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‘É preciso dar um basta nisso de o governo pedir sempre mais da sociedade’, diz presidente da Fiemg

A narrativa do governo para a indústria é ótima, a de revitalização do setor, mas a prática é horrorosa e só traz mais tributos para compensar benefícios para outros, afirma Flávio Roscoe

Foto do author Carlos Eduardo Valim
Foto: Bárbara Dutra
Entrevista comFlávio Roscoepresidente da Federação das Indústrias do Estado de MInas Gerais (Fiemg)

A repercussão e devolução da medida provisória que limitava o uso de créditos de PIS/Cofins pelas empresas, editada pelo governo Lula, trouxe na semana passada uma crise sem precedentes para a atual equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A pressão se traduziu em críticas dos empresários ao governo e um humor negativo nos mercados, que levou o dólar a ultrapassar os R$ 5,40.

A reação mais forte veio dos empresários do setor industrial, que se sentiram prejudicados depois de muitas promessas de que o governo priorizaria a reindustrialização. Um dos representantes do setor e ligado à indústria têxtil, Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústria do Estado de Minas Gerais (Fiemg), explicou a reação empresarial ao governo.

Leia os principais trechos da entrevista:

Por que a MP dos créditos de PIS/Cofins fez, desta vez, o empresariado dar um recado mais forte para o governo de que não está gostando da condução da política econômica? Chegou-se ao limite do que as empresas topam pagar para manter a máquina estatal?

Na verdade, quem paga o conjunto de impostos cobrados é a sociedade, e ela está chegando ao seu limite. Os empresários têm dificuldades de botar esses custos nos preços. À medida que você vai colocando mais e mais tributos, o consumo daquele produto tende a cair. E quanto mais tributo existe, menor é a disponibilidade de a sociedade consumir. Assim, mais recurso vai para a mão do governo, que geralmente gasta mal e concentra recursos. Ou seja, toda vez que você concentra o seu custo no governo, você reduz o potencial de crescimento da economia. Existe essa percepção equivocada por boa parte da sociedade de que o dinheiro na mão do governo é bom. Mas significa menos dinheiro na mão das pessoas. É menos dinheiro para o que dá o dinamismo da economia.

Já tem mais na mão do governo do que deveria?

O governo já esteriliza mais de 40% do PIB com uma péssima prestação de serviço público. Ou seja, ele se apropria de mais de 40% de toda a riqueza gerada no País e ele quer mais. Infelizmente, para esse governo, nunca é o suficiente. O que a gente vê hoje, com essa grita geral, é que a cada três meses o governo lança uma nova bomba tributária, para poder gastar mais dinheiro. E isso nem é para equilibrar as contas públicas. Na medida que gasta, o governo arruma mais despesas também, para atender algumas pessoas, alguns grupos ou alguns segmentos que são caros ao governo. Então, eu acho que o que acontece agora é um movimento maduro de dizer: “olha, isso tira a competitividade da economia brasileira”. Isso mata alguns segmentos que estão concorrendo com o produto importado, que não sofre com essa mesma carga tributária.

Por que a indústria está sendo especialmente crítica nesse momento, sendo que anteriormente o governo dizia que ela seria uma de suas prioridades, até recriando um ministério para a área?

A indústria é aquele setor que o governo diz que é importante. O mundo todo está dizendo que é importante e que é importante revitalizar. Mas, a cada três meses, o governo lança um pacotaço para tributar aquilo que ele chama de importante. A narrativa do governo é ótima. Só que a prática é horrorosa. É o oposto da narrativa. Fala uma coisa e faz outra. Eu não sei como você revitaliza algo tributando o setor que compete com pares no mercado internacional numa condição que já é muito pior que a deles. Somos um país que não dá competitividade para a sua indústria. Há um excesso de burocracia e uma carga tributária excessiva, com muitos tributos embutidos em obrigações legais. Existe uma série de obrigações que as empresas industriais é obrigada a cumprir, que, na verdade, é uma carga tributária disfarçada. E isso nem é contado como imposto. Além dos 40%, você soma aí mais uns 3% ou 4% do PIB de obrigações, com políticas públicas que eram para o governo fazer.

