‘IPO confidencial’ ganha força nos EUA, mas ainda é pouco usado no Brasil; entenda o que é

Empresas como Shein e General Atlantic fizeram pedido de operação sigilosa no mercado americano; por aqui, apenas Nubank fez essa opção

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Foto do author Aline Bronzati
Foto do author Altamiro Silva Junior
Atualização:

NOVA YORK e SÃO PAULO - Depois de um período de baixa em Wall Street, o principal palco para aberturas de capital (IPO, na sigla em inglês) do mundo retomou os negócios com expectativa de um ano bem melhor, ajudado pela queda dos juros nos Estados Unidos. Enquanto a empresa de serviços de saúde BrightSpring, que tem o fundo KKR como sócio, dá a largada nas grandes operações de 2024, fazendo o pedido de oferta no primeiro dia útil do ano, nomes como o da gigante fashionista Shein, uma das operações mais esperadas, e o da gestora General Atlantic preferiram ser mais discretos, e fizeram pedidos confidenciais para o IPO, uma estratégia comum em Wall Street, mas que no Brasil é bem pouco usada.

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Essas ofertas de ações começam a ser trabalhadas em silêncio, ou seja, sem que as informações importantes dos negócios estejam à disposição do mercado. Somente quando a companhia se vê pronta para lançar o IPO e testar o apetite dos investidores é que a operação se torna pública.

O modelo ganhou força nos EUA a partir de uma mudança nas regras em 2017. Foi quando a Securities and Exchange Commission (SEC, órgão que regula o mercado de capitais no país) decidiu estender o benefício da confidencialidade, antes restrito a pequenas empresas, a companhias de todos os portes. No Brasil, a possibilidade do ‘IPO sigiloso’ existe, mas ainda não emplacou - o Nubank foi um dos raros exemplos que pediu confidencialidade no registro de sua oferta na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Shein fez pedido de IPO singiloso nos EUA Foto: David 'Dee' Delgado/Reuters

“O IPO confidencial se tornou quase uma regra nos EUA. Hoje, a grande maioria das empresas optam por fazer o protocolo inicial ainda em caráter sigiloso”, diz o advogado Carlos Lobo, sócio do escritório Arnold & Porter, baseado em Nova York.

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Segundo ele, os benefícios do IPO confidencial são importantes para quem está prestes a abrir capital. Além de o processo servir como uma espécie de proteção a futuros emissores e de suas informações, também dá tempo para que as companhias escolham a melhor janela para ir a mercado, levando em conta que o humor dos investidores pode mudar no meio do caminho.

Foi o que aconteceu no ano passado, quando o processo de aperto monetário nos EUA ficou mais claro e bancos americanos de menor porte começaram a sofrer o efeito da subida de juros. Na ocasião, as empresas que estavam em compasso de espera para se lançar em Wall Street, tiveram de recuar na missão.

“Para evitar essa situação, de você ir ao mercado e ter de abortar o processo, o que é muito ruim, então, o IPO confidencial é uma ferramenta interessante, que permite manter o sigilo da intenção de ir ao mercado até o momento em que a empresa se sente segura de que as condições são boas”, explica Lobo.

E isso ajuda a reduzir a janela de exposição dos emissores. No lugar de estar sob os holofotes do mercado durante todo o processo do IPO, que pode durar cerca de seis meses, esse prazo pode cair para semanas, diz o sócio do Arnold & Porter.

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“No mercado americano é possível interações das empresas com os reguladores sem conhecimento público. Isso tem por objetivo proteger a própria empresa”, comenta o diretor de um banco americano. Ele cita o caso da Shein, que vem sendo investigada pelo Congresso americano, acusada de comprar roupas de fábricas que usam trabalho ilegal, além de outras práticas irregulares, como violação de direitos autorais nas confecções e críticas de que tenta esconder sua origem chinesa. “Por isso, o nível de escrutínio dos reguladores na empresa será muito maior.”

Mas, mesmo com o perfil sigiloso, o IPO da Shein acabou vazando no mercado, por conta da forte expectativa com a operação. A empresa de vestuário protocolou um pedido confidencial de abertura de capital à SEC, em novembro de 2023. A companhia deve buscar um valor de mercado que pode chegar a US$ 90 bilhões, no que pode ser uma das maiores operações que Wall Street já foi palco nos últimos anos. Considerado um dos maiores nomes de fast fashion no mundo, já tendo ultrapassado gigantes como Zara e H&M, a companhia tem apresentado resultados recordes, e virou sensação no Brasil e nos EUA.

Além dela, a General Atlantic, que gere fundos de private equity, aqueles que compram participações em empresas, também protocolou um pedido confidencial para um IPO nos EUA, no mês passado. A empresa, com US$ 77 bilhões em ativos sob gestão, está por trás de nomes como o da própria Shein e já investiu em pesos pesados como Facebook, Airbnb, além da XP, no Brasil.

Acostumada a levar empresas à bolsa, desta vez, a General Atlantic se junta a uma série de outras gestoras que tem recorrido ao mercado de capitais para levantar recursos. Mas, como uma boa transação de private equity, também optou por um IPO sigiloso até que a operação esteja pronta para ir a mercado.

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Enquanto isso, Wall Street começa a ganhar tração já no início de 2024. A plataforma de serviços de saúde BrightSpring protocolou no primeiro dia útil do ano, um pedido de IPO junto à SEC, que pode ser da ordem de US$ 1 bilhão. A empresa tentava emplacar uma oferta de ações desde 2021, mas foi uma das vítimas na reviravolta do quadro na maior economia do mundo, com forte aperto monetário e que esvaziou o mercado de capitais nos EUA - e no resto do globo.

Marcha lenta

Se nos EUA, o IPO confidencial é a regra nas aberturas de capital, no Brasil é pouco usado, embora seja permitida. O advogado José Alves Ribeiro, sócio do escritório VBSO Advogados, explica que a mudança na regra que viabilizou o registro confidencial ocorreu em 2019 e hoje faz parte das novas instruções da CVM que regulam as ofertas públicas.

No Brasil, muitas empresas conseguem com o pedido de IPO já público testar o apetite dos investidores, enquanto nos EUA tem uma série de regras sobre o momento que é possível falar com este público. “Em 99% dos casos no Brasil, é feito um pedido de oferta já público”, comenta o corresponsável pelo banco de investimento do Goldman Sachs do Brasil, Ricardo Bellissi.

Já nos EUA, as únicas empresas que optam por um IPO já público são aquelas que buscam ser mais conhecidas do mercado ou dos investidores, diz Lobo, do Arnold & Porter. Para isso, a maré tem de estar favorável.

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