A agricultura brasileira é grande dependente de insumos importados para fabricação de fertilizantes. Estima-se que cerca de 80% dos fertilizantes consumidos no País são de origem estrangeira. A participação mais evidente ocorre com o potássio, um dos três elementos para se obter o NPK - mistura de nitrogênio, fósforo e potássio -, que resulta no adubo propriamente dito.
Do volume que o País consome atualmente de potássio por ano, segundo dados do governo e de associações do setor agrícola, 95% é trazido do exterior - Canadá, Rússia, Bielorrússia, Alemanha e Israel. O volume importado somou 7 milhões de toneladas no primeiro semestre de 2024, projetando ao menos 12 milhões de toneladas no ano.
Visando abocanhar uma fatia desse volume de potássio importado, o grupo canadense Brazil Potash Corp. planeja começar, até meados de 2025, a instalação de uma mina de extração e beneficiamento de potássio em Autazes, município amazonense a 113 km de Manaus. As reservas minerais encontram-se próximas do rio Madeira, que será usado como rota de escoamento para o principal mercado brasileiro de consumo de fertilizantes, o Centro-Oeste.
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), as reservas brasileiras de potássio estão localizadas nos Estados de Sergipe e Amazonas. Na Amazônia, a reserva em Autazes tem 800 milhões de toneladas. Com sua descoberta em 2011, o Brasil se consolidou como uma das dez maiores reservas do mineral no mundo.
O investimento previsto pela canadense é de US$ 2,5 bilhões (equivalente a R$ 13,7 bilhões) e o projeto prevê capacidade anual de produção de 2,2 milhões de toneladas de cloreto de potássio. A vida útil da mina, que será subterrânea (800 metros de profundidade), é estimada em 23 anos, considerando as atuais reservas de silvinita (minério que abriga os sais de potássio) autorizadas para extração.
A previsão da empresa é iniciar a produção em 2028, ou início de 2029. Do minério extraído do subsolo, a silvinita, 30% são gerados como cloreto de potássio (KCL) e o restante (70%) é cloreto de sódio (NaCl), o sal de cozinha, separado na planta de beneficiamento. A unidade de concentração do minério será alimentada com 8,5 milhões de toneladas por ano de minério.
Por estar na Amazônia, o sal de cozinha não consegue chegar, competitivamente, aos mercados consumidores do País, que se abastece com sal-gema oriundo do Nordeste e do Rio de Janeiro. Um possível destino para uma parte desse produto será exportação para países como o Canadá, afirma Adriano Espeschit, CEO da subsidiária Brasil Potássio desde 2021.
O executivo diz que o projeto em Autazes é importante para o Brasil por substituir quase 20% das importações de potássio. O volume contribuirá para amenizar a dependência brasileira. Ele lembra que somente lavouras de grãos do Centro-Oeste consomem 5 milhões de toneladas de potássio por ano. E que a empresa já tem acertado contrato de fornecimento de 500 mil toneladas anuais para o grupo Amaggi.
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A empresa obteve em abril a licença de instalação do empreendimento pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), órgão do governo estadual. Porém, contou com a decisão, em segunda instância, do Tribunal Regional Federal da 1.ª região (TRF1), que derrubou um despacho da juíza Jaíza Fraxe que impedia o licenciamento ambiental, alegando que o Ipaam não teria competência para dar o aval, e que isso seria prerrogativa do Ibama, um órgão federal.
O projeto também foi alvo de questionamento do Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM), que barrou a exploração da mina durante vários anos. O órgão apontou impactos ao meio ambiente e também às comunidades indígenas situadas nas proximidades, principalmente o povo Mura (36 aldeias). Espeschit afirma que essas pendências foram resolvidas. “No projeto apresentado ao órgão ambiental há 333 condicionantes que temos de atender”. E acrescenta que acordos foram firmados com representantes dos Mura, que em assembleia no ano passado aprovaram a instalação da mina.
Juliano Valente, presidente do Ipaam, disse ao Estadão que cabe à Brasil Potássio, a partir de agora, com as licenças de instalação, cumprir todas as condicionantes durante a implantação do projeto para, então, poder receber a licença de operação. Segundo ele, o órgão ambiental fará o monitoramento nesse período.
O projeto, segundo a empresa, vai ocupar 9 hectares para instalação de dois poços de acesso às camadas de minério no subsolo, onde a mineração será feita em sistema de galerias, pilares e câmaras; 350 hectares para as instalações de beneficiamento (maior parte em áreas usadas para pastagens de animais); e até 100 hectares para instalação do terminal privado às margens do rio Urucurituba, próximo do rio Madeira.
