CEO da Marisa abriu chagas da empresa ao público, e especialistas veem geração de valor à rede

Executivo visita lojas a serem fechadas, mostrando empatia pelos funcionários em um momento difícil; avaliação é que iniciativa fortalece a marca

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Foto do author Cristiane Barbieri
Atualização:

Assim que assumiu o cargo de presidente da Lojas Marisa, em fevereiro, João Pinheiro Nogueira Batista começou a postar no LinkedIn fotos de suas visitas às unidades da rede. Em uma área cujo desempenho está intimamente ligado ao ânimo da tropa, ele apareceu abraçado a funcionários e com mensagens de ânimo e engajamento para a equipe, que vive a profunda crise da empresa.

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Na semana passada, Nogueira Batista fez postagem semelhante na rede social profissional, mas em situação oposta. Fotografou e tornou pública sua ida à loja 708 da Marisa, em Vitória. É uma das 90 unidades que não geram caixa, entre as 334 da rede, a serem fechadas ainda este ano, de acordo com o plano de reestruturação apresentado a investidores. No total, serão cerca de 1,8 mil demissões.

“Fui agradecer a todos pela dedicação e esforço e reforçar o contexto em que a decisão foi tomada”, escreveu, no LinkedIn. “E reiterar que faríamos o possível para aproveitar o time em outras lojas. Expliquei que estávamos fazendo isso de coração apertado, mas que era necessário, infelizmente.” Pode parecer um contrassenso expor publicamente as dores dos funcionários e da empresa, em tempos de demissão por WhatsApp e da contratação de exércitos de profissionais para esconder dificuldades, demissões e fechamentos de unidades.

Postagem de João Pinheiro Nogueira Batista, CEO da Lojas Marisa, com funcionários das unidades que serão fechadas Foto: Reprodução

Para especialistas, porém, além de mostrar solidariedade e empatia pelos empregados na hora dos tempos difíceis, a iniciativa de Nogueira Batista gera valor à Marisa em várias frentes. Vai desde o maior engajamento dos profissionais que mantiveram a vaga à percepção de perpetuidade do negócio para credores e fornecedores, passando pelo fortalecimento da marca. Sem contar que a empresa se mostra alinhada às práticas ESG (ligadas à sustentabilidade ambiental, social e de governança, na sigla em inglês) e vai além do discurso.

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“Nogueira Batista está pavimentando no mercado, com bancos, funcionários e clientes, a imagem de que a Marisa vai continuar”, diz Herbert Steinberg, chairman e fundador da consultoria Mesa Governança Corporativa. “Num momento em que todo o varejo está sob escrutínio e sem crédito, ele não esconde que a empresa tem problemas financeiros - como a Americanas, a Tok&Stok, a Etna (que fechou) e tantas outras -, mas caminha para a resolução das dificuldades e para a perenidade, sem ruptura.”

Funcionários

Nas lojas, essa percepção não se concretiza com a mesma assertividade. No sábado, 29 de abril, início de feriado, os poucos clientes que circulavam pelas gôndolas de uma loja na Grande São Paulo combinavam com o clima de incerteza, tristeza e consternação, entre as funcionárias, ao serem provocadas sobre o tema. “Ainda não comunicaram aos colaboradores se essa loja vai fechar”, diz uma delas.

“É muito ruim ficar sem saber o que vai acontecer.” Outra, há 18 anos na casa e prestes a se aposentar, diz que será ruim para a rua de comércio popular perder uma loja âncora. Também se preocupa porque a loja estava dando 20% de descontos nas roupas de inverno, antes mesmo da estação começar. “Isso nunca aconteceu antes”, diz. Uma terceira afirma que a Marisa é umas das “melhores varejistas onde já trabalhou e seria uma pena se a loja fechasse”.

Aparentemente, os posts de Nogueira Batista não têm chegado até o chão de loja. De todo modo, segundo Steinberg, ao ir até as lojas que serão fechadas para abraçar e ouvir funcionários, Nogueira Batista “cria liga com quem fica do que críticas de quem sai”. Apesar de ainda ter um longo caminho até se provar viável, é o oposto, diz ele, do que vem acontecendo nas Americanas, por exemplo, que também tem fechado lojas e feito cortes, sem criar interlocução similar com os funcionários por parte das lideranças da empresa.

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“É mais confiável para um credor, um acionista, um fornecedor ou um locatário ter um cliente que é transparente ou quem nega o próprio balanço?”, diz ele, que esteve anteriormente em campo oposto de negociações com Nogueira Batista e também conhece Luis Paulo Rosenberg, presidente independente do conselho da Marisa, alçado ao cargo também em fevereiro. Jaime Troiano, sócio da TroianoBranding, afirma que prestígio e marca se constroem de dentro para fora da empresa.

“Construir um tapume em volta de um problema afasta o sentimento de orgulho e pertencimento que as companhias bem sucedidas precisam ter”, diz ele. “Quem vai segurar o rojão no dia a dia é quem opera nas lojas e nos escritórios e são grandes embaixadores das marcas.”

Para ele, os papéis das empresas de capital aberto “sobem e descem de elevador todo dia”, enquanto valores perenes permanecem. “Ao tratar uma empregado com respeito, valor e consideração, por mais difícil que tenha sido a situação, ele vai ter orgulho de ter sido tratado como pessoa”, afirma.

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