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Espírito Santo do Pinhal: cidade do interior de SP troca o café pelo vinho e vive ‘corrida do ouro’

Movimento foi iniciado com chegada da vinícola Guaspari, em 2001; hoje o município já é reconhecido pelo enoturismo e possui nove vinícolas em funcionamento, além de vários outros projetos

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Foto do author Wesley Gonsalves
Atualização:

A pequena cidade de Espírito Santo do Pinhal, a 190 km da capital paulista, construiu, em mais de 100 anos, a sua economia em volta do café - como outros inúmeros municípios do Brasil. Essa realidade, porém, está sendo alterada com a chegada de uma nova cultura na região - as uvas para produção de vinhos.

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Se no passado, as terras pinhalenses abrigavam grandes fazendas cafeicultoras, agora, o rico terroir - o conjunto de características do solo para o cultivo de uma cultura - da região da Serra da Mantiqueira se transformou no “point” de imensos parreirais, dando lugar às uvas e passando do bom e velho “cafezinho” matinal para taças de cristal regadas a vinhos premiados mundo afora.

Com uma forte influência da imigração italiana na região, que dominou a produção de café por décadas, Espírito Santo do Pinhal viu a viticultura transformar a sua economia local. A cidade está deixando para trás o passado de exportadora de commodity para se transformar num ponto do enoturismo no País.

O que marca essa virada de chave na história de Espírito Santo do Pinhal foi a chegada da Vinícola Guaspari, em 2001, após membros da família Brito - tradicional no agronegócio- adquirirem uma área antes utilizada para o plantio do café. Primeira a investir na plantação de videiras e na vinificação, a empresa capitaneou um movimento que hoje atrai dezenas de outros empreendimentos para a região.

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Vista como a 'pedra fundamental' do enoturismo em Espírito Santo do Pinhal, a Vinícola Guaspari foi a primeira companhia a explorar o potencial do vinho na cidade Foto: Tiago Queiroz

Esse mergulho no universo dos vinhos já começa aparecer em números de investimentos direcionados ao pequeno município de pouco mais de 40 mil habitantes, que vive uma espécie de “corrida do ouro”, com empresários em busca de terras férteis para plantação de videiras e outros negócios.

Um levantamento feito pela prefeitura local, a pedido do Estadão, mapeou cerca de R$ 500 milhões em investimentos ligados ao setor de turismo, como novas vinícolas, wine bars, hotéis, restaurantes, entre outros estabelecimentos que já se encontram em algum estágio de implementação do negócio na cidade.

Com a chegada do vinho e do enoturismo em Espírito Santo do Pinhal, cidade quer ser uma nova potência do setor, se transformando em uma nova 'rota do vinho' no Estado Foto: Tiago Queiroz

O professor de viticultura do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Fábio Lenk, explica que, diferentemente de outras cidades conhecidas pela produção de vinho, como São Roque e Jundiaí, que tem produções focadas nas uvas de mesa, Pinhal conseguiu se destacar por ter boas condições para o desenvolvimento das uvas de inverno, algo “herdado” da sua prévia cafeicultura. “Onde se faz um bom café também se faz um bom vinho”, diz Lenk.

Segundo o especialista, com o sucesso das primeiras empreitadas ligadas ao vinho, outros empresários sem experiência na viticultura começaram a se interessar pela região, comprando terras antes ocupadas apenas pelo café e passando a usá-las para as uvas. “São empresários da soja, da cana, da tecnologia, dos bancos, pessoas que acabaram sendo atraídas pelo negócio do vinho e muito pela expansão do enoturismo”, afirma.

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Espírito Santo do Pinhal, a cidade do café que agora vive o boom do vinho Foto: Tiago Queiroz

Da xícara à taça

Mas, como uma cidade que passou tanto tempo exportando um único fruto muda “do café para o vinho”? A diretora de turismo de Espírito Santo do Pinhal, Loriane Salvi, conta que a mudança de plano do município teve início em 2014, quando a administração local decidiu investir para se transformar de um polo exportador de commodity para uma região turística, apostando no crescimento do enoturismo.

Funcionárias da Guaspari plantam mudas de videiras na fazenda; Com a chegada do vinho, vinícolas precisaram profissionalizar trabalhadores locais que estavam acostumados a manusear apenas lavouras de café, tradicional cultura da região Foto: Tiago Queiroz

Para essa nova fase, a chegada da Guaspari foi fundamental. “A Vinícola Guaspari é o projeto âncora da cidade”, diz. “O turismo estava adormecido por aqui, algo que foi revivido com a cultura do vinho trazida por eles”

A história da Vinícola Guaspari começa em 2001, quando membros da família Brito adquiriram as primeiras terras na cidade. Cinco anos mais tarde, em 2006, foram plantadas as primeiras videiras. Com o resultado da extração da primeira leva, ainda artesanal, a família se surpreendeu com a qualidade do vinho gerado na região e decidiu dar início a um projeto mais ambicioso, de transformar a propriedade em uma grande produtora de vinhos. Atualmente, são 60 hectares de vinhedos plantados na propriedade e uma estimativa de engarrafar cerca de 150 mil garrafas de vinho nos próximos anos.

