Após fechar 88 lojas e reduzir custos administrativos com demissões e reorganização, a rede varejista Marisa terminou a parte mais difícil de sua reestruturação. O presidente da rede, João Nogueira Batista, diz acreditar que o ambiente de negociação com o mercado de crédito tem se tornado, aos poucos, mais receptivo.
A varejista não teve acesso a crédito nem mesmo para fazer as reduções operacionais que precisava para voltar ao positivo, mas, agora, o executivo acredita que o ambiente melhorou: “Eu acredito sinceramente que, no final deste ano ou início do ano que vem, podemos ter uma emissão no mercado de capitais, de debêntures, da Marisa. Em algum momento, o mercado vai enxergar realmente que nós viramos o jogo”, afirmou o executivo em entrevista ao programa Olhar de Líder, do Broadcast.
No último mês, a Marisa passou a anunciar parcerias que visam a aumentar as receitas de serviços, sem trazer riscos para a operação. A mais importante é a voltada para o braço de crédito, com a Credsystem. “Perdemos muito dinheiro fazendo empréstimo pessoal. Decidimos: vamos ajustar o banco, mas não vamos ser banco. Precisávamos vender o banco ou criar uma parceria: ‘vender o balcão’”, afirmou o CEO.
Há ainda duas outras parcerias anunciadas: uma para a venda de seguros, com a Ô Insurance; e outra com a Ademicon, para a venda de consórcios. Em dez anos, no ramo de serviços, espera-se receita da ordem de R$ 450 milhões adicionais à operação de varejo.
Leia a seguir os principais pontos da entrevista:
O que tem causado os movimentos de reestruturação no setor de varejo?
O varejo sofreu como um todo desde o ano passado, com a crise macroeconômica que vinha dos últimos dois anos do governo passado, com elevadíssimas taxas de juros reais. Isso tudo foi afetando, do ponto de vista sistêmico, a economia e, principalmente, o varejo, que sempre sofre primeiro com o impacto na renda da população. O setor também estava envolvido na parte de crédito ao consumidor e financiamento dos clientes: tinha montado suas próprias estruturas bancárias, que também sofreram o processo de inadimplência. Para “simplificar tudo”, explodiu a crise da Americanas, que “jogou no varejo a tinta reputacional”. Passou-se a perguntar: “Será que todos faziam a mesma coisa?” E aí os bancos se retraíram. A situação de todos os varejistas ficou muito complicada, inclusive a da Marisa.
Depois de quanto tempo da sua chegada foi definido o plano de redução de custos?
Estava claro para eles (conselho de administração e controladores) que a empresa não tinha um problema de vendas. Tinha um problema de custos. Havia margem bruta muito alta, na faixa dos 50%. É espantoso olhar esse número e dizer que lá embaixo (na linha do lucro líquido) não sobrava nada. Havia, ao contrário, prejuízo. Obviamente o problema estava em custos. Havia 25 lojas com margem de contribuição negativa. Era grave: elas tinham prejuízo na venda. Além disso, em muitos lugares, tínhamos mais de uma loja e avaliamos a capacidade de converter os clientes de um ponto para o outro. Definimos, com o apoio total do conselho e dos acionistas, que tínhamos de fechar 92 lojas.
O crédito secou na época do estouro do caso Americanas?
Secou tudo. O investimento era óbvio. Era preciso fechar as lojas para parar de gerar Ebitda negativo. Ao fechar, automaticamente, passava-se a ter geração de caixa positivo da ordem de R$ 70 milhões ao ano. Era algo importantíssimo a ser feito. Só que a gente não tinha dinheiro. A análise indicou ainda que tínhamos excesso de gente em algumas áreas. Uma empresa que não tinha acesso a crédito, tinha de gastar, ao todo, quase R$ 100 milhões para fazer essa reestruturação. E nós decidimos fazer.
De onde esses recursos foram tirados?
Fizemos isso em parceria com os nossos fornecedores e os proprietários (dos imóveis) das lojas. Conseguimos renegociar o passivo e também os pagamentos dos aluguéis. Com isso, fomos gerando caixa, juntamente com as vendas do varejo. Na renegociação da dívida (processo para o qual a companhia contratou o BR Partners), rapidamente identificamos que não tinha como gerar resultados expressivos. O endividamento, de R$ 200 milhões, era todo de curto prazo, com garantia de recebíveis. Então, os bancos não tinham nenhum incentivo para uma renegociação. Não foi possível. Rodei os bancos todos explicando qual era o projeto. Todos acharam o máximo, mas disseram: “Volta aqui quando estiver executado”.
