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Fogão, TV, ar-condicionado: como a China usa a IA para revolucionar o mercado de eletrodomésticos

Aparelhos desenvolvidos pelas companhias chinesas conseguem identificar a hora que um alimento está cozido, a qualidade do ar e se é preciso fazer uma desinfecção da geladeira, por exemplo; empresas negociam com varejistas brasileiros para lançar alguns produtos no País

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Foto do author Wesley Gonsalves
Atualização:

HANGZOU - Na era da inteligência artificial, já existem eletrodomésticos capazes de “pensar” e tomar decisões de forma autônoma, graças a ferramentas avançadas. Por exemplo? Um fogão que desliga o fogo automaticamente para evitar que a comida queime; um ar-condicionado ativado por voz e analisa a qualidade do ar; uma geladeira que detecta a necessidade de desinfecção; ou até uma televisão que ajuda as crianças a estudarem matemática, resolvendo equações de segundo grau. Essas são apenas algumas das opções já disponíveis para quem deseja modernizar o lar na China.

Do outro lado do mundo, na terra do dragão, esses avanços já são uma realidade para consumidores dispostos a desembolsar alguns milhares de yuans pelos utensílios de última geração. Por lá, as gigantes de tecnologia do mercado chinês correm contra o tempo para conquistar o status de pioneiras ao lançar essas inovações no varejo, com produtos que vão desde TVs inteligentes até robôs de limpeza autônomos.

Essa corrida por modernizar cada vez mais os eletrodomésticos no País está ligada à projeção de crescimento positivo para o setor. Dados da consultoria Statista sobre o mercado chinês apontam uma movimentação de US$ 160 bilhões (R$ 916 bilhões, pela cotação de sexta-feira, 8), com expectativa de avanço anual médio de 3,55% até 2029.

O Estadão visitou um stand de exposição da Changhong Holding Group, a empresa chinesa que lançou, recentemente, uma linha de “Casa Conectada”, de aparelhos que utilizam ferramentas de IA generativa para se conectar e tomar decisões sozinhos. A ideia é automatizar o dia a dia dos consumidores. São TVs, aparelhos de ar-condicionado, máquinas de lavar roupa, geladeira e até um fogão “turbinado” com Inteligência artificial.

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Aparelhos eletrodomésticos com IA Generativa na China Foto: Wesley Gonsalves

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Para o especialista em tecnologia da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Renato Franzin, para considerar um eletrônico como “inteligente” e guiado por Inteligência Artificial, o eletrodoméstico não pode apenas responder a comandos acionados por um sensor. “Nós precisamos diferenciar o que acontece pela função de sensor e o que é IA generativa”, diz ele. “Uma geladeira conectada que envia um e-mail avisando que acabou o tomate, isso não é uso da inteligência”, pondera.

Franzin explica que um aparelho guiado por inteligência artificial é aquele que consegue tomar decisões e interagir com outros itens do ambiente, sem depender de comandos. “Inteligência artificial não é uma decisão mecânica. É quando você coloca mais parâmetros para serem analisados e a máquina toma decisões dentro desses cenários. Quando começamos a ter uma quantidade grande de sensores, aí começamos a ter uma complexidade para chamar de inteligência”, exemplifica o especialista. “Só faz sentido pensar em usar a inteligência artificial generativa quando você começa a ter interações dentro da residência que não dependem apenas de um dos dispositivos.”

Como funcionam os aparelhos?

No caso do aparelho de TV da Chiq, marca da Changhong, o eletrodoméstico entende comandos de voz, se conecta com a casa e outros aparelhos da mesma linha de IA, faz pesquisas na internet e até ajuda às crianças a estudarem matemática. “Esse é o primeiro modelo no mercado, somos pioneiros”, diz o diretor da divisão de televisores da Chamghong, Li Guouchun. “Essa TV pode ajudar as crianças a estudarem matemática, resolvendo contas ou realizando pesquisas escolares”, afirma.

Guouchun conta que essas novas funções dos aparelhos só são possíveis graças a uma ferramenta de inteligência artificial desenvolvida internamente pela companhia, e aplicada nos eletrônicos. Uma TV do modelo pode custar de 6 mil a 35 mil yuans chineses, algo em torno de R$ 4,7 mil a R$ 28 mil na cotação atual.

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Tanto a máquina de lavar quanto o ar-condicionado, a geladeira e o fogão agora utilizam tecnologia para se conectar e tomar decisões de forma autônoma. Segundo a Changhong, o fogão - seja a versão a gás ou o modelo de indução elétrica - consegue analisar o momento ideal para desligar e encerrar o cozimento automaticamente. “Se a pessoa sai de casa e deixa a panela no fogão, não há risco de queimar, pois o aparelho identifica a hora certa de desligar a chama”, diz Guo Shouchao, diretor de produtos da divisão de cozinha e banheiro da Changhong.

