A Bolsa brasileira não é palco de uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) desde agosto de 2021, em meio a um cenário de volatilidade econômica e alta dos juros, com a taxa básica Selic chegando a 13,75% ao ano. Embora os olhos do investidor ainda estejam voltados à segurança da renda fixa, um seleto grupo de empresas deve ter a chance de testar as águas do mercado a partir do ano que vem, colocando fim a um hiato de 18 meses. Mas elas devem encontrar um investidor bem mais seletivo em seu caminho.
Diante dessa possibilidade, o mercado já trabalha com um movimento no mercado de ações de R$ 80 bilhões para o ano que vem na B3 – um número que fica longe de recordes passados, mas é um bálsamo para quem sofreu com a “seca” do mercado financeiro de 2022. E esse marasmo veio logo depois de um recorde: em 2021, a Bolsa brasileira havia movimentado R$ 130 bilhões.
Nesse momento, a aposta é que empresas que tiveram de desistir de suas aberturas de capital nos anos de 2021 e 2022 puxem a fila dessa retomada. Nesse grupo estão nomes como Kalunga (varejista de materiais de escritório), São Salvador Alimentos (dona da marca SuperFrango), a empresa de saneamento BRK Ambiental e a subsidiária de cimentos da siderúrgica CSN.
No caso da Kalunga, a primeira tentativa de abrir capital ocorreu em 2020, mas a empresa foi obrigada a recolher seus planos, diante da maior volatilidade dos mercados. No entanto, conforme apurou o ‘Estadão’, a empresa seguiu em contato com investidores, mirando um IPO no ano que vem. A transação será uma forma de equalizar a sua dívida, hoje na casa de R$ 740 milhões.
A São Salvador Alimentos é outro exemplo. No início deste mês, inclusive, esteve em reuniões na Faria Lima, corredor financeiro paulista. O dono da companhia, o empresário goiano José Garrote confirmou que a casa está arrumada para a oferta e que não haverá “nenhum sobressalto” após a abertura de capital. “Terei mais opções se fizer um IPO”, disse Garrote.
Responsável pelo mercado de renda variável do banco de investimento da XP, Vítor Saraiva afirma que é natural que as empresas que chegaram a executar os primeiros trâmites para a abertura de capital, como a entrega de documentação ao regulador, serem agora candidatas em potencial a reabrir a janela para captações na Bolsa. Muitas delas, aliás, já fizeram as primeiras interações com investidores.
Mas ele vê chance de outras empresas tentarem acessar o mercado em 2023. “Desde 2020, 109 empresas chegaram a fazer o primeiro protocolo da oferta na CVM”, diz. A estimativa dele é de que entre 10 e 15 empresas façam uma abertura de capital ou uma oferta subsequente (aquela feita por empresas que já estão na Bolsa) ao longo do primeiro semestre do ano que vem.
IPO na mira
No momento, segundo o chefe da a área de renda variável do BTG Pactual, Fabio Nazari, o mercado está “tateando” o retorno das operações, com algumas ofertas de empresas já listadas na rua. “Assim vai se abrindo mais espaço para os IPOs”, afirma o executivo.
Segundo ele, o mercado está mais líquido, com mais fluxo de capital de estrangeiros e menos resgates dos fundos de ações, o que começa a desenhar um cenário mais benigno para as ofertas iniciais. Nazari pondera, no entanto, que investidores pedirão ofertas maiores, de pelo menos R$ 2 bilhões, o que deve vir de empresas com um valor de mercado de no mínimo R$ 10 bilhões. “Teremos esse tipo de seletividade”, afirma.
O executivo do BTG afirma que o mercado não está fechado para ofertas do setor de tecnologia, desde que o preço pedido seja compatível à recente queda do setor em todo o mundo diante dos juros mais altos.
Deveremos ver um movimento maior quando a Selic voltar a um dígito, mas com um mercado muito mais seletivo.”
Gustavo Miranda, diretor do Santander
Responsável pela área de renda variável do Santander, Gustavo Miranda confirma que hoje os investidores estão mais atentos às empresas com mais liquidez, ou seja, aquelas com mais negociações diárias. Isso, na prática, significa que a empresa precisa ter porte suficiente para que a saída de uma posição possa ser feita de forma rápida. Empresas menores, por outro lado, terão mais dificuldade de acessar o mercado, ao contrário do observado em 2021. “Deveremos ver um movimento maior apenas quando a Selic voltar a um dígito, mas ainda assim com um mercado muito mais seletivo”, explica Miranda.
Os Estados Unidos é o parâmetro. Se ele vai mal, segura as ofertas aqui.”
Fabio Nazari, sócio do BTG Pactual
R$ 60 bilhões a R$ 80 bilhões em ofertas
O diretor do banco de investimentos do Itaú BBA, Roderick Greenless, já fez sua projeção para 2023. Sua aposta é de número de 25 a 35 operações, entre as ofertas iniciais e a das empresas já listadas, com um volume financeiro total de R$ 60 bilhões a R$ 80 bilhões. Segundo ele, os IPOs devem voltar a acontecer à medida que a sinalização de queda de juros fique mais evidente. No Itaú, por exemplo, a projeção é de que a Selic encerrará 2023 em 11%. “Com isso, o efeito é direto no mercado de capitais”, diz o executivo.
Segundo o executivo do Itaú BBA, o ano de 2022, apesar de não ter sido palco para os IPOs, acabou não sendo um ano muito ruim para as ofertas de renda variável. O volume deverá ficar em torno de R$ 60 bilhões, número inflado com a oferta da Eletrobras, que somou R$ 33 bilhões. A “privatização” da empresa de energia foi um êxito apesar das condições adversas do mercado, destaca Roderick.
Segundo Nazari, do BTG, o ponto de atenção fica, contudo, aos Estados Unidos, com os indicadores ainda mostrando alta da inflação no País, o que pode determinar o ritmo da desaceleração da economia norte-americana. “Os Estados Unidos é o parâmetro. Se ele vai mal, vai segurar as ofertas por aqui”, afirma.
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