Solo, clima e tecnologia

A diretora executiva da vinícola, Fabrizia Zucherato, conta que a qualidade do vinho local está ligada à junção de fatores biológicos, climáticos e um pouco de inovação. O primeiro fator é o “terroir da região”, que são as características biológicas do solo pinhalense, às margens da Serra da Mantiqueira, de terras graníticas, profundas e altamente drenadas. O segundo diz respeito à amplitude térmica na cidade, que registra, no inverno, dias quentes e noites frescas, um tipo de clima comum no verão europeu, em grandes regiões produtoras de vinho, como Itália e França. “Essa amplitude é ideal para a maturação das uvas, que faz a concentração dos açúcares”, diz Fabrizia, que é engenheira agrônoma. “Isso, junto da tecnologia, gera um bom vinho.”

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Segundo a diretora executiva da Vinícola Guaspari, a expectativa é chegar a 150 mil garrafas envazadas por safra nos próximos anos Foto: Tiago Queiroz

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E, por último, tem a questão de inovação: a empresa usa uma tecnologia desenvolvida pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), conhecida como “dupla poda” das videiras. A grosso modo, nesse método, a primeira “poda” dos galhos da videira serve para evitar que ela gere frutos no verão -quando há maior quantidade de chuvas, o que dilui os açúcares da fruta. Dessa forma, a planta é “enganada”, e os sabores das uvas ficam concentrados para a segunda poda, entre maio e junho, feita no período de temperaturas mais baixas.

Desde que foi iniciada a produção de vinhos da vinícola, os rótulos da marca já garantiram algumas premiações internacionais, como na Decanter World Wine Awards. Isso logo atraiu olhares de novos apaixonados pelo vinho, que começaram a investir nas terras de Espírito Santo do Pinhal. Na Guaspari, uma garrafa de vinho produzida na região pode custar de “meros” R$ 150 a até R$ 800, a depender do tipo da uva, tempo de engarrafamento e outras questões técnicas.

De acordo com a administração local, atualmente o município possui 28 projetos de vinícola em andamento, das quais nove deles já estão em fase de operação. Vale ressaltar, que, apesar do crescimento dos negócios ligados ao vinho, o número de produtores de café ainda é predominante na cidade: são, atualmente, cerca de 950 produtores de cafés especiais cadastrados.

Cidade já possui 28 vinícolas instaladas, das quais nove já estão em processo de produção Foto: Tiago Queiroz

Um desses novos negócios é a Vinícola Amana, formada por um grupo de 40 investidores de todo o Brasil e também do exterior. Já no período de envasamento das primeiras safras, a expectativa da companhia é alcançar a meta de 120 mil garrafas de vinho nos próximos anos.

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Dores do crescimento

Como diversas cidades que passam pelo processo de crescimento, em meio ao boom do enoturismo, Espírito Santo do Pinhal também enfrenta algumas das “dores do crescimento”, como falta de mão de obra qualificada, insumos para a vinificação e estrutura para expansão dos negócios.

Conforme divulgado pela prefeitura, uma das principais demandas dos novos empreendimentos são os trabalhadores para o segmento de serviços, por conta da chegada de novos hotéis, bares e restaurantes. Para resolver o problema, o executivo municipal conta com algumas parcerias com entidades de formação profissional e também com as iniciativas particulares de cada companhia.

No caso da Guaspari, para dar conta da demanda pelos profissionais do atendimento do vinho, a companhia tem realizado projetos de formação interna, que vão desde cursos de atendimento ao cliente até aperfeiçoamento dos sommeliers da casa, com a mentoria de um especialista vindo de fora do País. “Nós não tínhamos essa tradição na cidade. Eu tenho gente que era rurícola e passou a trabalhar com atendimento ao público”, diz Fabrizia Zucherato. “O modelo mais sustentável é trazer esses profissionais direito da nossa cidade.”

Para Fábio Lenk, professor do IFSP, além das questões do atendimento, outra demanda considerada importante para o sucesso da nova empreitada de Espírito Santo do Pinhal é a capacidade local de processar toda a uva colhida na região, já que neste tipo de cultivo, diferentemente do tradicional café, não é possível armazenar por muito tempo os insumos. “Ter como processar toda a uva é fundamental para esse setor”, diz. “São problemas que ainda terão de ser resolvidos.”

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