No ar-condicionado, a inovação via IA se dá pela capacidade de analisar os parâmetros do ambiente e decidir quais funções ativar. Gouchun conta que o eletrodoméstico faz análises de qualidade de ar, escolhe os melhores momentos para fazer trocas de ar, análise de umidade e afins, além de avaliar a temperatura ideal do ambiente conforme a estação e o ambiente externo. Assim como os demais itens, a linha lançada neste semestre é guiada por voz e pode ser acionada inteiramente pelos comandos da TV. O aparelho pode custar de 5 mil yuans a 10 mil yuans (R$ 4 mil e R$ 8 mil, respectivamente).

Com uso de IA Generativa, empresa chinesa promete de TV que gerencia casa até fogão inteligente que decide a hora de desligar o fogo durante cozimento de alimentos Foto: Zhang Wei - Beijing Review/ Divulgação

Expansão global

A companhia fundada em 1958, em Changdu, terra conhecida pelos ursos pandas, começou as operações focadas em televisores, mas avançou no seu portfólio de produtos para os demais itens de tecnologia dentro de casa. Hoje, o foco da empresa é unir as novas tecnologias e introduzir essas ferramentas em aparelhos de ar-condicionado, televisão, geladeiras e outros itens de casa conectada.

Conforme apurou o Estadão, a companhia fechou negócios recentemente com uma varejista brasileira que revenderá seus produtos no País, ainda neste ano 2024. O nome da companhia local, no entanto, não foi divulgado. O movimento faz parte dos planos de expansão global da companhia que agora mira a América do Sul.

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Para o especialista em varejo da FGV, Ulysses Reis, a entrada de uma nova marca de eletrônicos no País dependerá, em grande parte, dos investimentos da companhia na estratégia de marketing, para conseguir ganhar terreno no mercado doméstico. “Quanto eles vão ter para investir?”, questiona. Reis afirma que as barreiras de entrada no Brasil são grandes, e uma possível penetração dependerá de um plano estratégico para “furar a bolha” do mercado gradualmente.

O especialista pondera que o sucesso desse processo de nacionalização pode ser facilitado se a Changhong conseguir se atrelar a outros nomes do mercado doméstico que já têm o gosto dos brasileiros, como os marketplaces asiáticos, ou as plataformas de redes sociais.

Fabricante da TV com IA promete um parelho que pode gerir a casa toda, além de ajudar às crianças nas tarefas escolares Foto: Wesley Gonsalves

Dados da empresa mostram que, em 2023, as exportações para mais de 40 mercados internacionais foram responsáveis por cerca de 10% do faturamento total da companhia chinesa, movimentando aproximadamente 23 bilhões de yuans (R$ 18,37 bilhões).

A expectativa da chinesa é comercializar algo em torno de US$ 5 milhões (R$ 28,65 milhões) vendidos em aparelhos para o público brasileiro, com a possibilidade de ampliar as vendas em até US$ 50 milhões (R$ 286 milhões) no Brasil, segundo o diretor de operações locais da Changhong Holding Group, Chang Huaiwei. “Nossa companhia cria novos produtos conforme as necessidades de cada mercado”, afirma ele.

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Huaiwei adianta que os esforços de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos da companhia estão focados no segmento de conectividade da casa, a exemplo dos fogões inteligentes. “Nós estamos agora pesquisando novas formas de controle inteligente de toda a casa.”

Para Franzin, da Escola Politécnica da USP, ainda que o mercado chinês já tenha opções disponíveis ao público consumidor, por aqui, a ideia de uma casa conectada com aparelhos guiados por IA pode demorar ainda. Isso porque, segundo ele, massificar esse tipo de tecnologia pode demorar um pouco, o que fará a disponibilidade de produtos estar mais ligada, inicialmente, ao mercado de nicho. “É possível que essas tecnologias cheguem primeiro para os prédios comerciais e depois ao varejo na casa das pessoas. Já que as empresas têm muito mais necessidade de automação, pela questão de economia do negócio.”

Fabricante Changhong traz para o mercado uma linha de casa conectada potencializada com ferramentas de IA generativa  Foto: Wesley Gonsalves

Corrida pela AI

Enquanto o mundo acompanha uma corrida de gigantes sobre os usos da inteligência artificial, o mercado asiático de tecnologia também se apronta para lançar produtos que utilizam essas ferramentas nos seus aparelhos. A sul-coreana Samsung lançou em abril deste ano seu último modelo com uso de IA para aprimorar a qualidade de imagens, transformando os conteúdos em 4k e 8k. A compatriota e concorrente LG também levou ao mercado aparelhos com funções parecidas nos últimos meses.

Para Franzin, da USP, as possibilidades de uso da IA Generativa no mundo doméstico não podem estar dissociadas da discussão ética envolvendo os avanços da tecnologia. Ele pondera os riscos de se conectar totalmente a casa, que poderia expor o ambiente doméstico a um risco de segurança digital, como falhas técnicas e também vazamentos de informação pessoal dos seus usuários. “O risco de mau funcionamento será multiplicado. E se a IA ficar maluca e deixar sua casa inteira de ponta cabeça?”, questiona.

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O jornalista viajou à China a convite da Kwai e do Centro de Comunicação da China para as Américas.

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