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‘A Mobly nunca deu certo e a união vai atrapalhar’, diz fundador da Tok&Stok

Régis Dubrule afirma que, da forma como foi feita, fusão entre as empresas é um ‘abraço de afogados’ e que, se for mantida, as duas vão acabar quebrando; Mobly não se pronunciou

Foto do author Cristiane Barbieri
Atualização:
Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Entrevista comRégis DubruleFundador da Tok&Stok

A gestora SPX, controladora da Tok&Stok, e a varejista Mobly anunciaram o negócio no início do mês passado em clima de champanhe estourada: a compra da Tok&Stok pela Mobly criaria a maior rede de móveis e decoração da América Latina, com receita de R$ 1,6 bilhão anual. Para os fundadores da Tok&Stok, porém, foi um balde de gelo ― bem maior do que o baldinho decorativo que caberia numa mesinha de apoio para os brindes. Com a certeza de que um aumento de capital aprovado em assembleia pouco antes havia sido válido e que continuariam à frente da empresa em recuperação, os Dubrule foram atropelados pela venda do negócio e, de lá para cá, têm brigado na Justiça para impedi-la.

Para explicar os motivos, Régis Dubrule, que fundou a empresa ao lado de sua mulher, Ghislaine, em 1978, faz um movimento de decolagem com uma das mãos, quando o avião ainda está bem próximo ao solo. “A Tok&Stok está começando a ganhar altura”, diz ele. Com a outra mão, mostra um avião em queda, que é como vê a Mobly. “A Mobly não tem asas”, diz ele. “Nesse novo modelo, as duas empresas acabam.”

Procurada, a SPX disse que “a família Dubrule apoiou todas as decisões estratégicas tomadas pelo Conselho de Administração da Tok&Stok ao longo dos anos, inclusive a contratação dos assessores financeiros que trouxeram a oportunidade de negócio com a Mobly” (leia mais no fim da entrevista). A Mobly não se pronunciou.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Dubrule ao Estadão/Broadcast:

A compra da Tok&Stok promete ganhos de escala, sinergias e teve renegociação bancária concluída. Por que a família fundadora optou pelo litígio contra o negócio?

Por um motivo simples: nosso único intuito é salvar a Tok&Stok. A Mobly, que perde dinheiro desde seu início, não é uma alternativa. Ela captou R$ 800 milhões no IPO (abertura de capital). Três anos depois, têm R$ 150 milhões. No último semestre, perdeu R$ 70 milhões de caixa. Se eles conseguirem os anunciados R$ 100 milhões anuais de sinergias, o problema continua, porque a perda anual é de R$ 140 milhões. E para quem vai o ganho de sinergia? Para a Mobly, e não para a Tok&Stok.

E a Tok&Stok?

A Tok&Stok não está nessa situação. Ela tem um problema de dívida, mas essas sinergias vão desestruturar a Tok&Stok, que estava começando a alçar voo. Vão querer, por exemplo, juntar os centros de distribuição, área vital numa empresa de varejo. A Mobly tem outro sistema, outro tipo de produto, outra dinâmica. A mudança do centro de distribuição da Tok&Stok para Extrema (MG), feita pela gestora Carlyle (que vendeu as ações da Tok&Stok posteriormente para a SPX) há cinco anos, foi terrível. O mesmo aconteceu com tecnologia. Quando a Tok&Stok fez uma migração tecnológica na pandemia, ficou sem um site que funcionasse e não conseguia entregar nada. Temos pavor de qualquer mudança nesse sentido.

Por que a logística da Mobly, que atua junto a grandes fornecedores, não seria uma vantagem?

Eles têm um sistema de entrega do fornecedor para o consumidor de um móvel com margem ruim, porque não são produtos originais. Eles vendem commodities e, no genérico, só se briga com os concorrentes no preço. Esse sistema poderia se aplicar a alguns produtos da Tok&Stok, mas jamais 80% da coleção, que tem design exclusivo.

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Com esse modelo, a Tok&Stok acaba?

Nesse novo modelo, as duas empresas acabam. É o abraço de afogados, mas nós sabemos nadar. Está comprovado. A Tok&Stok tem 45 anos, sendo 39 anos sob nossa gestão. E seis anos sob a dos fundos. Estamos absolutamente convencidos de que conseguimos salvar a Tok&Stok sozinha, sem estar pendurada na Mobly.

Sua mulher retornou ao comando da empresa no último ano e, segundo a SPX, não conseguiu reverter os resultados.

