A fama de ser livre e desapegada da Geração Z cai por terra quando o assunto é casa própria. Nesse aspecto, os jovens brasileiros, nascidos entre 1997 e 2010, compartilham do mesmo sonho de seus pais. Um estudo realizado pela empresa de pesquisa e consultoria Brain Inteligência Estratégica, aponta que 68% das pessoas de 21 a 34 anos afirmam preferir comprar um imóvel a morar de aluguel.
A ideia comum no mercado de que os mais jovens não querem acumular bens e não querem ter o próprio imóvel surge de uma falta de atenção sobre a diferença de classes nessa faixa etária. O CEO da Brain, Fábio Tadeu Araújo, destaca que a minoria dos jovens brasileiros está entre os mais ricos (apenas 2,9% da população brasileira estão na classe A e 14,2% na classe B).
“Quando se fala sobre as gerações novas que querem morar de aluguel, é sobre um recorte muito específico. Essas pessoas são de alta renda, das grandes capitais brasileiras, que estão ainda no momento de vida pré-casamento, que seria imitando os Estados Unidos, aqueles jovens da Califórnia que são ultracosmopolitas”, afirma.
O CEO da consultoria Tree - The Real Estate Environment, Daniel Sznelwar, ressalta que o cenário brasileiro é diferente, onde há uma grande quantidade de pessoas na classe média (30,3% são da classe C). Dentro desse grupo, a casa própria é a realização de um grande sonho.
Sznelwar afirma ainda que o imóvel simboliza a conquista da própria dignidade. “Ter a primeira casa é muito importante, até para você começar a sua vida, obter acesso à segurança, educação, equipamentos públicos de qualidade, portas de lixo, de esgoto e sustentabilidade”, defende. Hoje no Brasil, no entanto, o déficit habitacional soma 6 milhões de domicílios em 2022, o que representa 8,3% do total de habitações ocupadas no País.
Há alguns anos, o governo vem tentando reduzir esses números com o programa Minha Casa, Minha Vida, o que ajudou a diminuir as dificuldades das pessoas de renda mais baixa para comprar a casa própria, sobretudo os jovens de baixa e média renda.
Sznelwar destaca o cenário das cidades do interior, onde incorporadoras têm levado empreendimentos para variados públicos. “Temos empresas atendendo e montando em várias localidades no Brasil. O mercado de capital está cada vez mais atingindo esse pessoal e financiando (os bens), além da ajuda do governo, a produção imobiliária”, relembra.
A fisioterapeuta Alana Bastos, 28, é uma das que aproveitaram os benefícios do programa para realizar o sonho da casa própria. Ela chegou a morar na casa dos sogros com o marido até encontrar um apartamento que cabia no bolso da família. O imóvel, comprado em 2022, já é moradia do casal desde o começo do ano e tem as características que procuravam: boa localização, acesso a transporte público e uma parcela de financiamento menor do que o valor de um aluguel.
“Pensamos muito na localização, porque não temos carro. A nossa geração usa mais transporte público ou por aplicativos”, diz ela. O imóvel, comprado por meio do programa Minha Casa Minha Vida, tem 35 m². O teto do financiamento do programa é de R$ 350 mil.
Alana conta que vai precisar abrir mão de algumas experiências, mas isso pesou menos porque a aquisição do imóvel veio logo depois de algumas viagens e do casamento. “A questão emocional falou mais alto. Era importante ter onde criar raízes, sentir que temos um lugar para onde voltar”, afirma.
A diretora de incorporação da Plano&Plano, Renée Silveira, conta que os jovens têm se tornado uma parte importante dos consumidores da empresa nos últimos anos. “Identificamos um crescimento na representação da geração Z entre os clientes. Em 2021, refletiam 8% dos compradores. Um ano depois, o porcentual quase dobrou, chegando a 14%. Em 2023, já eram 22% e, agora, em 2024, são 23% dos clientes da companhia”, afirma Renée.
A analista de marketing Victoria Fiorentini, 26, ajudou a engrossar esses números. Ela saiu da casa dos pais para ficar mais perto do trabalho e hoje mora de aluguel, mas optou por comprar um imóvel na planta no começo do ano, que será no Jardim Anália Franco, na zona leste da capital.
