Durante a infância, o colecionador Vítor Mansano, de 33 anos, se apaixonou pelo universo dos brinquedos, um gosto que levaria para toda a vida. À época, alguns itens não eram uma possibilidade para ele, fosse pela falta de acesso aos personagens no País ou pelas imposições sociais do momento.
“Meu sonho era ter todas as bonecas das Spice Girls (banda inglesa formada pelas cantoras Melanie Brown, Melanie Chisholm, Emma Bunton, Geri Halliwell, e, anteriormente, Victoria Beckham), mas naquela época, os meninos não brincavam de boneca”, lembra.
Foi aos 18 anos, já ganhando o seu próprio dinheiro, que tudo mudou. Levado pela nostalgia em relação a séries, filmes, desenhos animados, jogos de videogame e divas pops que o marcaram na infância, Mansano decidiu começar uma coleção própria de brinquedos. As peças agora servem mais para decorar a casa do que efetivamente para brincar. “Hoje em dia eu vou comprar quantas (bonecas) Power Rangers rosa eu quiser”, conta.
É de olho em pessoas como Vitor Mansano — jovens adultos com poder de compra e sentimento de nostalgia por obras clássicas do entretenimento — que empresas como Riachuelo, Renner, Piticas e nomes do e-commerce como Mercado Livre e Magalu têm investido pesado no mercado da nostalgia. Eles apostam em produtos licenciados do mercado do varejo em massa ou no segmento de luxo que vão de bonecos e itens de decoração a roupas.
Para Cecília Russo, da Troiano Branding, o crescimento do mercado de itens licenciados do entretenimento vem acompanhado de um momento de incerteza política e econômica, que leva o público a buscar por memórias de “tempos mais tranquilos”, como no período da infância e adolescência e da vivência dos desenhos, filmes e séries. “Consumir no presente um produto da Barbie, do Star Wars de Harry Potter, ou qualquer uma dessas marcas, é uma forma de vivenciar essa memória”, afirma.
A especialista avalia que o sucesso dessas marcas que se mantêm na lista de desejos dos consumidores também pode estar ligado às representações humanas nas histórias, que faz com que o público se projete nos personagens, criando uma conexão profunda. “É quase como se eles representassem esse inconsciente coletivo do que nós queremos para nós. O que faz sucesso nos pega numa camada muito profunda do ser humano”, diz.
Maior oferta no País
Se, no passado, encontrar um produto oficial de franquias como Harry Potter, Star Wars, Friends, ou desenhos da Barbie, As Aventuras de Mario Bros e Power Rangers era uma tarefa difícil no mercado nacional, atualmente, os gigantes do entretenimento como Warner Bros, Disney e Netflix veem um “pote de ouro” no licenciamento desses itens, cobiçados pelos fãs em seu momento nostálgico.
Segundo as projeções da consultoria PwC, o mercado brasileiro de entretenimento e mídia — que engloba os produtos licenciados — deve movimentar aproximadamente US$ 33 bilhões em 2023, um aumento de 8,6% em relação ao ano anterior.
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Para Mansano, com sua visão de colecionador, o Brasil evoluiu bastante nos últimos anos, mas ainda tem uma oferta menor de produtos e, em muitos casos, com preços bem mais altos do que os mesmos itens comercializado em outros mercados, a exemplo dos Estados Unidos.
Mercado promissor
Um dos maiores nomes do setor, a Warner Bros Discovery é a proprietária dos direitos de licenciamento de clássicos do entretenimento como o seriado de humor Friends, a saga Harry Potter e a marca de super-heróis DC Comics. Gerente geral da divisão de licenciamento da empresa, Marcos Bandeira de Mello conta que o mercado brasileiro é visto pela companhia como um dos mais estratégicos para os negócios no segmento, e uma das maiores taxas de projeção de crescimento do grupo.
Esse desempenho, segundo ele, está ligado ao fato de o País ter uma das maiores bases de fãs de todo o mundo para diversos produtos e marcas. “Somos um mercado movido pela emoção, pela paixão que temos por marcas icônicas do mundo do entretenimento”, diz.
O sucesso desse mercado fez com que algumas varejistas ampliassem as operações tanto no mundo físico quanto no virtual. Na Piticas, a rede de franquias de produtos geeks chegou aos 450 pontos de venda pelo País. No caso da Riachuelo, além das vendas feitas nas lojas tradicionais, a companhia também lançou uma segunda marca, a FunLab, focada nos produtos licenciados, que atualmente possui quatro unidades em São Paulo e espera expandir o negócio pelo País.
“O que explica a razão de ser um mercado estratégico é o perfil muito amplo dos consumidores, desde o público infantil, passando pelo público jovem-adulto, extremamente engajado em tudo que se refere ao conteúdo, até o adulto, com um interesse enorme, pois por muito tempo algumas gerações não tinham acesso a produtos licenciados”, avalia Bandeira de Mello.
