Na retomada do setor aéreo, após o período mais difícil da pandemia, as empresas no Brasil estão explorando novos destinos domésticos. Em uma estratégia semelhante à que a Azul já adotava antes da covid-19, Latam e Gol também passaram a voar mais para o interior do País. A mudança vem em um momento em que as empresas enfrentam dificuldades e fortes prejuízos. A Gol, por exemplo, teve perdas de R$ 2,8 bilhões somente no segundo trimestre de 2022.
Apesar de ser a companhia com a recuperação mais tímida na oferta total (considerando assentos por quilômetro), a Gol é a que mais ampliou o número de destinos atendidos. Hoje, a empresa voa para 72 localidades, ou 29% a mais que antes da pandemia. Na Latam, o crescimento foi de 23% e hoje são 54 bases e, na Azul, companhia que sempre teve como estratégia criar demanda voando para locais que não eram atendidos antes, são 144 destinos (alta de 23%).
O gerente de malha da Gol, Bruno Balan, afirma que a expansão regional já era algo que a empresa vinha estudando antes da covid-19. Em 2019, a empresa lançou voos para seis novas bases apostando no cliente corporativo, sobretudo de cidades de médio porte que vinham recebendo investimentos do setor privado ligado ao agronegócio e à energia.
Com o arrefecimento da pandemia, essa estratégia foi acelerada, ligando principalmente cidades do interior do País a hubs da companhia, ou seja, aeroportos que servem como centros de conexão. A ideia é que o passageiro não precise mais fazer escala na capital do seu Estado.
Entre as novas cidades atendidas pela Gol estão Bonito (MS), Pelotas (RS), Ribeirão Preto (SP), Uruguaiana (RS), Ipatinga (MG), Uberaba (MG), Santo Ângelo (RS) e Teixeira de Freitas (BA). Em novembro, está previsto o início dos voos para Santa Maria (RS), Paulo Afonso (BA) e Lençóis (BA).
“A gente via um competidor operando (em cidades do interior) aparentemente com números saudáveis de passageiros e de tarifa. Começamos a analisar o que havia nessas cidades e quais empresas investiam nelas”, diz Balan. Segundo ele, a Gol também vinha buscando fazer mudanças na malha. “Nosso produto já estava consolidado nos grandes corredores do Brasil, e procuramos ver onde mais poderíamos crescer com um nível de rentabilidade satisfatório.”
Redução de custos
No caso da Latam, a expansão para o interior tem ocorrido após a companhia reduzir seus custos. Com a crise decorrente da pandemia, a empresa entrou em recuperação judicial (chapter 11) nos Estados Unidos – a saída desse processo de reestruturação deve ocorrer em novembro. Protegida de seus credores pela Justiça americana, ela renegociou contratos por valores menores e cortou custos. Enxuta, passou a operar voos que antes não eram viáveis financeiramente, conta a diretora de vendas e marketing da companhia no Brasil, Aline Mafra.
Das dez cidades em que a Latam entrou – Presidente Prudente (SP), Montes Claros (MG), Juiz de Fora (MG), Cascavel (PR), Sinop (MT), Caxias do Sul (RS), Juazeiro do Norte (CE), Jericoacoara (CE), Vitória da Conquista (BA) e Petrolina (PE) –, seis têm perfil corporativo e todas já tinham ao menos uma companhia operando. “Nossos aviões são grandes. É normal que entremos em cidades onde já tem uma empresa pelo menos, porque dependemos de infraestrutura”, diz Aline.
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Nos novos destinos, o grupo tem atuado com voos diários, aviões de 144 a 174 lugares e ocupação entre 75% e 80%. A companhia tem hoje mais dez cidades em estudo, de acordo com a executiva.
Na Azul, que atende mais que o dobro de destinos de suas concorrentes, a interiorização da operação era uma tendência anterior à covid-19. Com nove modelos diferentes de aeronaves, a empresa tem maior flexibilidade para chegar a aeroportos pequenos. Seus aviões têm capacidade que varia de nove a 334 assentos, destaca o diretor de relações institucionais, Fábio Campos. “Conseguimos atacar todos os locais em que vemos demanda.”
A empresa voa atualmente para 144 destinos domésticos – até o fim deste mês, serão mais dois, Jacarepaguá (RJ) e Araripina (PE) – e pretende chegar a 200. “Se vamos alcançar isso em 2023 ou 2024, vai depender de como a demanda se comporta”, acrescenta Campos.
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Para o consultor André Castellini, sócio da Bain & Company e especialista no setor aéreo, a expansão da malha aérea das companhia pode ser explicada como uma tentativa de se conseguir resultados financeiros mais saudáveis. “O preço da tarifa e o custo da passagem não aumentaram na mesma proporção. A tarifa tem de aumentar mais para se ter um resultado sustentável. Então, a pergunta é onde há mercado que gera retorno para as companhias pagarem as dívidas. Provavelmente, a resposta é nesses novos destinos.”
Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o preço médio das passagens no Brasil no primeiro semestre deste ano estava 20% acima do registrado no primeiro semestre de 2019. Os custos por assento, porém, subiram 65%, de acordo com Castellini.
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