Enquanto os preços das passagens aéreas internacionais batem recorde de alta, a companhia JetSmart, de baixo custo, aproveita para ganhar espaço no Brasil - principal mercado em potencial da empresa na América do Sul. Só no segundo trimestre deste ano, a aérea conseguiu aumentar em 62% o número de passageiros na região comparado a igual época em 2022.
Em entrevista ao Estadão, Estuardo Ortiz, presidente da JetSmart, diz que é possível ser lucrativo e ainda oferecer preços baixos. O segredo é ser eficiente, afirma ele. A companhia aérea, criada pelo fundo de investimentos americano Indigo Partners e com sede em Santiago, capital chilena, aposta em aeronaves com tecnologia de ponta para reduzir, por exemplo, o custo do uso de combustível, responsável por cerca de 40% dos preços das passagens aéreas. Fundada em 2016, a empresa atende especificamente a América do Sul e cresce oferecendo rotas entre cidades que são pouco atendidas pelos gigantes do setor.
A companhia conecta de forma direta o Brasil com Chile, Argentina e Uruguai por meio de cinco rotas: Foz do Iguaçu para Santiago, São Paulo para Santiago e Rio de Janeiro para Santiago, Buenos Aires e Montevidéu. Recentemente, a empresa lançou outras duas rotas: Florianópolis para Buenos Aires e Florianópolis para Santiago. No trajeto Florianópolis-Buenos Aires, por exemplo, a passagem da JetSmart parte de R$ 231. Para efeito de comparação, o valor mais baixo para o trajeto em 26 de agosto, da Gol, era de R$ 516. Já no trajeto São Paulo-Santiago, de 21 a 27 de setembro, a empresa cobra R$ 1.027 (ida e volta) ante R$ 1.480 da Latam.
Leia os principais trechos da entrevista:
Como o sr. avalia o mercado de viagens internacionais no Brasil e na América do Sul como um todo?
Estamos hoje em um estágio muito diferente para a aviação na América do Sul depois da pandemia. Ainda há condições desafiadoras no ambiente macroeconômico, como os juros e a inflação, mas definitivamente estamos em uma situação mais estável do que estivemos nos últimos três anos. Nos preparamos para crescer nesse momento. No segundo trimestre de 2023, crescemos 62% em número de passageiros em relação ao mesmo período no ano passado. Temos hoje sete rotas em sete países diferentes e lançamos novas rotas no Brasil nesta semana: Florianópolis-Buenos Aires e Florianópolis-Santiago.
A demanda por voos internacionais de baixo custo já voltou ao patamar de 2019, antes da pandemia?
A pandemia teve muitos impactos no setor na região. Primeiro, o mercado doméstico se recuperou muito rapidamente. Para os voos internacionais na América do Sul, estamos com cerca de 70% da demanda de antes da pandemia. Provavelmente, vai levar um tempo para uma recuperação total, mas imaginamos que ocorra entre o fim de 2023 e o começo de 2024. Houve também uma consolidação no setor de aviação. Vimos muitas empresas deixando de operar na região. Isso nos deu mais espaços em aeroportos.
Quantas aeronaves a JetSmart tem hoje e quantos voos são realizados por mês?
Temos 25 aeronaves hoje e estimamos que esse número chegará a 100 em 2028. Temos contratos de compra assinados com a Airbus. No mês passado, julho, operamos 3.700 voos na América do Sul.
Com a queda do dólar nas últimas semanas, o brasileiro vai viajar mais?
Sim. A demanda por viagem vai aumentar quando tivermos mais estabilidade na região. Sou otimista com a tendência da região nos próximos 18 meses.
A JetSmart tem demanda de viagens corporativas ou apenas de pessoas físicas?
Os destinos de lazer são os que mais crescem na nossa operação. Mas também temos passageiros que vão visitar suas famílias ou viajam para reuniões de negócios.
Por que manter o foco apenas na América do Sul?
O foco da JetSmart é ser a empresa aérea líder no segmento de ultra baixo custo na América do Sul. Desde o primeiro dia, vimos que existem 600 milhões de pessoas na região, mas apenas 200 milhões de voos por ano - isso, claro, antes da pandemia. Historicamente, as rotas de aviação na região foram criadas entre as capitais, como São Paulo e Buenos Aires. Temos mais de 70 rotas e muitas delas não são entre as capitais. Essa tem sido nossa forma de encontrar novos mercados.
Como manter a lucratividade de uma companhia aérea que se compromete a oferecer preços de passagens baixos?
No mundo, as empresas aéreas low cost são as que mais crescem e mais lucram. O modelo se provou viável globalmente. A americana Indigo Partners, da qual fazemos parte, tem um grupo de operadoras de baixo custo que são bem-sucedidas em diversos mercados. No fim das contas, o segredo é ser eficiente. É preciso ser mais produtivo para produzir mais assentos por dia e isso significa poder vendê-los a preços mais baixos. Toda nossa frota é nova e usamos tecnologia digital para vender passagens aéreas e atender os clientes. Nossa estrutura é simples, assim como a nossa proposta. As margens são muito lucrativas porque temos custo reduzido e isso nos permite vender passagens a preços baixos.
Leia também
Qual é a diferença entre a experiência de voo de uma companhia aérea low cost para uma tradicional?
Acreditamos que a nossa proposta é muito atraente, bem-sucedida e conveniente. O que oferecemos ao mercado é a oportunidade de voar em uma aeronave totalmente nova, economizando de forma confiável e chegando ao destino com pontualidade. Por alguns reais, você compra passagens pelo celular. Fazemos isso há anos e houve muita especulação sobre se as pessoas gostariam ou não da experiência de voo. Mas estou muito feliz em ver que mais de 20 milhões de pessoas já voaram conosco nos últimos sete anos. Somos a empresa aérea que mais cresce na América do Sul. Recentemente, vencemos pela segunda vez o prêmio de melhor operadora de voos de baixo custo da América do Sul.
Como manter a lucratividade diante da oscilação de preços do querosene de aviação?
Os preços de combustível afetam toda a indústria. Quando há um aumento no preço, existe um período de tempo que geralmente leva alguns meses para que a indústria se adapte ao novo preço e consequentemente os preços sobem. Vimos nos últimos anos, desde a guerra na Ucrânia, que os preços dos combustíveis atingiram recordes e os preços de passagens subiram. No final das contas, é uma dinâmica competitiva. Por isso, investimos capital para comprar a melhor e mais recente tecnologia para aeronaves. Nossa frota conta com 240 lugares e investimos na melhor tecnologia em assentos de fibra de carbono. O próprio design das nossas aeronaves as torna mais leves. Isso também reduz a emissão de carbono para mitigar o efeito dos voos nas mudanças climáticas.
Sobre isso, o que mais a empresa faz para atender à agenda global de ESG cobrada das companhias atualmente?
Buscamos a melhor configuração de assentos na aeronave e buscamos ser o mais eficiente possível no gasto de combustível. Podemos usar até 35% de combustíveis de aviação sustentáveis atualmente. O problema é que ainda não há oferta o suficiente desses combustíveis, ou o custo é muito alto. Mas há uma grande oportunidade para a América do Sul se tornar uma região produtora. Cada aeronave nossa tem a imagem de um animal na cauda. Valorizamos a natureza. Acreditamos que a maioria de nossas rotas é, na verdade, para pessoas que vêm à América do Sul para ver a natureza. Em Foz do Iguaçu, temos um programa para proteger algumas espécies. Já levamos isso para o Chile e para a Argentina e continuaremos a expandir esse programa para proteger a biodiversidade.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.