O governo Lula avalia um conjunto de medidas emergenciais para socorrer a indústria eólica, em meio à crise do setor. Há dois anos, o segmento vê minguar a quantidade de novos projetos de geração e, consequentemente, o volume de pedidos de equipamentos, como turbinas, pás e outros componentes.
Hoje há, pelo menos, dois problemas que afetam a indústria e que se retroalimentam. De um lado, há sobreoferta de energia no mercado regulado (aquele atendido pelas distribuidoras de energia elétrica), que torna desnecessária a realização de leilões para contratação de novas capacidades para atender às distribuidoras. Isso também pressiona os preços da energia no mercado livre, dificultando a rentabilização de novos empreendimentos.
De outro lado, observa-se acentuada queda nos preços dos painéis solares no mercado internacional. Esse movimento afeta a competitividade das eólicas em projetos de grande porte ante os empreendimentos fotovoltaicos e, ao mesmo tempo, estimula a instalação de novos sistemas de geração distribuída (GD), o que reduz o mercado das distribuidoras.
Segundo fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast Energia sob a condição de anonimato, uma das alternativas do governo à mesa é a criação de incentivos à exportação de equipamentos. Isso ajudaria a indústria nacional a buscar espaço como fornecedora de países na dianteira dos investimentos voltados para transição energética, como Estados Unidos e nações europeias.
A criação de incentivos à exportação de equipamentos brasileiros poderia tirar a pressão de curto prazo nas fábricas, evitando novas demissões e fechamentos de linha de produção.
Desde meados de 2022, nomes importantes da indústria eólica, como a GE e a Siemens Gamesa, já deixaram de produzir no País. Mais recentemente, a catarinense WEG também anunciou que vai paralisar temporariamente a produção de turbinas eólicas em Jaraguá do Sul (SC) a partir do segundo semestre deste ano e focar seus esforços no mercado americano, enquanto a espanhola Acciona reduziu sua presença no País no segmento.
Há, ainda, a situação da fabricante de pás eólicas Aeris. Sem novas encomendas no mercado nacional, a empresa demitiu 1,5 mil empregados para readequar seu quadro de funcionários à nova realidade da indústria eólica. Em meio à crise do setor, a empresa chegou a ser envolvida em rumores no mercado de que poderia ser vendida, o que até o momento não se confirmou.
Já fabricante de origem dinamarquesa Vestas, que dominou o mercado brasileiro de turbinas nos últimos anos, também tem sido mais vocal em alertar sobre os problemas enfrentados pela indústria local. Segundo fontes, embora a situação atual da empresa não seja problemática, a perspectiva é que o chão de fábrica pode ficar vazio nos próximos dois anos.
Na última sexta-feira, executivos da empresa estiveram com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir “medidas para isonomia competitiva do setor eólico brasileiro”.
A outra opção analisada no governo é fazer ajustes em linhas de crédito para financiamento e em tarifas para importação de equipamentos. Também cogita-se a exigência de conteúdo nacional em projetos solares financiados por bancos públicos, como o Banco do Nordeste (BNB).
A avaliação é que as medidas seriam um elemento para reequilibrar a competitividade das eólicas frente às usinas solares, uma vez que os painéis solares são importados da China.
Uma das preocupações é não deixar a indústria eólica quebrar, mantendo a cadeia produtiva criada ao longo dos últimos anos. Dados da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica) corroboram a visão do governo.
Segundo a associação, o índice de nacionalização de um aerogerador chega a 80%, enquanto no segmento solar esse é o porcentual de importação. “Existe uma assimetria nas condições de financiamento entre eólica e solar, porque a solar é 80% importada e a eólica é 80% nacional”, disse a presidente executiva da entidade, Elbia Gannoum.
Outra medida que não está descartada é o aumento da alíquota para importação de equipamentos chineses, o que funcionaria como uma maneira de “segurar” as compras internacionais do produto. Esse movimento já vem sendo percebido no resto do mundo, que tem adotado medidas protecionistas para conter o avanço de produtos chineses.
Recentemente, os Estados Unidos anunciaram um pacote de aumento de tarifas sobre os produtos chineses ligados à tecnologia, como veículos elétricos, semicondutores, baterias, células solares, aço e alumínio. No caso dos painéis, a taxa subiu de 25% para 50%.
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Levantamento da consultoria Greener aponta que, no acumulado de 2023, os sistemas de geração de energia fotovoltaica ficaram quase 30% mais baratos do que em 2022. Em janeiro deste ano, a média de preços para os sistemas residenciais de 4 quilowatts-pico (kWp) foi de R$ 3,17 e o prazo para recuperação do investimento ficou 25% menor para instalações locais e residenciais.
Com isso, no primeiro trimestre houve importação recorde de módulos, alcançando a capacidade de 5,6 gigawatts-pico (GWp). Deste montante, 1,7 GWp foi para projetos de grande porte.
Grupo de trabalho
Diante de relatos sobre a crise no setor eólico, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) criou um grupo de trabalho para discutir a estruturação da cadeia do setor, que concluiu na semana passada um documento com demandas e propostas da área, sob relatoria da Abeeólica. O documento, encaminhado à Casa Civil, é dividido em oito eixos, com propostas de ações para curto e médio prazos.
Além das medidas citadas nesta reportagem, o MDIC citou, em breve nota sobre o assunto, ações como a inclusão das baterias associadas a geração renovável no Leilão de Reserva de Capacidade modalidade Potência de 2024 e o fomento ao setor de serviços dedicados à indústria de instalação, comissionamento e manutenção de turbinas eólicas e aerogeradores.
Para Elbia, a análise de potenciais saídas para a cadeia eólica nacional está alinhada com a agenda governamental de industrialização. “O País quer uma industrialização e achamos que não existe outro caminho para o País que não se industrializar com as energias renováveis. O resto do mundo está fazendo e o Brasil tem de fazer, até porque o País tem muito mais recursos naturais que os demais países.”
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