje temos 3.300 (no Brasil e na Argentina). As demissões não têm a ver com a situação financeira. O que acontece é que a empresa fez aquisições, e as empresas não eram integradas. Aí, sim, tem uma crítica que talvez possa ser feita (à empresa), de que eram aquisições sem integração. Quando cheguei, tínhamos 19 diretores executivos. Hoje temos oito. As empresas vão se integrando, os back offices vão se integrando. Essas demissões foram em função de aumento de eficiência operacional.
Podem ter mais demissões?
Não existe nenhuma programação de mais demissões, mas a empresa continua em movimento. Vamos lembrar o seguinte: imagine que estou construindo e a obra acabou, não tenho necessidade de continuar com uma turma. A maior parte dessas pessoas (demitidas) foi de times de desenvolvimento em tecnologia, envolvidas em um serviço realizado no ano passado.
O preço da ação da CVC está em um patamar inferior até mesmo do registrado durante a pandemia. Por quê?
Se fosse só o papel da empresa sozinho, ficaria preocupado. O mercado inteiro está em condições semelhantes. Todo mundo que depende de capital hoje está com dificuldades no seu ‘valuation’. O que preciso fazer é trabalhar os fundamentos da empresa, porque isso é cíclico. Na hora em que o mercado voltar, será a hora de estar com a empresa muito bem fundamentada, vendendo muito, com alta eficiência operacional. Não nego o desafio da empresa, até porque seria loucura. Aliás, fui contratado por causa desses desafios.
Quais são os desafios da empresa hoje?
O primeiro é a questão de custo de capital, que vale para todos os setores. As empresas que sobreviveram (à pandemia) tiveram aporte de capital. No nosso caso, isso significou a diluição do preço do papel. Outro desafio do setor é a qualidade. Durante a pandemia, todo mundo desmontou a operação. Agora tem muita gente nova (no mercado), empresa sendo remontada em uma estrutura dura. Mas também tem demanda reprimida. Não tem ninguém querendo comprar geladeira, mas está todo mundo querendo viajar. Segundo ponto: o dólar caro é ruim para algumas coisas, mas, por outro lado, aumenta muito a procura por viagens domésticas, e não existe nada igual a CVC dentro do Brasil. Não tem ninguém que consiga botar 500 mil pessoas por ano em Maceió. Ao mesmo tempo, a gente investiu em tecnologia. Hoje tenho 35 milhões de clientes que conheço, que contato digitalmente e estão integrados na loja, no WhatsApp e no aplicativo. Ninguém tem essa capacidade, essa omnicanalidade, só nós.
Como ficou a compra da Öner Travel? Desistiram?
Não desistimos. Está indo. Não tem novidade.
MaxMilhas e 123milhas estão com plano de fusão. Como fica a concorrência no setor com uma empresa maior, formada pelas duas, que também são companhias que nasceram no mundo digital?
Quanto mais tiver empresas sólidas no mercado, melhor. O maior perigo não é competidor. É o competidor fragilizado fazendo loucura ou tentando sobreviver de todo jeito. Agora, vale ressaltar que 123milhas e MaxMilhas são meus clientes no B to B (segmento de mercado de venda para empresas).
Mas a fusão das empresas impacta no mercado voltado para o consumidor final?
Impacta como todos. O fato de eles estarem juntos tem uma vantagem, que é a capacidade de melhorar suas margens e de vender melhor. Não vejo o competidor como um problema. Agora, sobre elas terem nascido no mundo digital, o futuro não é o mundo digital ou físico. O futuro é omnicanalidade. Nesse sentido, a gente só tem vantagem. Em um ou dois anos, teremos toda essa capacidade digital que os outros têm ou até melhor, porque quem nasce depois vai comprando coisa nova e melhor. Mas ninguém vai ter uma rede de lojas como nós temos. É muito mais fácil eu copiar o mundo digital dos outros, do que os outros copiaram meu mundo físico.
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