A maioria das empresas que decidiu abrir o capital na bolsa de valores brasileira na última grande leva de IPOs (ofertas públicas iniciais de ações) no País, entre 2020 e 2021, enfrenta grandes dificuldades para manter o seu valor de mercado. Além disso, desde agosto de 2021 - há quase dois anos, portanto -, nenhuma companhia se aventurou a entrar na Bolsa para captar recursos e expandir os negócios.
Na janela de IPOs de 2020 e 2021, 72 empresas entraram na B3 e levantaram capital para reinvestir. Dessas, apenas 15 empresas estavam com as ações em alta na Bolsa em maio deste ano, enquanto as demais chegaram a ter perdas de mais de 90%, como é o caso da companhia de programas de fidelidade Dotz, que caiu do patamar de R$ 13 para menos de R$ 1.
Empresas como Espaçolaser, Infracommerce e Westwing tiveram queda média de 55% nos preços das ações desde a entrada na Bolsa, de acordo com levantamento feito pelo diretor comercial da Trademap, Einar Rivero, com dados até 22 de maio deste ano. A queda do índice Ibovespa no período foi de cerca de 5%. Mesmo nomes conhecidos do consumidor foram impactados pela baixa no mercado de renda variável nos últimos anos, como é o caso de Petz, Smart Fit, Nubank e Pague Menos.
Desde a abertura de capital, as companhias foram pegas por uma mudança total do cenário macroeconômico, com escalada dos juros e os efeitos da pandemia de covid-19 na cadeia produtiva global. O líder de research na Guide Investimentos, Fernando Siqueira, afirma, porém, que a seleção das empresas que abriram capital na Bolsa, pelas circunstâncias da época, acabou não sendo muito rigorosa.
“Os IPOs deram errado porque, naquela época, havia muito fluxo em fundos de ações no Brasil, com juro baixo, e era atrativo para as empresas. Isso impulsionou os bancos de investimento, que procuraram mais ativamente as companhias para vender ações na bolsa. Essa euforia trouxe muitas empresas para o mercado, em muitos casos sem estarem preparadas para isso, o que explica porque temos tantas companhias tendo performance ruim”, diz.
Para Ricardo José de Almeida, professor de finanças do Insper, as ações das empresas não são apenas impactadas pelo ambiente de negócios e situação da economia do País, mas também por suas estratégias e gestão financeira.
“Todas as empresas se desvalorizaram com a alta do juro. Aquelas que se salvaram foram as extraordinariamente boas. A volta ao patamar de antes é difícil. Os IPOs normalmente são seguidos de aquisições. Se a compra for errada, não adianta o juro cair que a ação não sobe de novo”, diz.
Perfil das empresas
Entre 2020 e 2021, muitas empresas de menor porte entraram na Bolsa. Algumas delas sequer tinham faturamento anual acima de R$ 500 milhões. Esse é o caso de algumas das ações que tiveram o pior desempenho do IPO até hoje, como são os casos da empresa de investimentos e educação financeira TC, com faturamento de R$ 82 milhões, e a plataforma de comércio eletrônico Westwing, com R$ 257 milhões.
Para Érico Nikaido, sócio do Ártica, não só os juros altos explicam a performance negativa dos papéis das empresas que abriram capital na última janela de IPOs, quando o juro chegou ao patamar de 2% ao ano.
“Diversas empresas que realizaram abertura de capital eram empresas de tecnologia, que são diretamente impactadas pelo aumento dos juros. Algumas delas ainda dão prejuízo, e necessitam de novas rodadas de captação para financiar o crescimento, e por vezes, até para continuar operando”, diz ele.
Mas, segundo Nikaido, com o investidor mais exigente, fica mais difícil conseguir capital e, consequentemente, algumas delas acabam em uma situação complexa de liquidez no curto prazo. Isso explica a onda de demissões que o mercado tem visto nos últimos meses.
O caso mais crítico dentre as empresas que abriram capital mais recentemente é o da Dotz, que tem ações negociadas a menos de R$ 1. A companhia atribui o fenômeno a “questões de mercado não controladas por ela”, como a economia e a incerteza política no País. Mas, para tentar reverter esse quadro, a empresa já anunciou um programa de grupamento de ações, ou seja, uma redução do número de ações em circulação na Bolsa.
A apresentação da proposta de grupamento para aprovação do conselho de administração será feita até 10 de agosto. Segundo a B3, a companhia deverá enquadrar a cotação dos papéis acima de R$ 1 até 22 de setembro ou até a primeira assembleia geral convocada após o recebimento da notificação.
Diante da queda das ações desde o IPO, empresas como Ambipar, Boa Vista, Boa Safra, Track N’ Field e Sequoia Log têm programas de recompra de ações abertos na B3. Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, a recompra funciona para retirar ações de circulação para tentar aumentar o valor unitário no mercado e, se não forem cancelados, os papéis podem servir para remunerar executivos e membros do conselho de administração.
Procuradas, a Espaçolaser, a Infracommerce e a Pague Menos atribuíram a queda nos preços das ações ao cenário macroeconômico adverso e dizem ter tomado medidas para melhorar a rentabilidade nos negócios. As demais empresas citadas não se pronunciaram.
Há chance de virada?
Quem comprou ações das empresas no IPO entre 2020 e 2021 ainda deve continuar com os investimentos no negativo na maioria dos casos. Para estrategista de ações da XP, Jennie Li, apesar de ser difícil de prever com convicção que os papéis vão ou não voltar a ser o que eram na Bolsa quando fizeram a abertura de capital, a tendência é de que esses ativos continuem com dificuldade de elevação de preços.
“Primeiramente, precisaremos de taxa de juros em níveis menos restritivos. No curto e médio prazo, ainda devemos ter juro alto. Pode haver início de cortes no segundo semestre, mas teremos dígitos duplos ao menos até o ano que vem. Para vermos um retorno no nível do passado, precisaremos ver o juro baixo como estava quando as empresas abriram capital”, afirma Li.
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