E agora que o sr. executou os cortes de custos, a conversa mudou?
A conversa mudou. É claro que o processo de reversão de expectativas é lento. O varejo ainda está machucado. Todo mundo ainda está cauteloso, mas começam a reconhecer que, de fato, estamos entregando. Os bancos começam a ir na Barra Funda (sede da empresa) para nos visitar. Além disso, agora temos também uma agenda positiva. Temos anunciado várias parcerias que prometemos lá no começo. Vamos gerar receita fazendo parcerias para venda do que a gente chama de “balcão Marisa”. Afinal de contas, temos no Brasil inteiro uma presença muito forte, principalmente com mulheres na faixa de renda de classe B e C. Tem muita gente que quer explorar esse mercado e não tem acesso.
O MBank era um problema, certo?
O Mbank (braço financeiro da Marisa), como em todas as varejistas, sofreu muito por causa das provisões para devedores duvidosos. O banco estava desenquadrado dos índices regulatórios impostos pelo Banco Central. Não houve saída, tivemos de capitalizar o banco com R$ 90 milhões. Fizemos um plano com o Banco Central e criamos um programa de enquadramento em 180 dias, que exigia a capitalização. O recurso veio dos acionistas controladores, que fizeram um empréstimo para a Marisa.
Vocês fecharam uma parceria importante de crédito recentemente.
Para nos ajustarmos e nos enquadrarmos no Índice de Basileia, tínhamos de parar com empréstimo pessoal. Perdemos muito dinheiro fazendo empréstimo pessoal. Ganhamos no passado também, mas eu não vou ficar competindo com Bradesco, Itaú, e Banco do Brasil nessa área. Decidimos: vamos ajustar o banco, mas não vamos ser banco. Precisávamos vender o banco ou criar uma parceria: “Vender o balcão”. O BR Partners foi essencial nesse processo. Eles discutiram com diversos parceiros. Acabamos conseguindo provavelmente o melhor parceiro possível, que é a Credsystem. Cedemos toda a atividade de crédito e cartões com exclusividade para a Credsystem explorar com capital dela. Eu não preciso mais me preocupar em capitalizar banco. Isso nos tira todo o risco regulatório.
Quando veremos todos esses efeitos nos números da Marisa de forma real?
Em 2024. No balanço de 31 de dezembro deste ano, ainda vou, provavelmente, fazer um ‘pro forma’, para excluir efeitos não recorrentes. Limpo mesmo vai ser o balanço de 2024.
O sr. disse que o ambiente de negociação tem melhorado. Mas a Marisa foi pagando os valores de endividamento de curto prazo?
A dívida bruta, hoje, está na faixa de R$ 210 milhões, porque temos a dívida de R$ 90 milhões (valor que os controladores emprestaram para o banco). Mas a dívida com o mercado, que era de R$ 200 milhões no início do ano, hoje está em cerca de R$ 120 milhões. No processo de reversão de expectativas, os bancos estão vendo que pagamos em dia. Começam a ver, de fato, que é preciso separar o joio do trigo. Temos, é claro, um passivo maior com os fornecedores (em virtude de renegociações para proporcionar recursos para a reestruturação da companhia). Antecipamos, porém, parte dos vencimentos do próximo ano com os fornecedores para este ano. E, agora, com as parcerias, especialmente com a Credsystem, também equacionamos a dívida de curto prazo, pois houve entrada de recursos. Com esses e outros recursos, ao final de 2024, com todo o mais constante, teríamos uma dívida zero, o que, do ponto de vista da remuneração do investidor, não é bom. Por outro lado, se o mercado de crédito entender isso, viramos o jogo.
O sr. tocou em um ponto sensível, que é a taxação de importados e o programa Remessa Conforme. Há uma expectativa do setor para que haja uma equalização da cobrança de impostos entre as varejistas nacionais e as plataformas estrangeiras. Há uma perspectiva de quando isso deve acontecer?
Já estivemos mais otimistas em relação a isso. Achávamos que isso ia ser resolvido no primeiro semestre, mas o assunto é complexo e teve suas repercussões. O Ministério da Fazenda está fazendo um processo estruturado e esperamos a qualquer momento que sejamos chamados para uma reunião com o ministro da Fazenda e o secretário da Receita para definir exatamente qual é a alíquota que vai prevalecer. O setor de varejo brasileiro está pedindo igualdade de condições de competição. (No governo passado) ninguém estava interessado no assunto. O que o Remessa Conforme fez foi formalizar. Não tenho razão nenhuma para não acreditar na palavra do Ministério da Fazenda de que essa isonomia será estabelecida.
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