‘Eu acho que o BC errou na dose e segurou demais a economia’, diz Rubens Menin, dono da MRV

Para empresário, autoridade monetária subiu os juros muito rápido e poderia ter iniciado o corte dos juros mais rápido já que a inflação estava controlada

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Foto do author Circe Bonatelli
Foto: WERTHER SANTANA/ESTADAO
Entrevista comRubens MeninControlador da MRV

Quando a posse do governo Lula ainda era recente e havia uma briga com o Banco Central para se baixar os juros básicos no País, o multiempresário Rubens Menin (controlador de MRV, Inter, Log e CNN Brasil) foi o primeiro fora do campo político a tomar parte no pleito pelo corte da Selic, ainda em fevereiro de 2023. Dez meses depois, o tema ainda é prioridade, diz, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

“O juro alto afeta todo mundo. As famílias pagam mais caro para comprar geladeira, carro, casa, tudo. A renda familiar é corroída por esse juro real. Essa é a maior preocupação que tenho para 2024″, reafirma.

Na avaliação de Menin, o Banco Central “segurou demais” a economia ao não baixar os juros antes, o que ainda compromete os investimentos por parte das empresas. A própria MRV, maior construtora residencial da América Latina, teve de pisar no freio. “Sei que é difícil falar, mas o Banco Central poderia ter começado a descer (os juros) mais cedo, pois a inflação está controlada”, argumentou.

Menin elogiou a aprovação da reforma tributária e defendeu que haja um esforço do governo a partir de agora para redução da carga tributária, com maior controle dos gastos públicos. A prioridade, entretanto, deve ser a equalização do déficit.

O empresário classificou Fernando Haddad como um bom ministro da Fazenda, mas o considerou um tanto “desorientado” ao peitar o Congresso e retomar a reoneração da folha salarial via Medida Provisória.

Rubens Menin, dono do MRV Foto: Werther Santana/Estadão - 5/11/2015

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Como o sr. avalia a reforma tributária aprovada no Congresso?

A aprovação era necessária. O nosso arcabouço fiscal era muito antigo e precisava ser reformado. A tributação no Brasil é excessivamente complexa. As empresas precisam de uma estrutura enorme para fazer toda a burocracia tributária. Então, a aprovação da reforma era essencial. Só que a carga tributária ainda é elevada por aqui.

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Depois da reforma, existe a preocupação de que a carga possa aumentar ainda mais?

Em um primeiro momento, temos de zerar o déficit público, não tem outra solução. Sem isso, os juros seguirão altos e vão tirar a competitividade da economia brasileira. Mas também deve ser feito um esforço para diminuir a carga tributária. No contexto do Brasil de hoje, não foi possível discutir a redução da carga durante a preparação da reforma. A discussão girou em torno do arcabouço e da estrutura. Mas vale lembrar que a reforma não acabou, porque tem 70 e poucas implementações a serem feitas ano que vem. Junto com isso é preciso fazer um esforço para diminuir a arrecadação e aumentar a eficiência dos gastos públicos.

Tem exemplos de caminhos para isso?

Vou dar dois exemplos: um troço que me incomoda muito é a pirataria. Esse é um problema sério do Brasil porque condena alguns setores que andam dentro da formalidade por gerar uma competição desigual. Isso precisaria acabar. Outro exemplo é a sonegação fiscal. Ela existe, é fato. Toda vez que alguém não está pagando tem outro que está pagando mais. É preciso lutar contra isso. E nem vou falar da corrupção como exemplo, pois todo mundo sabe que isso é um câncer.

A reforma tributária era um tema muito esperado pela classe empresarial. Qual o efeito imediato dela para as empresas?

A complexidade do exercício fiscal no Brasil é uma coisa maluca. A Resia, que é a nossa construtora nos Estados Unidos, tem duas pessoas para cuidar da parte tributária. Aqui no Brasil a MRV tem mais de 100 pessoas.

Com a reforma tributária vai ser possível diminuir o número de pessoas fazendo a contabilidade de impostos na MRV?

Acho que sim, a depender dessas questões a serem regulamentadas na sequência da reforma.

Quais os principais temas da agenda nacional para 2024, na sua avaliação?

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Aqui a inflação está em cerca de 4,5%, e a Selic, em 11,75%. Então o juro real está em torno de 7%. É muito alto. Lá fora é bem menor, em cerca de 2%. Fico preocupado que, com o juro alto, as empresas parem de investir. Os efeitos vão ser sentidos daqui dois a três anos na economia. Tem planta siderúrgica e de bens de consumo sendo cancelada. Isso tudo vai comprometer a nossa infraestrutura e vai tirar a competitividade do País.

