O governo de Joe Biden anunciou nesta quarta-feira, 20, limites mais rígidos dos Estados Unidos para as emissões de poluentes de carros de passeio e caminhões leves, que contribuem para o aquecimento global. É uma tentativa controversa de acelerar a transição do país para os veículos elétricos.
A regra da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) - a regulamentação climática de maior alcance do presidente Biden até o momento - exigiria que as montadoras aumentassem as vendas de veículos elétricos e, ao mesmo tempo, reduzissem as emissões de carbono dos modelos movidos a gasolina, que respondem por cerca de um quinto da contribuição dos Estados Unidos para o aquecimento global.
Mas, ao contrário da regra proposta no ano passado, as montadoras não precisariam aumentar drasticamente as vendas de veículos elétricos até depois de 2030. O atraso no cronograma reflete uma concessão aos sindicatos em ano eleitoral - eles são um importante eleitorado democrata e já levantaram preocupações sobre uma rápida mudança para os carros elétricos.
Em outra mudança em relação à proposta anterior, as montadoras poderiam cumprir a legislação aumentando as vendas de veículos híbridos plug-in, além dos veículos totalmente elétricos. Os híbridos plug-in recentemente se mostraram mais populares entre os consumidores dos EUA, em parte por conta das preocupações com a falta de infraestrutura pública de recarga.
A regra final ainda evitará que 7,2 bilhões de toneladas métricas de emissões de carbono entrem na atmosfera até 2055, de acordo com a EPA. Ela também reduzirá o material particulado fino e os óxidos de nitrogênio, evitando até 2,5 mil mortes por poluição do ar anualmente a partir de 2055, disse a agência.
“Nossa regra final oferece a mesma - se não mais - redução de poluição do que a que estabelecemos na proposta anterior”, disse o administrador da EPA, Michael Regan. “Esses padrões finais também reduzirão alguns dos poluentes mais graves que afetam a saúde pública.”
É provável que os Estados liderados pelos republicanos e as empresas de combustíveis fósseis contestem a regra nos tribunais. Mas a Alliance for Automotive Innovation (Aliança para Inovação Automotiva), um grupo comercial cujos membros incluem Ford, General Motors, Stellantis e Toyota, elogiou a decisão da EPA de adiar os requisitos mais rigorosos de veículos elétricos até depois de 2030.
“Moderar o ritmo de adoção de veículos elétricos em 2027, 2028, 2029 e 2030 foi a decisão certa”, disse John Bozzella, presidente e CEO da aliança, em um comunicado. “Essas metas ajustadas de veículos elétricos - ainda uma meta ambiciosa - devem dar ao mercado e às cadeias de suprimentos uma chance de se atualizarem.”
Desaquecimento das vendas
As vendas de veículos elétricos nos EUA arrefeceram nos últimos meses. De acordo com as estimativas da Kelley Blue Book, as vendas de veículos elétricos nos EUA aumentaram 40% em relação ao ano anterior no quarto trimestre de 2023, em comparação com um salto de 49% no terceiro trimestre e um aumento de 52% no segundo trimestre.
No entanto, Albert Gore, diretor executivo da Zero Emission Transportation Association e filho do ex-vice-presidente Al Gore, disse que outros números mostram um quadro mais animador. Ele observou que um recorde de 1,2 milhão de veículos elétricos foi vendido nos Estados Unidos no ano passado, elevando a participação de mercado dos veículos elétricos para 7,6% em 2023, em comparação com 5,9% em 2022.
“Quer estejamos ou não falando de uma desaceleração real, a tendência para veículos elétricos tem sido de crescimento fenomenal nos últimos dois anos”, disse Gore.
O preço dos carros elétricos também está caindo tão rapidamente que agora eles custam quase o mesmo que os carros movidos a gasolina. A diferença média de preço no mês passado foi de US$ 5 mil, de acordo com dados da Cox Automotive.
Ainda assim, a recente desaceleração das vendas fez com que algumas montadoras reduzissem seus planos de veículos elétricos, com a Ford cortando a produção da tão falada picape elétrica F-150 Lightning. Muitas montadoras estão agora se voltando para os híbridos plug-in mais vendidos - um compromisso entre os motores de combustão interna do passado e as baterias do futuro.
Disputa com sindicatos
A regra desta quarta-feira vem depois de uma longa disputa entre a United Auto Workers (o poderoso sindicatos dos trabalhadores na indústria automotiva) e o governo Biden sobre se - e como - a mudança para os veículos elétricos beneficiará os trabalhadores.
Em setembro, o UAW lançou uma greve histórica contra as três maiores montadoras de Detroit - Ford, General Motors e Stellantis. Os trabalhadores alertaram que o aumento dos veículos elétricos poderia eliminar empregos bem remunerados no setor automotivo, uma vez que muitas fábricas de veículos elétricos estão sendo construídas em Estados do sul, menos favoráveis ao trabalho sindicalizado.
