‘Lula destrói patrimônio público em embate sobre a Eletrobras’, diz Elena Landau

A economista diz que os dividendos da Eletrobras pagos ao governo podem ajudar o arcabouço fiscal, mas ameaças do presidente à segurança jurídica podem fazer esses valores derreterem

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Foto do author Lucas Agrela
Atualização:
Entrevista comElena LandauEconomista

Para a economista Elena Landau, o embate de Lula sobre o processo de privatização da Eletrobras, feito no ano passado, prejudica a segurança jurídica do País e destrói o patrimônio público ao desvalorizar as ações da empresa.

“Desde que o Lula assumiu, o valor da Eletrobras já caiu 20%. Com essa história de reestatização, o Lula está destruindo patrimônio público. As pessoas não sabem bem o valor de uma estatal, que está sendo derretido. Quando isso acontece, os dividendos derretem junto, e quem perde com isso é a população brasileira”, afirma ela, que comandou o programa de privatização do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Elena diz acreditar que as críticas de Lula à Eletrobras têm intuito político, uma vez que são bem recebidas por seus apoiadores. Para ela, o presidente busca aumentar os assentos do governo no conselho de administração para distribuir cargos para sindicalistas ou membros do Centrão. “Não há sentido nenhum essa ação. Nem por motivos econômicos nem jurídicos. É apenas o Lula falando com o seu cercadinho”, diz.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

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Elena Landau diz que embate de Lula contra Eletrobras é puramente político Foto: GABRIELA BILO/ESTADÃO

As críticas do governo Lula ao processo de privatização da Eletrobras são cabíveis?

O governo está tentando intervir em um ato super perfeito do ponto de vista jurídico. O processo passou por todas as etapas. Houve projeto de lei que virou medida provisória e foi apreciada pelo Congresso Nacional. Depois foi transformada em um projeto de conversão que virou a lei que deu base a mudanças estatutárias aprovadas na assembleia. A partir daí, o processo foi consolidado. As regras passaram pelo Legislativo, algo que nem sempre acontece porque não é preciso, mas nesse caso passou. Nem assim será garantido o que foi prometido aos investidores? Isso pode ser um sinal de que, no Brasil, nem a lei vale. É óbvio que, se a lei for inconstitucional, há direito de recorrer ao STF. Nesse caso, o governo não conseguiu nem apresentar qual seria a inconstitucionalidade da lei. O princípio da proporcionalidade, que o governo usa de argumento, é como dar uma de João sem braço, não cabe. É o direito de espernear. Cabe ao STF devolver esse processo para garantir que no Brasil esse tipo de irresponsabilidade não progrida. Sou muito radical nesse ponto para garantir a segurança jurídica no País.

Como ficam os investidores que compraram ações da Eletrobras?

Quando falamos sobre os contratos, vemos que o investidor pagou o valor das ações com base na limitação de votos. Se os investidores achassem que não haveria limitação de voto de qualquer grupo, e não só do governo, não teriam pago o valor correspondente ao processo de capitalização. A limitação do voto é uma coisa comum. Não é algo contra esse ou aquele governo. É uma proteção normal do processo de capitalização. Digamos que essa irresponsabilidade do governo encontre eco no Supremo, o que eu duvido. O Lula vai gastar R$ 60 bilhões para recomprar as ações ou ele vai dar um calote nos investidores? Essa é outra questão. O que dizem é que a Petrobras compraria de volta as ações da Eletrobras. O governo que prometeu botar o pobre no orçamento vai gastar com algo totalmente desnecessário? A Eletrobras parou de investir por causa da MP 579, da Dilma Rousseff. Foi a intervenção do PT que o Mauricio Tolmasquim hoje defende e também defendeu naquela época que destruiu a competência financeira da Eletrobras. A ideia da Petrobras comprar a Eletrobras deve ter partido do Tolmasquim porque ele assumiu a diretoria de energias renováveis na empresa. Foi a intervenção deles que destruiu a possibilidade da Eletrobras investir. Ela só voltou a investir depois de um choque de gestão e da privatização. A empresa acabou de anunciar a capacidade de investimento anual de R$ 12 bilhões.

Por que a reestatização da Eletrobras vai contra a pauta social do governo?

Digo que há competição da reestatização da Eletrobras com gastos sociais porque as pessoas não levam em consideração que o pagamento de dividendos que a Eletrobras - ou a Petrobras - pode fazer contribui com o resultado primário, com o arcabouço fiscal. Não é uma coisa que está dando dinheiro para os acionistas. O maior acionista é o governo.

Então, a empreitada do governo em relação à Eletrobras é uma jogada política?