Em uma entrevista ao Estadão/Broadcast em fevereiro de 2023, o sr. foi o primeiro grande empresário a defender publicamente que o Banco Central reduzisse os juros. Até então, esse era um pleito defendido apenas pelo presidente Lula e pelos aliados políticos. Passados esses meses, o ciclo de corte começou. Que perspectivas se abriram a partir daí?

Em primeiro lugar, quero dizer que respeito o Banco Central independente. Mas acho que o Banco Central errou na dose e segurou demais a economia. Ele subiu os juros muito rápido. Sei que é difícil falar, mas ele poderia ter começado a descer mais cedo, pois a inflação está controlada. Agora pegue as previsões do Boletim Focus para inflação e juros no fim do ano. A previsão de inflação é de 3,9%, e de juros, 9%. Tem alguns analistas que falam até em Selic em 8,5%. Ainda assim, os juros reais vão estar em, pelo menos, 5% em 2024, o que ainda é muito alto. Se a inflação é de 3,9%, então a Selic deveria ser na faixa de 6% a 6,5%. O juro alto afeta todo mundo. As famílias pagam mais caro para comprar geladeira, carro, casa, tudo. A renda familiar é corroída por esse juro real. Essa é a maior preocupação que tenho para 2024.

O início do ciclo de queda da Selic ajudou a baixar o custo do financiamento para as empresas, que foi um dos principais gargalos de 2023?

Os juros futuros baixaram, depois subiram, ou seja, estão passando por um momento de instabilidade. Eles são um norteador da credibilidade da economia. A instabilidade está diretamente ligada às incertezas sobre o déficit público. É preciso que o País faça o dever de casa. Vamos supor que o déficit público fique em 0,5% do PIB ano que vem. Acho que é um patamar aceitável, mas isso precisa ficar claro. Quanto menor, melhor, mas também é preciso ter previsibilidade. Eu acho que é importante arrumar a casa e fazer um sacrifício neste momento, para, lá na frente, pensar em gastar melhor.

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E o juro para as empresas, melhorou?

Teve alguma coisa de melhora sim, mas ainda é muito pouco. Para as empresas a situação é pior. O financiamento embute um spread bancário, que aumentou para as empresas por causa da insegurança. Por exemplo: o spread de captação das empresas de construção hoje está mais alto que o de dois anos atrás.

Que avaliação o sr. faz do primeiro ano do governo Lula?

Não vou falar de política, vou falar de economia, porque é uma área que tenho obrigação de falar. Eu acho realmente que o (Fernando) Haddad é um bom ministro da Fazenda, um cara importante e de consenso.

Como o sr. recebeu a notícia de reoneração da folha salarial via Medida Provisória anunciada ontem?

Essa última medida eu não gostei. Achei que ele (Haddad) está desorientado para zerar ou diminuir o déficit. Acho que ele está correndo muito atrás da receita porque, talvez, não tenha todas as ferramentas necessárias para cortar gastos. Ele tem de pensar um pouco mais, ano que vem, em criar um ambiente para baixar o juro real. Acho que fez um bom mandato até aqui e não precisava ter anunciado essa medida.

Isso piora o ambiente entre os Poderes?

O Congresso colaborou com os principais temas até aqui. Tanto o Senado quanto a Câmara fizeram o que era de interesse do País. A MP foi um chute na canela no Congresso que não precisava ter sido dado. Se o Congresso não quer a reoneração, então não quer, pronto, tem de se aceitar. É preciso ter a união dos agentes em prol do bem do Brasil. Vamos precisar de muito alinhamento no ano que vem. Mas em 2023 nós evoluímos muito nesse ponto de uma relação boa entre o Executivo e o Congresso. Os agentes estão mais próximos e é importante que siga assim.

O sr. acredita que 2024 será um ano propício ao crescimento dos lançamentos e das vendas do mercado imobiliário como um todo?

Teoricamente, 2024 deveria ser melhor que 2023. Os juros mais baixos já potencializam o setor. Possivelmente o PIB vai crescer menos, mas ninguém pode afirmar isso ainda. Acreditamos que o setor vai crescer. Primeiro, existe demanda por imóveis. E, segundo, o crédito imobiliário nacional é bastante saudável, a inadimplência é pequena, os bancos querem investir, o ambiente regulatório é bom. O Minha Casa Minha Vida está melhor, as coisas estão funcionando.

