O projeto El Agua nos Une, que visa levar a preocupação com a questão hídrica para as empresas e ajudá-las a evoluir no tema, ganhou uma segunda edição brasileira lançada pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVCes).
A ideia é que as próprias companhias montem planos para utilizar o recurso de forma mais racional, com uma metodologia exclusiva e validada pela FGV em um relatório. O projeto começou na Colômbia e está presente em outros países da América Latina, como Peru e Chile.
A primeira edição do El Agua nos Une no Brasil foi de 2018 até 2021 e teve três empresas; a atual deve ir de 2023 a fevereiro de 2026 e conta com quatro: Companhia Brasileira do Alumínio (CBA), São Salvador Alimentos, Aquapolo e Amanco. A CBA é a única participante que também esteve na primeira edição.
Gestores ligados à sustentabilidade e ao uso de água nas empresas poderão participar de workshops, trocar experiências entre eles, com entes públicos e outras empresas e irão montar os planejamentos para racionalizar o uso dos recursos hídricos, reutilizando e tratando, passo a passo.
A principal diferença entre as edições é a inclusão de mais atores na conversa. “Temos uma pegada de política pública, iremos discutir com governos e outros atores o que precisa ser feito para avançar em termos regulatórios”, afirma Juliana Picoli, gestora de projetos do FGVCes. Segundo ela, há canais abertos com órgãos como o Ministério do Meio Ambiente, a Agência Nacional de Águas e outros.
Até agora, alguns passos iniciais foram dados, com workshops. “Fizemos um treinamento onde apresentamos todo o conteúdo técnico para começar a orientar como realizar o cálculo”, relata Layla Lambiasi, pesquisadora do FGVCes. A capacitação é feita com diferentes funcionários das empresas para internalizar o conhecimento.
Segundo Picoli, após a capacitação e a definição de um produto específico que terá a cadeia hídrica acompanhada, a fase seguinte é um template com a orientação de todos os dados que deverão ser coletados. Também é feito um treinamento com um software para automatizar as informações e analisar o ciclo de vida.
Com base nesses resultados, nos quais avaliam os pontos críticos como qualidade, em termos de acidificação ou toxicidade, e disponibilidade local. Somente após a análise completa começam a ser elaboradas as ações internas, que não precisam ser feitas durante o projeto e podem se estender para depois do término.
Muitas reuniões são feitas para acompanhamento, além de eventos para trocas de experiências com as outras empresas, com órgãos públicos e mesmo com os representantes do projeto em outros países da América Latina. “Os países têm bastante interesse em saber o que acontece nos outros”, diz Picoli.
Em termos de produção de conhecimento, as pesquisadoras afirmaram que o relatório final, a ser publicado em 2026, deve trazer um quadro abrangente sobre como está a prática do uso da água no Brasil, do ponto de vista técnico e regulatório. “É um debate com recomendações, vamos fazer uma síntese para trazer a discussão e consolidar todos os aprendizados”, resume Picoli. Outra publicação específica sobre reúso de água em cada país do projeto será feita, e deve ser lançada em janeiro de 2024.
Atração
Da parte das empresas, as principais motivações citadas são a preocupação ambiental, a vontade de contribuir para a geração de conhecimento sobre o tema e a busca por novos mercados ou modelos de negócios. A CBA, por exemplo, cita a vontade de construir conhecimento acadêmico.
“A empresa é referência na produção de alumínio de baixo carbono, mas entendemos que precisamos dar os próximos passos em outras temáticas também, e a água é uma das nossas prioridades nesse processo”, afirma Leandro Faria, Gerente Geral de Sustentabilidade da CBA.
Participante pela segunda vez, a empresa menciona que o tema precisa estar presente de forma contínua. “Entendemos que a questão hídrica não é pontual, mas sim que precisa de estudos e iniciativas contínuas para avançarmos cada vez mais. A CBA quer fazer parte dessa construção de soluções”, explica Faria. O projeto também permitiria aplicar técnicas de análise em um produto, que mais tarde pudessem ser replicadas para todos os outros.
A expectativa é que outras empresas do setor também possam aprender com as técnicas desenvolvidas. A São Salvador, indústria alimentícia de Goiás, cita a vontade de ser vanguarda. “Esperamos passar para outras do setor alimentício. Tem muito da inovação, queremos servir de referência para a economia circular. Se uma atitude é boa, funciona e não tem impacto financeiro grande, podemos receber os concorrentes e compartilhar. Nossa intenção é de estar na frente”, afirma Vagner Gugel, engenheiro ambiental da empresa.
Outra motivação da empresa é a busca por mais mercados. “Se for para entrar na Europa, queremos já ter isso pronto”, projeta Gugel. Segundo ele, até o momento a São Salvador limitou as exportações no Velho Continente ao Reino Unido, já que a União Europeia é mais exigente.
Inovação
A participação no programa é vista pela Aquapolo como uma chance de estruturar um novo serviço. A empresa é fruto de uma parceria entre a GS Inima Industrial e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), e fornece água de reuso para o Polo Petroquímico de Capuava e indústrias da região do ABC Paulista.
No futuro, planeja passar a vender “créditos de água”, em um formato parecido ao dos créditos de carbono. Assim, uma indústria pagaria à Aquapolo para liberar na natureza a mesma quantidade de água limpa que foi poluída na operação. Essa água nova poderia até ser utilizada pela própria empresa que comprou os créditos. “O projeto transforma porque apoia a empresa a fazer o próprio cálculo, mas tem uma metodologia validada”, afirma Márcio José, diretor-presidente da Aquapolo Ambiental.
Para Márcio, ter um planejamento específico também ajudará a Aquapolo a atingir as metas ambientais antes de começar a vender os créditos. “Até 2025 temos compromisso de zerar a pegada hídrica. O segundo passo é conhecer bem o conceito para poder adaptar e criar as metodologias de crédito”, prevê.
Nas próximas edições do projeto, as pesquisadoras projetam atrair mais empresas e em outras formas. “Estamos pensando em outro formato, num modelo mais simplificado de análise de pegada hídrica para ter mais empresas”, conta Picoli. A nova edição deve ser realizada em 2026, após o término da atual.
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