Diante da subida dos juros dos financiamentos imobiliários e do aumento dos custos de construção, as incorporadoras que tradicionalmente desenvolveram residenciais para consumidores de média a alta renda têm concentrado seus lançamentos no topo da pirâmide social. Cyrela, Even, Eztec, Gafisa, Mitre e Tegra, entre outras, têm dado mais ênfase aos residenciais para o público de alto poder aquisitivo, em que os apartamentos partem de R$ 5 milhões.
A explicação para esse movimento é que o público endinheirado tem condições de arcar com a alta dos custos e das taxas de juros, pagando um valor maior de parcela. Ou até mesmo de pagar tudo do próprio bolso, sem recorrer ao banco. É uma situação bem diferente da classe média, que depende de crédito imobiliário a taxas acessíveis para fechar negócio.
O presidente da Even, Márcio Bonata, conta que o público de alta renda costuma pagar em torno de 60% a 70% do valor do imóvel na fase de construção, e o restante, depois da entrega das chaves. Já o público de renda média paga de 20% a 30% até entrega das chaves e financia o resto.
“Na alta renda, o saldo final é pago com dinheiro próprio. Às vezes, esse comprador escolhe tomar empréstimo porque o juro do financiamento é menor do que das suas aplicações”, explica Bonata.
A Even adotou a estratégia de concentrar seus lançamentos em projetos de grande porte, situados em bairros nobres, com terrenos em que seja possível oferecer um condomínio com diferenciais de lazer e serviços — o que eleva o preço final das residências.
Neste ano, entregou um complexo com residencial e um hotel da marca Fasano e anunciou um novo empreendimento do mesmo tipo em parceria com a grife Faena, da Accor. O projeto será construído em um terreno de 20 mil metros quadrados próximo à Avenida Brigadeiro Faria Lima. Ao todo, ele terá valor geral de vendas estimado em R$ 3 bilhões.
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Atualmente, um dos maiores símbolos da aposta no mercado imobiliário de luxo é o lançamento do residencial Bueno Brandão 257, na Vila Nova Conceição, em que os apartamentos não saem por menos de R$ 12 milhões. Em outras palavras, são R$ 50 mil por metro quadrado, o que o coloca no topo da tabela de preços da capital paulista. O projeto é da Tegra, que tem mais dois empreendimentos de alto padrão na fila de lançamentos.
Com esse tipo de estratégia crescendo entre as incorporadoras, paira a dúvida se haverá gente rica suficiente para comprar os imóveis. Para o presidente da Tegra, Ubirajara de Freitas, a resposta é sim. Segundo ele, a razão está na escassez de lançamentos desse tipo nos últimos anos, quando as empresas priorizaram outros tipos de projetos.
Em São Paulo, os imóveis acima de quatro dormitórios representam apenas 3% do estoque. “A quantidade de gente com poder de compra de alto padrão é muito grande. O difícil é achar terreno em área nobre para esse tipo de projeto”, afirma.
Visão semelhante é compartilhada pelo diretor de relações com investidores da Eztec, Emílio Fugazza. “Parece que são muitos projetos de alto padrão, mas não são. Eles não atingem nem 1% da população. A grande maioria do mercado imobiliário é feita para as pessoas de renda mais baixa, como no Minha Casa Minha Vida”, pondera, minimizando a chance de um excesso de oferta para a classe A.
Ele observa ainda que os bairros residenciais mais nobres, como Jardins, Vila Mariana, Higienópolis e Moema, entre outros, são ocupados por prédios antigos, com mais de 30 anos. Achar um terreno nesses locais é difícil e tem muita demanda. Então, a incorporadora procura lançar ali imóveis de maior valor. “Existe o desejo de morar nessas áreas, o que explica a produção.”
Em busca de se posicionar melhor nesse mercado, a Eztec firmou parceria ano passado com a Lindenberg, incorporadora famosa no alto padrão. O primeiro lançamento da parceria aconteceu neste ano, na Vila Mariana, e o próximo está para sair, no Ibirapuera.
Para o analista de construção civil do Citi, André Mazini, não há um estoque tão grande de imóveis de alto padrão e luxo no momento, mas o mercado precisa ser monitorado nos próximos meses, com a continuidade dos lançamentos. “Pode ser que a gente veja oferta em excesso em algum momento. Nesse mercado, vende-se exclusividade. Mas se há muitos projetos ditos ‘exclusivos’, então eles deixam de ser. Tem um limite”, diz.
Mazini lembra que esse tipo de consumidor é bastante seletivo. São, em geral, famílias que já têm casa própria e vivem bem. A compra de um novo imóvel significa uma elevação no seu padrão de moradia, conforto e localização. Ou seja, não é compra por impulso ou necessidade.
Por conta desse perfil, as incorporadoras também têm investido mais em esforços comerciais — de propaganda, a eventos e experiências — para atrair esse consumidor. A Cyrela, por exemplo, lançou neste mês um residencial em Perdizes que será o mais alto do bairro, com 42 andares e 150 metros. Ele também representa o maior investimento em marketing da incorporadora em um único empreendimento.
Serão cerca de R$ 25 milhões em campanhas, materiais e atividades, montante que corresponde a 5% do valor geral de vendas de R$ 500 milhões. A divulgação incluiu até um evento para corretores, clientes e parceiros comerciais com a reserva por um dia da roda-gigante situada no Parque Cândido Portinari.
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