Escoamento por barcaças
Uma boa parte do cloreto de sódio, explicou o executivo, inicialmente será empilhada a seco em áreas específicas próximas das instalações de beneficiamento. A ideia é, após alguns anos, quando frentes de lavras ficarem exauridas, usar o sal estocado para preencher as galerias/cavas.
Já o cloreto de potássio granulado será transportado até o terminal portuário privado no rio Madeira em caminhões por uma rodovia revitalizada de 12 km desde a mina. No local, será colocado em barcaças e subirá o rio. Outra alternativa é também o escoamento pelo rio Tapajós, até Miritituba, e de lá chegar às frentes de consumo pela BR-163 e no futuro pelos trilhos da ferrovia Ferrogrão.
Segundo a empresa, já foram investidos no projeto US$ 230 milhões (R$ 1,26 bilhão) em pesquisas minerais na área (sondagens geológicas e análises sísmicas), estudos ambientais e de engenharia e aquisições de terras. A área da reserva, localizada no subsolo, tem 13 km de extensão por 10 km de largura e a camada de minério tem 2,5 metros de espessura. As áreas na superfície - entre as localidades do Lago do Soares e de Urucurituba -, são tradicionalmente ocupadas por pastagens, conforme a Potássio Brasil.
IPO em Nova York para levantar capital
A empresa canadense, em agosto, entrou com pedido de oferta pública de ações (IPO) na Bolsa de Nova York para levantar recursos financeiros para a etapa inicial do projeto. Segundo informação do site especializado Reset, o objetivo é captar nessa fase US$ 150 milhões (R$ 819 milhões) ainda este ano para dar suporte de capital à subsidiária Potássio do Brasil.
O dinheiro será alocado em trabalhos complementares de engenharia do projeto e de licenciamento ambiental, em linha de transmissão de energia, compra de terras adicionais (para depositar os rejeitos em pilhas), reforço de capital de giro e pagamento de acordos firmados com comunidades indígenas na área de influência da mina. Conforme a Reset, o prospecto da oferta pública informa que o início das obras em Autazes começou neste semestre e a conclusão do trabalho de engenharia básica está prevista para a segunda metade de 2025.
Espeschit disse ao Estadão que até o final do ano a companhia vai iniciar obras ligadas à mina, como a perfuração dos dois poços (shafts) para acesso à mina subterrânea. Em 2025, o plano é avançar nas obras de terraplenagem e a seguir dar curso à implantação completa do projeto, que deverá durar de 36 a 42 meses.
Histórico da mina
Fundada em 2009, a Brazil Potash começou os estudos ambientais para a instalação do projeto em Autazes, após investimentos em pesquisas e prospecção das reservas minerais existentes na região. A concessão de licença ambiental prévia pelo Ipaam foi aprovada pela ANM em 2015. Quase nove anos depois, entre idas e vindas na Justiça, foi emitida em abril deste ano a licença de instalação para iniciar as obras do projeto - mina e instalações de beneficiamento.
A exploração da silvinita será feita em reservas do minério localizadas entre o Lago do Soares e Urucurituba, duas localidades no município em Autazes. Segundo informações, a reserva mineral lavrável tem potencial para mais de 170 milhões de toneladas de cloreto de potássio.
O Ipaam informa que concedeu 21 Licenças de instalação, ambientais únicas e autorizações de captura, coleta e transporte de fauna silvestre, que permitem a construção do empreendimento. O projeto envolve dois poços, a mina subterrânea, uma planta de processamento de lixiviação à quente, um porto de barcaças fluviais e a construção de cerca de 13 km de uma estrada ligando a planta de processamento ao porto.
A previsão da empresa é que durante as obras do empreendimento deverão ser gerados cerca de 2,6 mil empregos diretos, enquanto a fase de operação vai requerer aproximadamente 1,3 mil pessoas, mais a geração de 17 mil empregos indiretos.
A mineradora Brazil Potash tem vários acionistas: o principal deles é o CD Capital, fundo de private equity focado em recursos naturais (30,7%); o segundo maior é o Sentient Equity Partners, fundo de capital privado apoiado por investidores institucionais (20,9%); o Forbes & Manhattan Barbados, ligado ao canadense Forbes & Manhattan Inc. (12,2%), investidores brasileiros (family offices e investidores individuais (12%) e cerca de 7 mil acionistas minoritários, com 24,2%, segundo informação no site da companhia.
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