Uma empresa de origem espanhola, a Laboratórios Larrasa, que atua no Brasil na produção de ovos férteis para granjas, está sendo acusada por companhias brasileiras com as quais tinha negócios, como BRF e JBS, de falsificar contratos e mensagens, usando o nome dessas empresas, para convencer bancos internacionais, o governo espanhol e o banco BTG Pactual a conceder financiamentos a ela.
Em documentos repassados às Justiças brasileira e espanhola, essas empresas - assim como outros grupos estrangeiros - acusam a Larrasa de ter realizado essas fraudes para conseguir levantar empréstimos que somam acima de € 120 milhões (R$ 666) milhões. Os débitos não teriam sido pagos, segundo os processos abertos pelas instituições que concederam crédito a ela.
O laboratório já coleciona, pelo menos, 27 processos no Brasil, além de ser investigado na Espanha, pelas supostas fraudes. Também foram instaurados inquéritos criminais nos dois países contra a empresa, que tem como sócios o espanhol José Larrasa Rodríguez e sua esposa, a brasileira Angela Lacombe Antoneli. Larrasa afirma que todas as acusações são falsas, e fala até em “tentativa de extorsão” contra ele. “É falso que Laboratórios Larrasa Antoneli Produção de Ovos Ltda. (que é a empresa brasileira) e seus funcionários tenham qualquer relação com as acusações falsas realizadas”, afirma (leia mais abaixo). Os processos estão em andamento, e ainda não houve nenhuma decisão.
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As suspeitas contra a empresa foram levantadas pela subsidiária espanhola da empresa de consultoria e auditoria Deloitte (que fazia a auditoria dos balanços da Larrasa em 2020), pela BRF e pela consultoria canadense de investimentos Eureka Corporate Group, que foi contratada para fazer a reestruturação financeira do laboratório. “É uma das maiores fraudes financeiras da Espanha”, diz Javier Saavedra, CEO para o sul da Europa do Eureka.
Segundo as acusações, a Larrasa divulgava contratos falsos de prestação de serviço com as empresas brasileiras. Os documentos falsos teriam valores muito mais altos do que a empresa realmente tinha a receber. Com isso, ela conseguia financiamentos de maior valor com instituições financeiras. Além disso, a Larrasa também é acusada de falsificar e-mails de executivos brasileiros, como se eles estivessem confirmando a existência de grandes contratos com a empresa.
De posse dos dados falsos que inflavam sua receita, a Larrasa teria procurado instituições financeiras de, pelo menos, três países e o governo espanhol para pedir empréstimos milionários. A lista de instituições inclui o britânico Pemberton, os espanhóis Finalbion, Santander e Banca March e o brasileiro BTG Pactual, além do governo espanhol.
A Laboratórios Larrasa foi fundada em 2002, na cidade de Jerez de los Caballeros, na província de Badajoz, na região de Extremadura, próxima de Portugal. A empresa ficou conhecida na Espanha por ter sido a primeira do país a sequenciar o genoma humano, e o veterinário José Larrasa acabou alcançando a fama de guru local da genética, prometendo tratar doenças e transformar o país em potência de estudos nesse campo.
Depois, o veterinário se encaminhou para a produção de ovos férteis, usados para abastecer granjas, e prometia fazer melhoramento genético de animais. Ele também é irmão do secretário de energia do governo da Andalusia, Manuel Larrasa, um político conhecido no sul do país.
Acusações da BRF
Um exemplo das acusações de fraude são as denúncias feitas pela BRF que em 2022 viraram inquérito da Polícia Civil. Segundo a BRF diz no inquérito, o laboratório usou e-mails em nome de seus executivos e inventou contratos falsos para enganar auditores e, dessa forma, conseguir empréstimos na Europa e no Brasil.
A BRF informou que o contrato verdadeiro que fechou com a Larrasa previa o fornecimento de aves do grupo brasileiro para o laboratório, que, por sua vez, fazia a produção de ovos e vendia parte dela para a própria BRF. O primeiro contrato real entre as empresas é de 2016, depois renovado em 2018 e em 2020.
Mas a BRF tomou conhecimento de uma mensagem enviada por José Larrasa para o escritório de Sevilha da auditoria Deloitte, em que o empresário repassava mensagens que alegava ter recebido de um funcionário da empresa brasileira. Nessas mensagens, o funcionário indicava quem seriam as pessoas que poderiam prestar informações em nome da BRF.
Para checar essas informações, a Deloitte pediu que o funcionário da BRF, suposto autor da mensagem, confirmasse diretamente o conteúdo do e-mail. O executivo, no entanto, não reconheceu o envio da mensagem nem as informações contidas nela, indicando que ela teria sido fabricada por Larrasa sem o seu conhecimento.
