Desde 2004, as empresas brasileiras não ficavam tanto tempo sem abrir capital na bolsa de valores. O último IPO (oferta pública, na sigla em inglês) foi feito pela empresa de medicamentos Viveo, em agosto de 2021, encerrando um período de listagem de mais de 70 empresas. O jejum pode ser quebrado entre o fim de 2023 e começo de 2024, segundo especialistas ouvidos pelo Estado.
A mudança de humor se deve à melhora de alguns indicadores como inflação convergindo para a meta, perspectiva de redução dos juro e aprovação da reforma tributária e do arcabouço no Congresso. “Antes, a palavra correta para falar de IPO no segundo semestre era esperança. Hoje, é expectativa”, afirma o diretor de relação com clientes da B3, Rogério Santana.
Segundo ele, o mercado de capitais no País viveu “dois anos muito bons” em ofertas, entre 2020 e 2021. Grandes nomes, como Assaí e Vamos, abriram capital, mas empresas menores também decidiram aproveitar a oportunidade, como Dotz, Enjoei, Espaçolaser e Westwing. Nesse caso, no entanto, a decisão de lançar ações no mercado não foi muito exitosa. A maioria dos papeis dessas empresas hoje têm preços menores do que na data do IPO.
Depois dessa onda, promovida sobretudo pelo excesso de liquidez no mundo, o mercado entrou numa seca de aberturas de capital. “A janela de IPO foi fechada, em grande parte, pela subida de juro muito rápida, pela ausência de crescimento econômico, pela inflação e por uma ressaca das listagens de empresas de baixa qualidade. Os gestores de portfólios ficaram mais focados em decidir quais nomes saem ou ficam do que em agregar novos nomes”, diz o chefe de mercados de capitais do Citi na América Latina, Marcelo Millen.
Ele avalia que o crescimento do PIB acima das projeções, o avanço da pauta fiscal e o controle da inflação têm contribuído para a melhora do cenário no mercado de capitais, o que já se reflete no avanço de transações de novas emissões de ações na bolsa (follow-on, que significa a oferta subsequente de ações). “Podemos ter IPO ao longo do segundo semestre. O ambiente é favorável, construtivo e receptivo.”
Para esse cenário se concretizar, no entanto, alguns fatores domésticos e internacionais precisam ocorrer nos próximos meses, como a confirmação da tendência de queda dos juros no País e em outras economias do globo.
Outro ponto de atenção, segundo os executivos, está ligado às empresas que estavam “na fila” da abertura de capital, que agora em 2023 podem não ser mais tão atrativas para os investidores depois do hiato de novos nomes na B3. Algumas entre as cerca de 90 companhias na fila são Madero, Casa & Vídeo, Ammo Varejo, Iguá Saneamento, Unigel e Coty.
Em relação ao apetite por papéis dessas empresas, um executivo ligado à gestão de patrimônio no mercado acionário - que preferiu não se identificar - disse ao Estadão que mesmo as empresas classificadas como “ruins” podem ir ao mercado realizando o seu lançamento de ações na Bolsa e encontrar algum nível de procura pelos ativos, já que o investidor pessoa física costuma ser mais aberto às companhias novas. “Nós não podemos subestimar o apetite por essas empresas ruins, porque o investidor pessoa física é quem mais cai nesses casos de IPOs ruins” disse o gestor, que preferiu não se identificar.
Milen, do Citi, acredita que uma melhora no ambiente econômico dos Estados Unidos em 2024 pode ser muito positiva para o mercado de capital brasileiro, o que pode levar a uma nova leva de IPOs no País.
Fusões e aquisições
Para Denis Morante, sócio na Fortezza Partners, boutique independente de assessoria em fusões e aquisições, o governo tem acertado em medidas como arcabouço fiscal e reforma tributária, o que tende a dar mais estabilidade ao real e atrair o investidor estrangeiro. Porém, ele lembra que os processos de aquisição de empresas são morosos. “O M&A não para, ele só reduz o ritmo quando a perspectiva fica menos interessante, enquanto o IPO para mesmo. O prazo do M&A é mais longo, é mais calmo do que a abertura de capital”, afirma. Para Morante, os setores que mais devem se beneficiar da trajetória de queda do juro são varejo, tecnologia, serviços financeiros, infraestrutura e agronegócio.
Pedro Scharam, sócio da RGS Partners, escritório de M&A especializado em contratos de R$ 50 milhões ou mais, afirma que as fusões e aquisições devem ganhar fôlego neste segundo semestre. “Veremos tanto nos projetos de investimento quanto o nascimento de transações que estavam ‘embarrigadas’, porque esses processos são longos e devem ser concretizados a partir de agora”, afirma.
Scharam avalia também que os processos de IPO, que normalmente são feitos para levantar capital para fazer aquisições, podem ter perfil diferente para as empresas que estão endividadas e o dinheiro pode ser usado para reduzir a dívida e melhorar a qualidade da operação como um todo.
Na visão de Renato Nóbile, sócio e gestor de portfólio na gestora Buena Vista, o fim do ano deve não só ter o início de uma retomada de liquidez no mercado financeiro, como também deve destravar investimentos de capital de risco que estavam represados pelo juro alto. Ele avalia ainda que startups brasileiras podem ser alvos de aquisição devido ao valor de mercado mais condizente com a realidade econômica atual do que em 2021, quando os fundos de venture capital fizeram aportes recorde no Brasil e no mundo.
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