Victoria escolheu um apartamento de 37 m², também financiado em 35 anos por meio do programa Minha Casa Minha Vida em vez de um imóvel maior e já pronto para não comprometer sua renda ao ponto de precisar abrir mão de experiências ao longo da vida, como viagens. “Eu queria ter um lugar só meu. Mas brinco dizendo que não queria comprar um apartamento e não ter dinheiro nem para uma paçoca na rua”, afirma.
Segundo estudo do segundo trimestre deste ano elaborado pela Brain, 52% do público da geração Z tem intenção de adquirir um imóvel em até dois anos. A maioria, 49%, prefere morar em apartamento, contra 35% que prefere morar em casa, e o restante diz optar por condomínios fechados ou loteamentos.
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Jovens são criteriosos
Apesar de estarem mais interessados no acúmulo de bens, os jovens da Geração Z são mais criteriosos na hora da compra do imóvel, mesmo que isso represente mais tempo para fazer a aquisição. A médica veterinária, de 24 anos, Gabrielle Pellegrine, passou pelo longo processo de achar um lugar para morar. Ela e o noivo Rodrigo Teixeira ficaram dois anos buscando pela melhor oportunidade.
Para escolher o apartamento, o casal precisou fazer pesquisas e avaliar as possibilidades que estavam disponíveis no momento. Tentando balancear alguns fatores como preço e localização, Gabrielle e Teixeira encontraram empreendimentos que descartaram de cara. “Teve apartamentos que visitamos, que tínhamos que pagar pedágio para chegar no condomínio. A gente achava o preço bom, mas a distância não”, recorda.
Sznelwar afirma que o acesso a serviços é um dos pontos cruciais procurados por quem está na busca de um imóvel. Esse critério está conectado ao fato dessas pessoas serem economicamente ativas. “Quando você tem uma centralidade que te oferece emprego e serviço, não importa se ela está exatamente no centro da cidade ou se é em uma periferia”, explica.
Araújo ainda destaca que os critérios colocados pelos mais jovens têm relação com o tempo que esperam viver no imóvel. “A grande maioria das pessoas que compram um imóvel imagina que vai ficar pelo menos 15 anos nele. Então, é uma decisão tipo de um casamento”, ressalta.
Gabrielle e o noivo encontraram um imóvel que estava no orçamento deles. Mas, por pouco, não conseguiram. “A gente passou por volta de seis meses pensando. Quando voltamos para fechar o negócio, tinha uma unidade disponível”, conta.
Como escolher a melhor opção?
Na hora de encontrar o imóvel ideal, os especialistas destacam a importância de pesquisar. O estudo da Brain aponta que 72% dos jovens entrevistados afirmam buscar avaliações de imóveis encontradas na internet. Entre as pessoas de 65 a 71 anos, apenas 37% confiam.
Essa estratégia é considerada positiva por Araújo como um primeiro passo. Além disso, ele destaca que os compradores também podem procurar se o empreendimento tem um registro de incorporação. Esse número significa que as normas técnicas necessárias estão sendo adotadas.
Visitar os estandes de vendas pode ser uma estratégia extra para evitar roubadas. “Se a localização do imóvel é um dos aspectos isoladamente mais importantes na decisão de compra, ir até onde será o imóvel permite ter a experiência de como seria estar indo ao local que você vai morar”, destaca.
O coordenador do curso de negócios imobiliários da FGV, Alberto Ajzental, afirma que a geração passada abriu mão de muitas viagens e outras experiências de vida, enquanto a geração Z tende a deixar o compromisso da compra do imóvel para mais tarde e aproveitar a juventude para realizar seus sonhos. Porém, o adiamento da posse de um imóvel hoje também envolve uma limitação de renda que não deve ser ignorada.
“Sempre se falou que eles (a geração Z) são mais voltados a usufruir do que a ter. Mas a vida está muito mais difícil no mercado imobiliário. Os imóveis estão mais difíceis de serem comprados, a renda está menor e os imóveis ficaram mais caros desde a pandemia. Até que ponto será que estamos criando uma história só para nos confortar por não termos condições de possuir?”, afirma Ajzental.
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