A Americanas reduziu substancialmente seu comércio eletrônico após a nova gestão da companhia adotar uma postura voltada para a rentabilidade. O esforço faz parte da nova estratégia de sustentabilidade do negócio depois que a fraude bilionária revelada há cerca de um ano e meio pelo grupo colocou em xeque a sobrevivência da varejista.
A visão, daqui para frente, é que a operação digital deva ficar em cerca de 20% das vendas da companhia, ainda queimando um pouco de caixa nos próximos anos. No passado, o braço virtual chegou a representar mais de 50% do negócio.
Na nova estratégia, segundo fontes que participam do redesenho do negócio, o esperado é que as mercadorias de terceiros representem 95%, ou mais, das vendas digitais, com foco em lojas oficiais de grandes marcas que são fornecedoras chave da varejista.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, os grandes lojistas, como Samsung e Nestlé, ficarão com uma fatia de cerca de três quartos ou mais do shopping virtual da Americanas.
No último balanço divulgado, que soma os dados de janeiro a setembro de 2023, as vendas digitais foram cerca de 29% do total da varejista, com R$ 4,8 bilhões de volume bruto de mercadorias (GMV, na sigla em inglês). Trata-se de uma grande mudança em relação ao período anterior da crise. Na comparação com o mesmo período de 2022, o resultado representa uma queda de 77% no volume.
O encolhimento da operação digital é uma mudança relevante para o negócio. Assim como na maior parte das varejistas pelo mundo, a iniciativa era uma das maiores apostas do grupo, que tem como acionistas de referência os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
Em 2006, uma fusão entre a Americanas.com e o Submarino criou a B2W, que foi listada separadamente da Lojas Americanas na B3 até julho de 2021. Com dificuldade de se tornar rentável e a pressão do mercado para a empresa integrar as operações físicas e digitais, a B2W foi então incorporada à Americanas SA.
Reformulada
A nova estratégia digital veio depois de muita reflexão a respeito do caminho que restou para a Americanas. Segundo dados de mercado que mesclam diferentes fontes de pesquisa, a empresa passou de uma fatia de 18% do mercado de marketplace (modelo em que a companhia cede seu espaço virtual para a venda de lojistas terceiros), para 2%, no período de 2020 a 2024.
Nesse espaço de tempo, o líder do setor, o Mercado Livre, tem feito investimentos anuais bilionários no País. Só em 2024, serão mais de R$ 23 bilhões, 20% a mais do que em 2023.
Em recuperação judicial e após descobrir uma fraude de resultados que maquiava uma queima de caixa gigantesca na operação digital, a Americanas já não teria condições de competir nesse segmento. A ideia, então, foi buscar um formato parecido com o do Tmall, do grupo chinês Alibaba, que abriga as lojas oficiais de marcas relevantes.
Nesse sentido, a Americanas tem buscado fornecedores chave e oferecido a eles um novo tipo de contrato para vender seus produtos diretamente ao consumidor, por meio da plataforma da varejista. O acordo envolve maior acesso aos dados dos clientes por parte da indústria, nas regras vigentes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O compartilhamento das informações é um detalhe visto como bastante valioso, pelo potencial criado pela web, de super personalização. Em troca, a indústria concede melhores condições de pagamento e sortimento de produtos para o marketplace da companhia. A palavra exclusividade não aparece, ao menos por hora, nessas negociações.
Segundo fontes que participam das conversas, a loja da Samsung, uma das principais fornecedoras da Americanas, já está funcionando no novo modelo e a Nestlé está em negociações avançadas para esse tipo de parceria. O nome desse “shopping virtual de grandes marcas” ainda não está definido. A Americanas estuda o uso de alguma de suas marcas virtuais como o Submarino, Shoptime e SouBarato ou a criação de uma nova bandeira.
Leia também
O braço digital era uma ponta que faltava do novo desenho da Americanas. Desde que a gestão atual assumiu a companhia, os executivos deixaram claro ao mercado que a rota de recuperação da varejista seria calcada na operação física, com a venda de itens como bombons e chocolates.
A Americanas já fechou mais de 100 lojas desde janeiro do ano passado. Tem hoje 1.703 unidades em todo o Brasil. A empresa vale cerca de R$ 340 milhões, uma fração do que já foi avaliada na Bolsa.
Procuradas, Americanas, Samsung e Nestlé preferiram não comentar até o fechamento desta reportagem.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.