Uma outra mensagem dizia que as empresas do grupo Larrasa - incluindo Larrasa Animal Genetics e Laboratórios Dr Larrasa, baseadas na Espanha - teriam a receber da BRF, ao fim de 2020, um valor de € 78,5 milhões (R$ 435,6 milhões), e que no mesmo ano elas já teriam recebido € 7 milhões (R$ 38,85 milhões) da companhia brasileira. A assinatura dessa mensagem estava em nome de um ex-funcionário da BRF que havia deixado a empresa em 2019 - apesar de a declaração ser de 2021 e o seu nome estar escrito de forma errada.
No processo que corre na Justiça, a BRF esclarece que esses contratos nunca existiram. Ela tinha, de fato, relação com a Laboratórios Larrasa Antoneli Produção de Ovos, baseada no Brasil, e não com as outras empresas, e que havia na época recebível de apenas R$ 587.443,32, e não os valores mencionados.
A BRF ainda descobriu que empresas do grupo Larrasa apresentaram à instituição financeira espanhola Finalbion, para pedido de financiamento, um contrato de serviços de melhoramento genético que teria sido fechado entre as duas empresas. O contrato, não reconhecido pela BRF, teria estado em vigor entre 2017 e 2020, e envolveria pagamentos de mais de € 300 milhões (R$ 1,66 bilhão) da brasileira a empresas de José Larrasa.
Em uma acusação posterior, a BRF reiterou as informações de acusações anteriores e declarou, por meio de seu advogado, que “o mesmo contrato falso de serviços de melhoramento genético” apresentado para a Finalbion também foi utilizado para obter empréstimos com o banco BTG Pactual, que teria repassado € 13 milhões (R$ 72,15 milhões) à Larrasa em 2019.
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Procurada pelo BTG para confirmar mensagem que teria sido repassada em seu nome pela conta de e-mail jlarrasa@laboratorioslarrasa.com, a BRF informou que não reconhecia as mensagens, nem o contrato apresentado. Então, o banco também abriu ações criminais contra a Larrasa no Brasil e na Espanha.
Procurados pela reportagem, tanto a BRF quanto o BTG disseram que não iriam comentar o caso.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que o caso é investigado, por meio de inquérito policial, pelo 14° Delegacia de Polícia, em Pinheiros, na capital paulista. “Diligências estão em andamento, inclusive junto à Polícia Civil do Rio Grande do Sul para a conclusão da investigação. Detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial”, informou.
Outra informação enviada às autoridades brasileiras pela BRF, nos processos abertos, aponta para uma apresentação de power point da Larrasa que era mostrada a potenciais investidores, na qual a empresa declarava prestar serviços genéticos para a BRF e a JBS, como forma de dar credibilidade aos seus negócios. A JBS não respondeu aos pedidos de informações da reportagem.
A Deloitte Espanha, por sua vez, declarou para a reportagem que prestou auditoria para Larrasa até 2021, quando descobriu que a empresa forjou assinatura em relatórios falsos de auditoria apresentados a outras instituições.
O relatório falso, segundo a Deloitte, foi enviado para o banco americano MSD Partners, com o qual Larrasa buscou obter um outro financiamento. “Com isso, declinamos do nosso papel de auditores, além de acusarmos criminalmente e denunciarmos a empresa para as autoridades espanholas”, informou.
Resposta de Larrasa
Perguntado pela reportagem sobre os processos abertos pelas empresas brasileiras e pela Deloitte, José Larrasa disse que as acusações contra ele e suas empresas são fruto de uma tentativa de extorsão que teria recebido do Eureka Group, a qual não aceitou pagar. Então, ele alega que estaria sofrendo uma campanha de difamação. “É falso que Laboratórios Larrasa Antoneli Produção de Ovos Ltda. (que é a empresa brasileira) e seus funcionários tenham qualquer relação com as acusações falsas realizadas”, respondeu por e-mail.
Também diz que essa empresa não tem “qualquer relação com as entidades mencionadas, exceto com a Pemberton e o BTG Pactual, mas indiretamente, por estar como garantidora de uma operação de financiamento da Espanha”.
O advogado da empresa no Brasil não respondeu ao contato da reportagem. Já o escritório espanhol Dentons Europe Abogados, sediado em Madri, afirmou que, em janeiro, renunciou à representação da Larrasa.
Citado por Larrasa, o Eureka Group negou as acusações e reafirmou que os processos contra a empresa espanhola indicam tentativas de fraudes em série.
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