Gol e Azul renegociam dívidas acumuladas na pandemia em meio a ambiente de incertezas

Ações das companhias aéreas valem pouco mais de 12% do registrado antes da pandemia

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Foto do author Luciana Dyniewicz

Após sobreviverem à pandemia, as companhias aéreas lutam agora para reduzir ou adiar as dívidas que foram feitas nos últimos três anos, quando a demanda por voos recuou drasticamente. Nas últimas semanas, a Azul vem renegociando suas dívidas, enquanto a Gol conseguiu uma injeção de capital que foi vista por uma agência classificadora de risco como um “calote seletivo”.

As negociações ocorrem em meio a um ambiente de incertezas, com o real desvalorizado e o preço do combustível de aviação em patamar elevado. Para analistas, as empresas estão em uma situação delicada, pois, diante da alta dos custos que têm enfrentado, precisam elevar ainda mais o preço das passagens para gerar caixa e pagar credores. Se sobem as tarifas, porém, perdem clientes e ficam com voos insustentáveis do ponto de vista financeiro. Daí, a necessidade de renegociação.

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“Durante a pandemia, as aéreas acumularam dívidas. Agora, as ações delas valem muito pouco comparado ao antes da crise. Isso mostra preocupação em relação à capacidade das empresas de rolarem essas dívidas”, diz o consultor André Castellini, sócio da Bain & Company e especialista no setor aéreo. As ações de Gol e Azul valem hoje pouco mais de 12% do registrado no pré-pandemia.

No caso da Gol - que acumula R$ 26 bilhões em dívidas -, o anúncio feito no início de fevereiro de que a empresa receberia um aporte de US$ 1 bilhão não foi suficiente para as ações se valorizarem. No mercado, os analistas reclamam que há poucas informações sobre a transação e que, até agora, não conseguiram conversar com a direção de relações com investidores da companhia.

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Por enquanto, o que se tem de informação é que a Gol está trocando títulos de dívida que venciam entre 2024, 2025 e 2026 por papéis que vencem em 2028. Por outro lado, pagará juros mais altos. Os títulos que serão substituídos tinham taxa de juros que variavam entre 3,75% e 8%. Os novos têm de 18%.

A transação que mudará o perfil da dívida e elevará o dinheiro no caixa da empresa é complexa. Parte do investimento na aérea será feito em dinheiro - acionistas da Abra (holding criada para controlar as operações da Avianca e da Gol) vão colocar US$ 175 milhões na companhia e alguns detentores de títulos vão injetar mais US$ 243 milhões.

Gol acertou aporte de US$ 1 bilhão com acionistas e detentores de títulos de dívida Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Outra parte do investimento virá da venda de títulos. A Abra comprará com desconto, do grupo de detentores de papéis que está fazendo o aporte, títulos emitidos pela Gol com valor nominal de US$680 milhões. Os papéis serão devolvidos para a Gol, que irá cancelá-los.

“Os detentores atuais da dívida vão receber menos que o valor de face. Por isso, teve agência de risco (a S&P) que classificou a transação como um calote”, explica um analista do mercado financeiro.

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Segundo esse analista, na prática, a transação anunciada pela Gol é um modo de a Abra ajudar a empresa a rolar a dívida. Apesar de o mercado reconhecer que a medida dá fôlego para a companhia aérea, um dos pontos que desagradaram os investidores foi o fato de a estrutura da transição beneficiar os acionistas e detentores de títulos que estão fazendo a injeção de recursos - eles têm preferência no pagamento.

A Azul, por sua vez, ainda não conseguiu fechar a renegociação. A empresa tem R$ 22 bilhões em dívidas e precisa pagar, em 2023, R$ 3,8 bilhões a arrendadores de aviões e R$ 700 milhões a bancos, segundo fontes do mercado. Do total devido a arrendadores, R$ 3,2 bilhões são referentes ao aluguel anual das aeronaves e R$ 600 milhões ao valor postergado durante a pandemia.

No fim do ano passado, a companhia já havia sinalizado a intenção de levantar capital no mercado financeiro para aliviar sua situação. A dificuldade para acessar o mercado, porém, levou a Azul a renegociar com arrendadores e bancos.

O acordo que vem sendo discutido envolve não apenas o pagamento do aluguel dos aviões deste ano, mas também o dos próximos. Há uma tentativa para reduzir o valor anual do arrendamento.

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Na visão de um analista do mercado, o acordo da Azul com arrendadores deve sair em breve, mas os termos não serão tão favoráveis à aérea. Isso porque a demanda por aviões hoje está alta, diferentemente do que ocorreu durante o começo da pandemia. À época, as empresas aéreas praticamente pararam de operar e os arrendadores estavam mais dispostos a negociar.

Para outro analista, inclusive a saída adotada em 2020 pela Latam, de pedir recuperação judicial nos Estados Unidos, “talvez tenha sido melhor” do que a da Gol e da Azul, que vêm renegociando dívidas aos poucos. “O contexto daquele período permitiu um acordo da aérea com os arrendadores e uma renegociação de dívida holística.” Apesar de já ter deixado a recuperação para trás, a Latam tem hoje seus papéis negociados nos EUA valendo 5% do preço de antes da covid.

O analista Pedro Pimenta, da Eleven Financial Research, afirma que a recuperação judicial pode ser uma estratégia quando garante à empresa custos mais baixos. Ele destaca, no entanto, que a sinalização ao mercado costuma ser negativa e indica que a companhia está “no fundo do poço”.

Procurada, a Gol não respondeu à reportagem. A Azul afirmou estar com as negociações em curso, e a Latam disse ter ingressado com o pedido de recuperação judicial “no momento certo” para realizar a “reestruturação que lhe deu a oportunidade de ser muito mais eficiente e competitiva”.

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