Que tipo de obrigações?

Por exemplo, os encargos embutidos na energia. Temos subsídio para o consumidor de baixa renda, o que acho justo. Mas tinha de ser um imposto e sair de uma verba pública para aquilo. Não embutir na conta de energia de todo mundo, algo que ninguém vê, mas que está lá. Se é política pública, teria de ser dessa forma. Então, isso é um tributo, sim. Só que ele é indireto. Ele é o custo Brasil. Não são poucas as obrigações, que o tempo todo estão sendo transferidas para o contribuinte.

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Então, qual é a receita para o governo reverter esse momento de mau humor?

Ninguém está falando de redução de gastos. Ninguém está falando das novas tecnologias que já deveriam ter sido incorporadas no poder público, o que não é feito, porque existe todo esse corporativismo. O mundo está mudando drasticamente. Quem está no setor privado, tem de pular. Se não pular, morre. E o governo está aquele paquiderme lá, do mesmo jeito, e toda hora batendo na porta da sociedade e falando: “eu quero mais, me manda mais (dinheiro)”. Chegou! Temos de dar um basta nisso. O governo quer mais, por quê? O que o governo está fazendo para querer mais? Qual é o aumento de eficiência que ele teve? Não tem mais condição. Se o governo quiser mais, matará a economia. É hora de se falar seriamente sobre redução de gasto público.

Essa resposta do Haddad, em conjunto com a ministra Simone Tebet, de buscar conter o aumento dos gastos previdenciários e os pisos em educação e saúde, indica que o governo pode estar acordando para o recado dado de que se está atingindo um limite?

Essa é uma discussão que está sendo adiada o tempo todo. Falemos sobre essa historinha da desoneração dos 17 setores. A desoneração existe há mais de 10 anos. Aí o governo fala que precisa contar com esse dinheiro, que perdeu a receita. Como perdeu algo que não cobra há 15 anos? Mas ele diz que tinha a expectativa de receber isso, vai lá e aprova no Congresso a MP das subvenções, em contrapartida, à desoneração. Isso foi negociado no Congresso. Foi uma conta de R$ 30 bilhões para o setor industrial. Todo mundo já esqueceu disso, que aconteceu no ano passado. Na virada para 2024, tem a polêmica de que o governo e o Congresso ficam aprovando e desaprovando a continuidade da desoneração. Depois, o governo entra no Supremo Tribunal Federal, alegando que não tem a receita para compensar a perda. Estamos falando da mesma desoneração que não era arrecadada há 15 anos, e que não estava no orçamento. Agora, nós estamos no round 3 da briga, com a MP do PIS/Cofins, que daria uma perda de quase R$ 90 bilhões para a indústria, segundo as contas da Confederação Nacional da Indústria. Mas a desoneração impacta positivamente apenas em R$ 9 bilhões a indústria, sendo que ela já pagou R$ 30 bilhões com a regra da subvenção. Agora, mandam uma conta de mais R$ 90 bilhões, para pagar os mesmos R$ 9 bilhões.

Então, a indústria considera que está pagando a conta da desoneração dos outros setores também?

Eles alegam que desoneraram também as prefeituras, o que custa mais R$ 9 bilhões. Mas a prefeitura é um ente público. O recurso vai da União para os municípios, o que acho justo, porque a União concentra muitos recursos. Mas o contribuinte vai ter de aparecer para mandar mais impostos, só porque a divisão entre os entes não ficou adequada? Isso não é uma desoneração, é uma partilha do governo federal com o município. A historinha contada para a sociedade é toda distorcida.

O governo de origem trabalhista não deveria querer desonerar o trabalho?

Até por isso, eles têm de desonerar o emprego. Afinal, dizem que priorizam o trabalhador. Então, o governo prefere dar Bolsa Família do que criar emprego formal? Assim, mais gente vai perder competitividade, e pode ser que a vaga seja fechada. O governo está fazendo esta conta de quanto gastará mais com o desempregado?

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