Foi uma forma de afastarem ela. O primeiro CEO (indicado pela gestora) entrou para cortar custos. No primeiro ano, claro, os resultados foram bons. Mas quando se corta custos, vai junto tudo que faz a diferença, ainda mais numa empresa que vende qualidade, design, com um “toque”, e tem um “estoque” que funciona. Cortaram controle de qualidade, substituíram vendedores responsáveis pela decoração dos ambientes e que recebiam remuneração pela loja toda, diretores cuidadosos. Quando o primeiro CEO deles saiu, nenhum dos outros que o sucederam sabia como era a Tok&Stok. Começaram a inventar e fazer a marca do seu jeito, sem conhecimento do negócio e sem bagagem.

'Temos a solução e o futuro da companhia desenhado', diz Dubrule  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Os srs. já decidiram que não vão fazer parte do novo negócio?

Acreditamos que nossa proposta de aumento de capital é válida. Foi regular, é por isso que estamos brigando.

Mas ele não foi aprovado em uma assembleia feita na calçada?

Foi feita na calçada porque eles não nos deixaram entrar na empresa! No dia da assembleia, o diretor financeiro disse ter recebido ordens de que não poderíamos entrar. Felizmente, lá fora na sede é um lugar muito agradável. Fizemos nossa reunião de conselho, registramos na Jucesp (Junta Comercial de São Paulo) e tudo foi absolutamente regular, de acordo com o estatuto da companhia. A prova é que a assembleia não foi impugnada na Jucesp. Além de ignorarem nossa proposta de aumento de capital, demitiram o conselheiro que nos acompanhou e praticaram vários atos ilegais.

Quais?

A recuperação extrajudicial (da Tok&Stok, anunciada simultaneamente à compra feita pela Mobly) só pode ser pedida se existe uma ameaça à existência da empresa. Só que ela não vive uma situação de emergência: as dívidas estão distantes do vencimento, ela está recuperando o lucro e vai terminar o ano, se continuar com as melhorias na gestão, com entre R$ 97 milhões e R$ 107 milhões de caixa. Quer dizer: não há qualquer emergência.

Mas a família não ameaçou antecipar o vencimento da dívida que é credora?

Não. Isso é o que a SPX invocou depois. Não tinha nenhuma emergência e não se faz uma recuperação extrajudicial por isso.

A Justiça não está atendendo os pedidos de liminar que os srs. têm feito e que usam esses mesmo argumentos. Por quê?

O que os advogados dizem é que a situação não é clara. Mas não nos daremos por vencidos. Tem outras irregularidades sobre as quais ainda não posso falar, mas que serão apresentadas. De novo: nosso único objetivo é salvar a empresa. Não queremos o controle. Em nossa proposta de aporte, perguntamos porque a SPX preferia ser diluída em vez de nos acompanhar no aumento de capital e disseram que não acreditavam mais na empresa e porque os fundos (de investimento que permitiram a compra da empresa) já venceram.

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Os srs. se arrependeram de ter vendido a Tok&Stok?

Não sei como teria sido a história se tivéssemos feito outra escolha. Posso dizer que tínhamos várias razões para vender. Meu pai tinha uma pequena empresa na Bélgica, montou uma filial na Holanda e colocou o irmão para gerenciar, no começo de 1930. O irmão se saiu muito bem e eles começaram a brigar. Durante toda a minha infância, vi o meu pai brigar com o irmão. A gente começou a Tok&Stok do zero e erguemos um negócio bem-sucedido com muita dificuldade. Quando eu passei dos 60 anos, começamos a pensar na sucessão. Temos cinco filhos, não queríamos brigas. Queríamos fazer um IPO e achamos que Carlyle teria mais habilidade do que nós. Como isso nunca aconteceu, eles colocaram um CEO com carta branca, que cortou tudo que era da cultura da empresa. Cortou até as árvores que tínhamos na loja da Marginal Tietê.

Há um discurso de que a família é saudosista e, hoje, o mercado é outro, com mais concorrentes digitais.

Não é verdade. Não existe venda de móveis só pela internet ou só em lojas físicas. Ela é multicanal. Fomos precursores na venda pela internet. Onde está o maior lucro da Mobly? Nas lojas físicas. Só que a SPX destruiu nossa TI porque acreditava que o futuro na bolsa era de empresas de tecnologia. Para tornar a Tok&Stok uma empresa de tecnologia foi comprada a Domus, hoje um credor, que desenvolveu um sistema com muitos problemas.

