‘Consumidor não sabe impacto de uma camiseta de R$ 10 comprada de um site chinês’, diz CEO da Malwee

Executivo pede que haja isonomia de tratamento tributário com as plataformas digitais que vendem importados no País

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Talita Nascimento
Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO
Entrevista comGuilherme WeegeCEO da Malwee

Mesmo com a concorrência avassaladora dos sites chineses, o grupo Malwee tem registrado crescimento consistente nos últimos anos. A companhia, que faturou em 2022 R$ 1,5 bilhão, dobrou de tamanho no pós pandemia e deve manter o ritmo de crescimento na casa de dois dígitos em 2023.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o CEO da companhia, Guilherme Weege, diz que um dos maiores desafios do negócio é o de manter os valores de sustentabilidade da empresa em um ambiente que, na prática, não reflete essas práticas de meio ambiente, social e de governança (ESG, na sigla em inglês).

“É essa autenticidade que nos faz perceber que o mercado não questiona e nem reflete sobre situações de responsabilidade social e ambiental, o que indica que o ESG não está em seu propósito”, afirma Weege.

Ele diz ainda que é preciso que os consumidores também sejam levados a refletir sobre o que está por trás de peças de roupas produzidas em grande escala a preços baixos: “Muitos consumidores não conhecem o impacto ambiental e social que existe por trás daquela t-shirt de R$ 10 que ele encontrou em um site da China”, diz.

Publicidade

O executivo acredita que a competição leal faz bem ao mercado e à indústria, mas pede, como a maioria dos empresários nacionais da moda, isonomia de tratamento tributário para com as plataformas digitais que vendem importados.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

Uma empresa de 55 anos já passou por muitos momentos difíceis no País. Qual foi o mais desafiador?

Os desafios são muitos, pois fazer uma moda ética, sustentável e de forma inovadora vai muito além do que as pessoas possam imaginar. É essa autenticidade que nos faz perceber que o mercado não questiona e nem reflete sobre situações de responsabilidade social e ambiental, o que indica que o ESG não está em seu propósito. Reforço, sempre que possível, que a sustentabilidade não pode começar pelo marketing. Nosso espírito pioneiro e o investimento em inovações nos permitiram alcançar a marca de 92% de peças produzidas com métodos e matérias-primas de menor impacto ambiental. Ainda, nos destacamos como uma das empresas brasileiras que menos emite carbono na produção.

Como a companhia fez para se manter sólida com tantos solavancos econômicos no Brasil?

Penso que nos momentos desafiadores é fundamental ter adaptabilidade e atenção aos movimentos que o mercado está dando. Nesses 55 anos, nos reinventamos permanentemente, mas sem jamais perder a nossa essência. Se por um lado ter um planejamento consistente é importante, o foco na execução é o diferencial, pois é o que permite enfrentar as adversidades. Acredito que a pandemia é o maior exemplo, pois conseguimos agir de forma rápida e nos reinventamos com criatividade. A produção dos equipamentos de proteção individual (EPIs) seguraram a nossa cadeia, nos dando condições de pagar fornecedores e de também dar um prazo maior aos nossos clientes.

Publicidade

Como a empresa tem navegado nesse momento de juros altos e consumidor com renda comprometida?

Há muitos obstáculos macroeconômicos e um ambiente desafiador tanto no digital quanto no offline. A questão fiscal, por exemplo, é um aspecto que pode comprometer o desempenho econômico do varejo e da indústria. Enquanto as empresas brasileiras pagam seus impostos, a isenção de tributos federais para compras online de até US$ 50, que entrou em vigência em agosto, poderá causar até 2,5 milhões de demissões, conforme apontaram a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV). Porém, mantemos nosso foco em eficiência e continuamos analisando o mercado não a curto, mas a médio e longo prazo. Desta forma, não deixamos de investir e de buscar inovações que nos permitam evoluir em nosso propósito de construir um mundo feito para durar. E, claro, havendo juros mais baixos no futuro, é possível termos um ciclo melhor para o varejo.

Guilherme Weege diz que empresa tem investido mais em inovação e novos modelos de lojas Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

Nesse contexto, quais são os principais investimentos recentes da empresa?

Temos um plano de expansão que iniciou em regiões estratégicas: São Paulo, uma das capitais da moda brasileira; e Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, onde fica a sede da empresa. Investimos R$ 3,5 milhões para inovar e criar dois novos modelos de loja, além de inaugurar as respectivas novas unidades nas regiões Sudeste e Sul, que concentram os maiores gastos com vestuário no Brasil. Dentro da expectativa atual de mercado, com esse movimento, esperamos crescer acima de dois dígitos este ano.

A receita da companhia diminuiu nesse período de dificuldade? E o volume de vendas?

Dobramos de tamanho desde o início da pandemia enquanto investimos continuamente na ampliação do parque fabril e dos canais de distribuição. Atualmente, concentramos esforços na área de inovação. Em 2022, a nossa produção anual totalizou mais de 43 milhões de peças e nosso faturamento foi de R$ 1,5 bilhão, o que representa um crescimento de 17% (sobre 2021).

Foi possível repassar preço ao consumidor?

É inevitável não fazê-lo. Enfrentamos um aumento de 70% na nossa matéria-prima, o fio, mas isso já normalizou. O nosso desafio é fazer uma moda sustentável e acessível, tanto em questões de valores como de opções nas coleções. Trazendo para o tangível, nossas peças têm os mesmos valores que a concorrência nacional. Citando o jeans como exemplo, o nosso usa 98% menos água que as demais marcas. Mas será que essa preocupação tem feito diferença na hora da compra? É por isso que defendo amplamente a necessidade de um debate aberto e permanente sobre os impactos das escolhas individuais para o coletivo.

Publicidade

Qual o maior desafio do Grupo Malwee para os próximos 50 anos no País?

PUBLICIDADE

Acreditamos que a moda não é para ser descartada. É assustador pensar que cerca de 70% do que temos no guarda-roupa não é usado e que cada peça é utilizada apenas 7 vezes até ser descartada. Essa fórmula Fast Fashion não se encaixa mais em um mundo que vive emergências climáticas e humanitárias. O que o Grupo Malwee e as nossas marcas propõem é um novo jeito de produzir e de consumir moda. Acreditamos que um dos nossos maiores desafios seja tornar o acesso à moda sustentável como algo permanente nas coleções. Não apenas fazendo edições cápsulas (coleções menores). E claro, com muito esforço em comunicação, será possível tornar essas peças objetos de desejos aos clientes.

Como a entrada de players estrangeiros no País afeta o negócio do Grupo Malwee hoje?

Nesta questão é muito importante destacar que muitos consumidores não conhecem o impacto ambiental e social que existe por trás daquela t-shirt de R$ 10 que ele encontrou em um site da China. Existe ali um alto consumo de água, energia, gás carbônico, baixa remuneração de mão de obra e diversos outros problemas. Precisamos falar mais sobre o assunto! Colocar luz sobre a indústria da moda, mostrar como ela funciona e os seus impactos. Acredito que o processo de abrir portas para empresas estrangeiras exige isonomia do mercado e da estrutura macroeconômica. É necessário garantir que todas as organizações - locais ou estrangeiras - sejam tratadas de forma justa e com condições iguais. Além disso, eu acredito que a concorrência leal nos faz melhores, afinal, não existe oceano azul na indústria.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.