Estados do Norte correm para avançar em projetos de carbono e apresentá-los a investidores na COP

Ministério Público Federal no Pará e no Amazonas, porém, questionam como projetos estão sendo desenvolvidos

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Atualização:

A menos de dez meses para a COP-30, Estados da região Norte do País correm para avançar com seus projetos de crédito de carbono e chegar a Belém com propostas concretas para mostrar a investidores. Alguns deles já assinaram contratos de preferência de venda desses créditos, mas ainda precisam ter a anuência de populações tradicionais para tirar os projetos do papel – o que poderá não ser fácil.

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Setores público e privado estão alinhados com a estratégia de aproveitar a COP para mostrar ao mundo que o Brasil é um país com capacidade para oferecer soluções para que terceiros possam atingir as metas de redução das emissões. E os créditos de carbono serão uma dessas soluções que se buscará apresentar na ocasião.

No fim do ano passado, o Pará já anunciou a assinatura de um acordo no valor de US$ 75 milhões (R$ 443 milhões) para vender créditos de carbono gerados pela redução do desmatamento que deve ocorrer no Estado entre 2023 e 2026. Foram negociados 5 milhões de créditos (cada um correspondente a uma tonelada de carbono não emitida), sendo que cada crédito foi avaliado em US$ 15. Há a possibilidade de mais 7 milhões de créditos serem transacionados, o que faria com que o negócio alcançasse a cifra de US$ 180 milhões (R$ 1 bilhão), no que foi anunciado como o maior acordo de venda de crédito de carbono já realizada no Brasil.

O acordo foi fechado com a Emergent, coordenadora da Coalizão LEAF, uma iniciativa pública e privada internacional que inclui grandes corporações e os governos da Noruega, do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. Entre os compradores da Coalizão, por sua vez, estão empresas como Amazon, Bayer, H&M, BCG, Capgemini e Fundação Walmart.

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O contrato considera uma linha de corte de emissões de 234 milhões de toneladas de carbono por ano. O número é a média das emissões paraenses entre 2018 e 2022. Se o Estado emitir menos que isso por ano, ele gera créditos – o que já teria ocorrido em 2023 e 2024, segundo o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Raul Protázio Romão.

O projeto de crédito do Pará é do tipo jurisdicional, ou seja, ele considera a redução das emissões de todo o Estado. Assim, se uma determinada comunidade tradicional decidir desenvolver um projeto próprio, ela terá sua redução de emissões excluída do projeto do Estado.

O governo de Helder Barbalho (MDB) já criou uma sociedade de economia mista para transacionar os créditos de carbono e está trabalhando no anteprojeto de lei que dará sustentação legal para seu sistema de venda. A intenção agora é realizar as consultas prévias, livres e informadas com a população em geral, mas sobretudo com comunidades tradicionais afetadas diretamente.

Vista aérea da Amazônia no Pará; Estado trabalha em projeto jurisdicional de crédito de carbono Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“Se as populações não quiserem esse sistema, tudo bem. Não teremos nenhuma penalidade por isso. Só não teremos o crédito que seria gerado nesse território”, diz Romão.

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Segundo o secretário, o projeto jurisdicional do Pará é uma tentativa de conseguir financiamento para proteger a floresta. “Os entes nacionais e o próprio Brasil precisam encontrar caminhos de financiamento (para manter a Amazônia em pé). Ainda não temos isso hoje. Quando chega a época das queimadas ou quando o desmatamento aumenta, as estruturas de Estado não estão preparadas para o tamanho do desafio.”

A intenção de Romão é, até a COP, ter a base jurídica do sistema jurisdicional concluída, realizar as audiências públicas, entregar os primeiros créditos de carbono e receber os recursos. “Queremos concluir a transação até lá.”

O desafio, no entanto, é grande. Em dezembro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) emitiram uma recomendação à Secretaria de Meio Ambiente na qual apontaram vários problemas no modo como o projeto vem sendo desenvolvido. Os órgãos citavam a falta de realização de consulta prévia aos povos tradicionais e a proposta do governo paraense para repartir parte dos recursos provenientes da venda dos créditos de forma igualitária entre o pequeno produtor e os médios e grandes proprietários de terra.