Na avaliação da professora de marketing da FGV Lilian Carvalho, o crescimento do mercado de licenciamento de produtos coincide com o aumento da oferta de produtos audiovisuais no cinema, televisão e no streaming. Ela explica que, neste cenário, os grandes estúdios não conseguem lucrar bilhões de dólares apenas com os seus lançamentos, e faz as companhias apostarem em itens colecionáveis.
“Antes, os filmes tinham uma vida no cinema, depois nas locadoras e mais tarde nas reprises de TV. Hoje em dia, não existe mais esse caminho que era comum e aumentava o faturamento dessas empresas”, diz. “Este mercado ajuda a fazer valer o investimento de produção dessas obras”, complementa.
Ainda segundo ela, outro fator que tem colaborado para o crescimento na procura pelos objetos ligados às séries, filmes e desenhos são as redes sociais. Lilian pontua que as plataformas como o Tiktok, X (antigo Twitter) e YouTube servem como uma ferramenta de introdução para novos fãs dessas obras clássicas, e isso os transforma em consumidores em potencial, mesmo que essa nostalgia não seja efetivamente em relação a algo vivenciado pelos jovens da Geração Z, por exemplo.
Essa relação de nostalgia entre as gerações já tem reflexo em números. Um levantamento da consultoria americana de pesquisas em marketing GWI mostra que 50% dos integrantes da Geração Z são nostálgicos em relação aos tipos de mídia consumidos. Segmentos como filmes, programas de TV e música são aqueles pelos quais os entrevistados pela pesquisa apontaram sentir a maior nostalgia.
Celebração da nostalgia
Com um público consumidor em alta, a nostalgia enquanto negócio também ganhou um evento para reunir marcas e clientes. A Comic-Com Experience Brasil (CCXP) cresceu ao longo dos últimos anos como um espaço dedicado justamente aos fãs de clássicos do entretenimento que estão sedentos por novidades em produtos licenciados de suas obras preferidas. Na última edição, o encontro de fãs da cultura pop recebeu cerca de 300 mil visitantes em quatro dias de feira.
O vice-presidente de conteúdo da CCXP no Brasil, Roberto Fabri, conta que em 2022, o tíquete médio de compras por visitante foi de R$ 720 em colecionáveis, sem considerar o valor do ingresso para a feira, o que movimentou por volta de R$ 60 milhões no evento.
“As gerações têm uma necessidade de vivenciar e materializar as experiências. Uma boa forma de fazer isso é aderindo às experiências físicas, com a compra de produtos licenciados”, diz Fabri. “O Brasil está entre os maiores mercados de games, de streaming e consumo audiovisual. Existe uma oferta instalada no País que acaba puxando o mercado de licenciamentos.”
Para a próxima edição da feira, que será realizada de 28 de novembro a 3 de dezembro, o executivo adiantou que novos fabricantes têm procurado a organização para poder participar e expor seus produtos voltados ao mercado da nostalgia, o que deve ampliar ainda mais a oferta de itens e marcas no local.
Nostálgico e luxuoso
Com o sucesso de produtos licenciados no mercado nacional, não são apenas as varejistas de moda que foram seduzidas pelo potencial dos produtos ligados ao entretenimento. Os licenciamentos de itens no mercado de luxo também ganharam espaço. Para quem pode pagar um pouco (ou muito) mais pelos itens, nomes como Montblanc, Gucci, Louis Vuitton e Loewe também oferecem uma vasta seleção de itens.
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Recentemente, a marca de luxo alemã Montblanc lançou uma coleção inspirada no anime japonês Naruto Uzumaki, com itens de escritório. No e-commerce brasileiro, uma caneta-tinteiro com desenho do personagem não sai por menos de R$ 7,6 mil.
Ainda no mundo dos animes, a grife espanhola Loewe buscou inspiração na nostalgia do mundo fantástico dos Estúdios Ghibli para uma coleção de roupas, bolsas e acessórios com estampas de clássicos do estúdio de cinema japonês, como Totoro, As Viagens de Chihiro e O Castelo Animado. Os produtos foram comercializados no site e nas lojas físicas das companhias com preços que variavam de R$ 2,4 mil por uma camiseta e até R$ 30 mil para um suéter com aplicações em pedras.
Febre da Barbie
Um expoente desse mercado que vem mostrando seu poder é a boneca mais famosa do mundo. Após o sucesso do lançamento do filme dirigido pela cineasta Greta Gerwig, a Mattel anunciou que fará o licenciamento de mais uma centena de produtos do universo Barbie, com uma estratégia de marketing pesada.
Às vésperas do lançamento, e durante as primeiras semanas de exibição nas telonas, a marca serviu de impulso para todo tipo de produto licenciado, como sanduíches, roupas, utensílios de cozinha, decoração e muito mais.
O sucesso de bilheteria da boneca interpretada por Margot Robbie foi o primeiro passo para a companhia anunciar o desenvolvimento de novos filmes de clássicos dos anos 90, como a também boneca infantil Polly Pocket e o dinossauro roxo falante Barney.
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