A Eletrobras não precisa de recursos públicos para investir. Não há sentido nenhum essa ação. Nem por motivos econômicos nem jurídicos. É apenas o Lula falando com o seu cercadinho. Há um lado que realmente acredita que a Eletrobras ficaria melhor na mão do governo. O Tolmasquim acredita nisso. Ele argumenta que fez a intervenção no preço da Eletrobras para que as tarifas caíssem. Mas, quando olhamos a trajetória tarifária, foi exatamente no biênio após a MP 579 que as tarifas tiveram um choque de mais de 50% em dois anos. Lula quer indicar cargos de conselheiros na Eletrobras para sindicalistas ou para o Centrão. As pessoas que estão lá hoje são as responsáveis por tirar a empresa do buraco. Ele quer indicar pessoas que, no passado, mostraram que não sabem administrar a Eletrobras. Essa ação não faz qualquer sentido. Do ponto de vista social, toda vez que há intervenção dos preços quem paga é o mercado regulado, que vai ficar com as tarifas mais altas. E, se isso acontecer, parte do dinheiro da Eletrobras não vai mais para a conta do desenvolvimento energético para descontar o impacto sobre as tarifas. O governo vai perder mas de R$ 30 bilhões, que no modelo de venda vão para o abatimento da tarifa. Não há justificativa sob nenhuma ótica. O resultado pode ser o pior possível, porque afeta o coração e a alma da segurança jurídica no Brasil.

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A reestatização da Eletrobras traria impacto econômico para o consumidor na conta de energia?

Não. Se houver mudança na tarifa será para pior.

Qual seria o impacto da reestatização da Eletrobras para o setor de energia elétrica?

O impacto seria negativo. Desde que o Lula assumiu, o valor da Eletrobras já caiu 20%. Com essa história de reestatização, o Lula está destruindo patrimônio público. As pessoas não sabem bem o valor de uma estatal, que está sendo derretido. Quando isso acontece, os dividendos derretem junto, e quem perde com isso é a população brasileira. Essa ação do Lula é uma das mais irresponsáveis que eu já vi. Ela se junta com os decretos do Marco do Saneamento. Essas duas ações são de quebra de segurança jurídica e confronto com o Legislativo.

Uma das críticas feitas pelo presidente Lula foi o aumento dos salários de executivos da Eletrobras após a privatização. Qual sua visão sobre isso?

Ninguém ganha R$ 360 mil por mês como disse o Lula. O salário é em 12 vezes, não 13 ou 14. Os vice-presidentes vão ganhar o equivalente ou menos do que os diretores da Petrobras. O salário de R$ 60 mil de antes da privatização era o mais baixo entre as estatais, mais baixo do que o do BNDES. Nunca vi o Lula questionando os salários da Petrobras nem os benefícios que eles não contam, como seguro saúde para todo tipo de familiar. Tudo isso precisa ser incluído na conta para ser comparável. Fora isso, para atrair conselheiros de qualidade, é preciso remunerar bem. Mesmo assim, não tem ninguém ganhando R$ 200 mil como foi dito. Isso não foi aprovado em assembleia. O que foi aprovado em 27 de abril, é é público, é que o CEO ganha R$ 300 mil ao mês, os vice-presidentes, em média, ganham R$ 110 mil, o presidente do conselho ganha R$ 85 mil e os demais conselheiros ganham R$ 60 mil. Não há 13º salário nem FGTS nem gratificação de férias.

Os recursos da privatização da Eletrobras foram bem aproveitados pelo governo?

Todos os recursos foram gastos em três tipos de desembolso: R$ 26 bilhões foram para o Tesouro no ano passado, R$ 9 bilhões para fundos regionais e mais de R$ 30 bilhões para descontos nas tarifas, via aporte na CDE. Nenhum dinheiro foi para a dívida pública.

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Há como usar a Eletrobras para reduzir a dívida pública?

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O governo manteve mais de 40% do capital porque a ideia era fazer uma oferta secundária de ações. Normalmente, após a privatização, as ações sobem muito e seria possível vender uma nova parcela, capital que o governo poderia decidir como usar. Ou ele iria para o resultado primário ou para abater dívida. Quem decide isso é o Tesouro Nacional, o que for mais importante no momento. Quando o Lula ameaça intervir nesse processo, os 43% em vez de valorizar são desvalorizados. 20% do valor já foi perdido. Ele está destruindo o impacto que poderia ter.

Essas medidas mostram que as privatizações não estão de forma alguma na agenda do governo?

Privatizações não estão na agenda do PT, o que não é uma surpresa. Por mais que eu discorde disso, quem votou no Lula já sabia disso. Tirar a Telebras do programa de privatização, por exemplo, é jogar dinheiro fora. Mas é uma opção política. Se o governo quer tirar dinheiro que iria para programas sociais para sustentar uma estatal, para cargo para os amigos, é uma decisão política. Não vejo problema nenhum nisso, é uma decisão ideológica. Mas o que ele faz com o Marco do Saneamento e o que ameaça fazer na Eletrobras tiraria todo o interesse da entrada do capital privado.

Quais são os riscos do embate do governo por mudanças no contrato de privatização da Eletrobras?

Precisamos ver se o Lula vai conseguir destruir o poison pill (mecanismos de proteção para acionistas minoritários de empresas de capital aberto contra tentativas de aquisição por outro investidor) que requer o pagamento de três vezes o valor das ações. Se isso acontecer, qualquer investidor pode pagar para ter o controle. Não é garantido que seja o governo. O Lula quer ter maioria no conselho de administração da Eletrobras, mas ele não vai conseguir isso com 43% do capital. É uma ação para o cercadinho dele. Nas redes sociais, os apoiadores estão aplaudindo.

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