O MPF e o MPPA também apontaram que a inclusão de áreas federais no projeto levanta dúvidas sobre o respeito à autonomia e aos direitos dos povos tradicionais que ocupam esses territórios. Ainda criticaram o Estado por veicular a notícia de que a venda de R$ 1 bilhão havia sido fechada e destacaram se tratar de uma sinalização de interesse de compra.

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De acordo com o governo do Pará, as consultas serão iniciadas em fevereiro.

Amazonas terceirizou exploração em unidades de conservação

No Amazonas, a situação não difere muito da do Pará. Apesar de o modelo de projeto de carbono ser distinto, ele também tem sido criticado pelo MPF.

O governo de Wilson Lima (União Brasil) terceirizou a exploração de projetos em 21 unidades de conservação do Estado, em uma iniciativa iniciada em junho de 2023. Foram selecionadas para tocar os projetos as empresas Carbonext, BrCarbon, Ecosecurities, Future Carbon e Permian Brasil. De acordo com os contratos, essas companhias ficarão com 15% do valor de venda dos créditos, enquanto o Estado, com 85% – desse montante, metade deve ir para as comunidades.

O secretário de Meio Ambiente, Eduardo Taveira, afirma que os recursos gerados pelos créditos são essenciais para que o Estado consiga manter a floresta em pé. “Vai ser muito complicado manter as metas de redução de desmatamento se os projetos não rodarem. A gente fica sem uma capacidade inclusive de caixa para poder estruturar o sistema de monitoramento”, diz.

Segundo Taveira, a meta é realizar as audiências públicas sobre o assunto até junho e aplicar as novas metodologias da Verra (certificadora de créditos) já no desenvolvimento dos projetos. “Queremos levar os projetos para a COP com todos os arranjos já aprovados”, afirma o secretário. “Seria muito bom conseguir levar algum resultado, a concretização já de uma venda. Mas não acho que isso será possível. Também não estamos com pressa. Queremos primeiro acertar o mecanismo.”

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Em novembro, no entanto, o MPF ajuizou uma ação civil pública pedindo para a Justiça suspender os projetos. Isso porque comunidades indígenas, ribeirinhas e extrativistas das unidades de conservação não foram consultadas sobre o assunto, conforme determina convenção da Organização Internacional do Trabalho.

“A maioria dos povos não tem noção do que se trata um crédito de carbono, como é criado, usado e quais são as consequências. Do jeito que o governo está fazendo, as populações vão meio que homologar ou não os projetos. Não é assim que se faz uma consulta”, diz o procurador Fernando Merloto, responsável pela ação.

Questionado sobre o tema, o secretário do Amazonas disse que continuará desenvolvendo o projeto conforme a legislação do Amazonas e que o Estado se defenderá na Justiça.

Tocantins também desenvolve projeto jurisdicional

Pioneiro na área, o Tocantins trabalha em um projeto jurisdicional. De acordo com o secretário do Meio Ambiente, Marcello Lellis, a intenção do governo de Wanderlei Barbosa (Republicanos) é chegar à COP com o projeto certificado. Até lá, no entanto, será preciso realizar as consultas com as comunidades tradicionais envolvidas.

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A iniciativa do Estado ainda não tem definida como será a repartição dos recursos levantados com a venda dos créditos. Uma hipótese é que o Estado fique com 50%, os povos tradicionais com 25% e o agro com 25%. “No caso do agro, a ideia não é distribuir por fazendas. É usar o dinheiro para adotar ações coletivas definidas pelos produtores rurais”, diz Lellis.

Para desenvolver seu projeto, o Estado assinou contrato em junho de 2023 com a suíça Mercuria, uma das maiores tradings de commodities de energia do mundo. Pelo contrato, a empresa – que tem preferência para comprar os créditos gerados no Tocantins até 2030 – deverá investir R$ 20 milhões para enquadrar os créditos do Estado aos padrões internacionais.

Diferentemente do que ocorre no Pará e no Amazonas, o projeto do Tocantins não foi alvo de questionamentos do MPF. O procurador Álvaro Manzano afirma vir acompanhando as discussões sobre o assunto e que o governo estadual sempre está aberto a conversas.