Credores da Marisa registraram 511 protestos por inadimplência só em 2023. O número representa um número 14 vezes maior do que o registrado nos últimos cinco anos. A dívida dos credores, em maior parte fornecedores de artigos de moda e acessórios, é de R$ R$ 13,8 milhões.
A explosão de registros de protestos de dívidas nos cartórios começou a acontecer pouco antes de a empresa anunciar que buscava renegociar dívidas de cerca de R$ 600 milhões. O anúncio foi seguido da renúncia do então CEO Adalberto Pereira dos Santos. O negócio agora é comandado por João Pinheiro Nogueira, que foi diretor financeiro da Petrobras.
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“Os protestos normalmente são títulos executivos, duplicatas ou notas fiscais sobre dívidas da Marisa. O fornecedor protesta para tentar forçar o recebimento do valor”, explica Renato Leopoldo e Silva, do escritório DSA Advogados. Segundo ele, o protesto acaba afetando o acesso da empresa ao crédito corporativo. “O grande número de títulos (protestados) é um ponto de atenção.” Silva afirma ainda que um credor com uma dívida líquida acima de 40 salários mínimos pode pedir a falência da empresa. “Já um credor com valor baixo faz um protesto.”
Neste mês, credores da Marisa entraram na Justiça pedindo a falência da empresa devido a dívidas que somam R$ 882,7 mil. Os débitos são com os fornecedores MGM Comércio de Acessórios de Moda, no valor de R$ 363,5 mil; Plasútil Indústria e Comércios de Plásticos, de R$ 173,5 mil; e Oneflip Indústria e Calçados, de R$ 345,7 mil. Na Justiça, a varejista de moda também tem dez processos por inadimplência de aluguéis.
Na conferência de resultados financeiros, Nogueira Batista disse a investidores no último dia 16 que os pedidos de falência contra a empresa são parte do processo natural de reestruturação. O CEO alega que já atingiu 90% de renegociação com credores, e que os menores acionam a Justiça. “Não negamos nossas dívidas, reconhecemos”, disse Nogueira Batista.
Recuperação
Para tentar reverter a situação financeira difícil e a inadimplência com credores, a varejista anunciou o fechamento de 91 lojas que empregam, em média, 20 pessoas cada. Em nota, a empresa reforça que com a finalização dos fechamentos das lojas neste trimestre [abril a junho] o Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ficará em R$ 62 milhões em base anual recorrente.
“Os ajustes referem-se a lojas deficitárias e não à mudança de estratégia de público. A Marisa mantém o posicionamento da marca com foco em moda feminina para a classe média”, informou a empresa.
Na visão de Jean Paul Rebetez, sócio-diretor da Gouvea Consulting, a situação de dificuldade financeira da varejista não é uma novidade que apareceu em 2023. “A Marisa precisa ser observada desde 2010. Em 2016, a marca já tinha tido prejuízo. Tanto que a família saiu para dar lugar a gestores executivos.”
Rebetz lembra que, em 2013, a ação da empresa valia R$ 27 e hoje vale menos de R$ 1. A corrosão da empresa vem de muito tempo. “De 2020 para cá, os prejuízos milionários foram recorrentes”, diz ele.
Para conseguir uma virada, o especialista afirma que a contenção de despesas e revisão completa do negócio é prioridade. “Fechar lojas é o primeiro passo a ser dado imediatamente. A empresa também vai renegociar os prazos de aluguéis. A redução do estoque acontece junto com o fechamento de lojas. Os cortes drásticos de mão de obra também são necessários. Emissão de títulos de dívida também é uma saída de capitalização. O desafio é que a moda é feita de produtos perecíveis, entram e saem de moda”, declara Rebetez.
A recuperação judicial, utilizada por empresas que não têm capacidade de pagar suas dívidas e buscam proteção da Justiça, é uma opção para empresas muito endividadas, como aconteceu com a Americanas no começo do ano. Para Leopoldo e Silva, da DSA Advogados, esse tem sido um último recurso das empresas.
“A recuperação judicial ainda não é muito bem vista. Parece um grande calote ou forma de se livrar das dívidas. O sistema ainda não é 100% visto com bons olhos, especialmente, pelos credores”, afirma. Em casos de recuperação judicial, as empresas ganham 60 dias para apresentar um plano de pagamentos que precisa ser aprovado em assembleia de credores e seguido para evitar um quadro de falência do negócio.
Outro lado
Em nota ao Estadão, a Marisa informou que negociou acordos com 300 fornecedores estratégicos e 1.000 fornecedores indiretos desde o começo do ano. Segundo a empresa, a taxa de êxito foi de 90% até o momento. “Com os acordos formalizados, a companhia entrará com pedido de baixa de protestos em cada um dos cartórios acionados – trabalho intenso, já em curso pela área financeira”, segundo a varejista de moda.
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