A família vendeu muito bem a participação na Tok&Stok. Por que continuar no negócio?

A Tok&Stok é o resultado de muitos anos de trabalho e de convicção no sucesso da marca, que tem uma razão de ser no Brasil.

Cabe questionamento em uma transação feita entre empresas privadas?

Se um acionista majoritário quiser vender a participação dele no negócio, pode, claro, mas sem usar artifícios para evitar atos consolidados legalmente, como a oferta de aumento de capital que, inclusive, foi uma sugestão deles. Nem fazer uma recuperação extrajudicial como um ato simulado, sem emergência.

Também há um questionamento sobre a comissão paga pelo negócio.

O fato é que os bancos que foram buscar compradores - e também são credores da dívida - podem receber um fee (comissão) de R$ 20 milhões, que corresponde a 30% do valor do negócio, caso ele seja concretizado.

Não houve outras ofertas pela Tok&Stok, além da Mobly?

Não apareceram outras alternativas, apesar de ninguém do setor ter me dito que haviam oferecido a eles a Tok&Stok.

Os srs. já conheceram os acionistas da Mobly?

Sim, estivemos juntos há menos de 15 dias, por iniciativa deles. Eles têm muito boa formação, mas nossas diferenças são enormes. Explicamos que a Mobly nunca deu certo e a união vai atrapalhar a Tok&Stok. Talvez o negócio deles, num Brasil diferente, daqui a dez anos, vire um Mercado Livre dos móveis. Porque eles dependem de um Brasil com crescimento de China para ter escala. E não conseguem fazer uma empresa que tenha margem maior. São engenheiros e a Tok&Stok é uma operação que não pode ser puramente financeira. Temos pessoas mais caras do que as deles.

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Não haveria um jeito de se aproximar?

Não nos preocupamos com dinheiro e poder. Queremos salvar a empresa e fazer ela funcionar. Eles ofereceram fazer parte de um comitê, mas não a gestão independente da marca. Já tivemos três assentos de conselho e não acreditamos em comitês. Nós somos contra porque vai matar as empresas. Vemos na nossa frente dois desesperados: um que está num negócio que não sabe fazer e se agarra no que puder e o outro, que não acredita na Tok&Stok e precisa sair da companhia. Para nós, é o tema da nossa vida e estamos totalmente dispostos a continuar. Temos a solução e o futuro da companhia desenhado.

O que diz a SPX

Questionada sobre as declarações de Régis Dubrule, a SPX Capital disse, por meio de nota, que “a família Dubrule apoiou todas as decisões estratégicas tomadas pelo Conselho de Administração da Tok&Stok ao longo dos anos (inclusive a contratação dos assessores financeiros que trouxeram a oportunidade de negócio com a Mobly).”

Segundo a gestora, “como acionistas minoritários, os Dubrule tinham representante no Conselho (por alguns momentos chegaram inclusive a ter a maioria dos cargos no Conselho, por mera liberalidade da SPX) e, portanto, participaram ativamente de todas essas discussões, que sempre foram tomadas pelo colegiado de forma consensual.”

A SPX também afirma que Ghislaine Dubrule foi CEO por um ano “(também por liberalidade da SPX) e, somente após sua saída, em julho, e a iminência de uma transação com a Mobly é que a família decidiu contestar, retroativamente e de forma oportunista, as decisões tomadas pelo Conselho”.

Para a gestora, a intenção da família é retomar o controle da Tok&Stok. “Para isso, a família passou a usar toda espécie de subterfúgio numa batalha jurídica e midiática sem sentido, infrutífera e cada vez mais isolada.”

Ainda de acordo com a SPX, é de seu “direito (por representar um conjunto de ações de sua propriedade), os fundos geridos pela SPX fizeram uma transação privada com a Mobly que será extremamente benéfica para a Tok&Stok e que já foi aprovada pela Superintendência-Geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).”

“Como demonstração de sua intenção de estender a todos os benefícios da transação, SPX e Mobly permitiram que os Dubrule tenham a opção de aderir à transação ou continuar como acionistas da Tok&Stok (lembrando que a transação poderia ter sido legitimamente estruturada de forma a forçar que os Dubrule se tornassem acionistas de Mobly, mas cientes da possibilidade de desgostarem disso, foi assegurada tal faculdade de eles continuarem acionistas da Tok&Stok)”, escreveram, em nota.

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