O Minha Casa Minha Vida vai completar 15 anos em 2024. O sr. participou do desenho do programa lá trás. Como avalia o funcionamento dele hoje?

O Minha Casa Minha Vida evoluiu muito desde a criação. Em 2023, foi feita uma atualização intensa e bem feita. Até parabenizo o ministério das Cidades, da Fazenda e a Caixa. Não é demagogia. Foi feito um rebalanceamento que melhorou o uso de recursos do FGTS, a renda das famílias e a capacidade de fazer frente aos custos das obras. A partir do momento em que esses ajustes foram efetivados, em julho, o ritmo de construção cresceu. E o orçamento para 2024 para o MCMV já está dado, é bom. O setor como um todo está otimista para o MCMV ano que vem.

O sr. é favorável a ampliar o MCMV para famílias com renda mensal de até R$ 12 mil, como tem sido discutido pelo governo?

Com o crescimento dos juros na modalidade SBPE, surgiu um ‘buraco negro’ no setor. As famílias com renda de R$ 8 mil a R$ 12 mil (logo acima do limite do MCMV) estão tendo de lidar com juros mais elevados e estão com dificuldades de comprar a casa própria. No MCMV tem juro de 8,16%. No SBPE está em mais de 10%: então, como medida emergencial, eu sou a favor. Mas o ideal é que o SBPE volte para mais perto de 7%.

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No caso do crédito imobiliário, tem alguma perspectiva de quando a queda na Selic vai se traduzir em redução dos juros para quem compra e/ou constrói?

Até 2022 ainda tinha financiamento imobiliário com recursos SBPE na faixa dos 7% de juros por ano. Elas cresceram muito de lá para cá, e isso era esperado. Está em torno de 10%. Isso é muito ruim, porque aumentou o valor da parcela e diminuiu a quantidade de pessoas que conseguem comprar um imóvel. O maior problema a ser discutido ainda é o juro real. Enquanto o juro real estiver alto como está, a economia vai patinar.

As associações representantes do setor da construção estão pleiteando junto ao Banco Central a redução do compulsório bancário com o objetivo de liberar recursos para o financiamento imobiliário. É uma conversa que já dura mais de um ano. No momento, tem alguma sinalização de que a medida será acolhida?

O Banco Central é muito discreto. A Abrainc e outras associações têm feito um trabalho bacana. Essa medida seria uma providência emergencial exatamente por tudo que estamos falando aqui. O objetivo é ter mais recursos para compor um funding mais barato. A poupança perdeu muitos recursos.

O sr. acredita que o setor de construção e as pessoas que planejam comprar imóvel poderiam contar com a liberação do compulsório em 2024?

Olha, mais uma vez: o Banco Central é muito discreto. Eu vejo que as conversas estão indo bem e espero que isso aconteça. Não tem porque não fazer isso. É algo factível. Então acredito que sim, e isso vai ajudar o setor.

Qual o foco da MRV para 2024 ?

A MRV já tem a sua linha de produtos definida. Em 2024, ela vai fazer mais do mesmo, só que com mais eficiência. Chegamos ao fim de 2023 operando de forma mais organizada. Em 2024 queremos trabalhar o ano todo com eficiência. Isso é possível, já está tudo bem organizado. Acreditamos que 2024 será melhor que 2023.

Temos visto cada vez mais casos de construtoras buscando a industrialização, com elementos feitos em fábrica e levados para montagem nos canteiros, agilizando as obras. A MRV faz isso com a Resia nos Estados Unidos. Vão fazer aqui também?

A construção vem se industrializando em ritmo acelerado. As empresas são vistas como antiquadas, mas isso é meia verdade. As empresas estão implantando cada vez mais tecnologia. Estamos inaugurando em Atlanta a nossa fábrica de pods (módulos industrializados) em janeiro. Corri o mundo todo vendo isso, e acho que temos o que há de mais bonito em Atlanta. Mas isso no Brasil é um pouco mais difícil por causa das legislações que mudam a cada Estado e Município. Nos EUA, fabricamos o mesmo tipo de banheiro, é uma construção ultrapadronizada e o mesmo banheiro serve em todo lugar. Aqui, a mesma linha de produção teria que fazer 12 tipos de banheiro, ou seja, eu precisaria de 12 linhas de produção. Sem padronizar, não vamos conseguir chegar a uma industrialização maior.

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