Apesar dessas advertências, a EPA emitiu uma ambiciosa proposta de regra em abril passado que exigia que os carros elétricos respondessem por 67% de todas as vendas de carros de passeio e caminhões leves novos até 2032. Semanas depois, o presidente do UAW, Shawn Fain, escreveu que o sindicato estava negando seu apoio à campanha de reeleição de Biden por conta das “preocupações com a transição dos veículos elétricos”.
No entanto, o sindicato reverteu o curso e se uniu a Biden depois que a EPA sinalizou que relaxaria o cronograma na regra final. O UAW endossou o presidente em sua conferência legislativa anual em janeiro, e Fain participou do discurso de Biden sobre o Estado da União neste mês.
As montadoras ainda poderiam cumprir a regra final fazendo com que os carros elétricos representassem 67% das vendas de carros novos em 2032, de acordo com a EPA. Mas elas também poderiam atender às exigências fazendo com que os veículos totalmente elétricos representassem 56% e os híbridos plug-in 13%, informou a agência.
O ex-presidente Donald Trump, o provável candidato republicano à presidência, chamou Fain de “idiota” e criticou repetidamente as metas de Biden para veículos elétricos. Ele alegou, falsamente, que os veículos elétricos não podem viajar muito com uma única carga e prometeu descartar a regra da EPA no segundo dia de um eventual segundo mandato.
Na segunda-feira, 18, Trump tentou defender sua declaração dada no fim de semana de que haveria um “banho de sangue” se ele perdesse em novembro, alegando que estava apenas descrevendo um banho de sangue para o setor automotivo. Ele escreveu em sua plataforma de mídia social que estava “simplesmente se referindo às importações” permitidas por Biden, que, segundo ele, “estão matando a indústria automobilística”.
Manish Bapna, presidente e CEO do NRDC Action Fund, o braço político do Natural Resources Defense Council, criticou a retórica anti-carros elétricos de Trump.
“A indústria está apostando seu futuro em carros elétricos, motoristas os estão comprando em números recordes e o acordo do UAW do último outono garante que os trabalhadores se beneficiem”, disse Bapna em um e-mail. “Biden tem uma estratégia para apoiar essa mudança. Trump quer reverter a situação.”
Oposição das petroleiras
O setor de combustíveis fósseis tem procurado estimular a oposição à regra da EPA, que poderia reduzir a demanda por seus produtos petrolíferos. A American Fuel & Petrochemical Manufacturers (AFPM), um grupo comercial do setor, lançou uma campanha milionária contra o que chama de “proibição de fato de carros a gasolina”. A campanha inclui anúncios em Estados em conflito, alertando que a regra restringirá a escolha do consumidor.
“Para ter certeza, o governo se refere a essas regulamentações como ‘padrões’, não como ‘proibições’ ou ‘mandatos’”, disse o presidente e CEO da AFPM, Chet Thompson, em uma conversa com repórteres neste mês. “Mas eles fazem isso porque sabem como as proibições são impopulares entre os americanos.”
Os membros da AFPM incluem gigantes dos combustíveis fósseis como ExxonMobil, Chevron, Marathon Petroleum e Valero Energy. A Marathon Petroleum, a maior refinaria do país, fez uma campanha secreta em 2018 para reverter os padrões de emissões de carros estabelecidos pelo presidente Barack Obama.
Mike Sommers, executivo-chefe do American Petroleum Institute, disse que o grupo de lobby do setor petrolífero planeja contestar os novos padrões no tribunal. “Faremos tudo o que pudermos para impedir a regra”, disse ele.
Os órgãos reguladores da Califórnia estão indo mais longe do que a EPA, buscando acabar com as vendas de novos carros a gasolina em todo o Estado até 2035. No passado, mais de uma dúzia de outros Estados optaram por seguir as regras mais rígidas da Califórnia em relação à emissão de poluentes dos carros.
A California Air Resources Board anunciou na terça-feira, 19, um acordo com a Stellantis, dona das marcas Jeep e Ram. Por esse acordo, a Stellantis concordou em cumprir os requisitos de vendas de veículos elétricos da Califórnia, mesmo que eles sejam bloqueados por um tribunal ou por um possível segundo governo Trump.
A montadora já havia criticado esses requisitos por darem aos rivais uma vantagem injusta. Mas, na terça-feira, o CEO da Stellantis, Carlos Tavares, chamou o acordo de “solução ganha-ganha” que evitará de 10 milhões a 12 milhões de toneladas métricas de emissões de gases de efeito estufa até 2030.
“As maiores e mais influentes empresas do mundo entendem que é assim que podemos combater as mudanças climáticas juntos”, disse o governador da Califórnia, Gavin Newsom, do Partido Democrata, em um comunicado.
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