Cama de solteiro, Air Fryer, esteira: o que aconteceu com os produtos comprados na pandemia

Esteiras, bicicletas ergométricas e uma série de outras máquinas foram adquiridas no comércio online durante a crise sanitária e agora estão escanteadas em casa; pesquisa mostra que em cada residência há em média R$ 4,7 mil em produtos parados

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Olhe ao seu redor: se você está em casa, há grande chance de parte de seu lar estar entulhado com esteiras, bicicletas ergométricas, kits para fazer macramê (técnica de fios e nós), roupas compradas online que nunca serviram. São os arrependimentos da pandemia. Enquanto boa parte dos consumidores estava em quarentena, entre 2020 e 2021 e até em 2022, com a onda da ômicron, o escape para as tensões da pandemia foi o comércio online.

Tanto é que o e-commerce brasileiro registrou faturamento recorde em 2021, totalizando R$ 258,5 bilhões, aumento de 29,8% em relação a 2020. No ano passado, o faturamento continuou crescendo e chegou a R$ 262 bilhões, segundo a Nielsen|Ebit. Mas agora que a pandemia ficou para trás, o que fazer com tanto aspirador robô, fritadeiras, máquinas de fazer pão?

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Esse legado da pandemia tem aquecido as vendas de plataformas especializadas em comércio de segunda mão. “Em 2021, o produto que apresentou maior oferta de venda na plataforma foi a Air Fryer. Neste, é a cama box de solteiro”, diz Regina Botter, gerente geral de autos e produtos da OLX Brasil, um dos maiores portais de vendas de produtos usados do País.

Entre janeiro e abril deste ano, houve um crescimento de 74%, em relação ao mesmo período de 2021, na inserção de anúncios de venda de Cama Box de solteiro na OLX. Os anúncios de fritadeiras cresceram 53%. Para Regina, as pessoas estão vendendo agora o que compraram na pandemia e não usam mais – o caso da fritadeira.

Já a cama box reflete outra mudança: o quarto de hóspedes realmente deu lugar ao escritório para trabalhar de casa. Tanto é que o sétimo item mais comprado na plataforma é a cadeira de escritório – uma aquisição feita para equipar melhor o cômodo. Entre os mais anunciados, a bicicleta ergométrica está em 11° lugar, logo após itens que não saem do ranking nunca, como sofás, fogões e aparelhos de ar-condicionado.

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Gabriela Boriero comprou uma esteira na pandemia e acabou doando para uma amiga Foto: Tiago Queiroz

A esteira foi o estorvo da pandemia que ficou para a psicóloga paulistana Gabriela Boriero. “Há dez anos eu e meu marido corremos. Quando a pandemia começou, compramos a esteira para não ficarmos parados”, lembra ela, que pagou R$ 2,5 mil no equipamento.

Mas com a vacinação e a normalização da situação de contaminação, ela voltou a correr ao ar livre e a esteira virou cabide de roupas. A solução para desafogar a casa foi dar o aparelho para uma amiga. “Era um trambolhão no meio do apartamento. Resolvi dar logo com a única condição de vir buscar”, conta ela.

Na casa de Luci Maria Ribeiro, economista, também de São Paulo, o que está sobrando da pandemia é uma fritadeira, um kit de fazer macramê (uma técnica de tecelagem), e um mop (espécie de balde com rodinho sofisticado). “Nada disso estou usando agora”, diz ela. “Na pandemia comecei a seguir perfis de pessoas que ensinavam a descomplicar a vida e acabei comprando essas coisas por influência. Mas estão todas encostadas agora. O macramê, fiz só dois, pequenos, e larguei.”

Ela pensa em vender os itens em sites como o Enjoei. Na plataforma, antes da pandemia, a base de vendedores ativos ficava no patamar dos 400 mil. Hoje, conforme o relatório de resultados do primeiro trimestre de 2023 da empresa, são 988 mil. “Com mais tempo em casa, as pessoas não só compraram mais online como também venderam mais”, diz Iuri Ribeiro, diretor de produtos e crescimento do Enjoei.

Produtos encostados

Mais da metade dos brasileiros (56%) declaram já ter feito ao menos uma transação (compra ou venda) de artigos usados, segundo um levantamento recente encomendado pelo Enjoei em parceria com Boston Consulting Group (BCG).

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Em outra pesquisa, da OLX, 63% dos respondentes declararam ter pelo menos um item parado em casa (com intenção de se desfazer). “Tendo em conta o valor médio dos itens anunciados na plataforma OLX, calculamos que as pessoas têm em média R$ 4,7 mil em produtos parados em casa que poderiam vender”, diz a executiva.

O acúmulo de coisas em casas acontece também porque as pessoas mudaram seu perfil de consumo. A psicóloga Gabriela, por exemplo, antes da pandemia trabalhava numa empresa. Comprava sapatos de salto e calças “flare” (ajustadas em cima e largas na barra). “Hoje trabalho de casa, clinicando. Não uso mais essas roupas e prefiro conjuntinhos de moletom”, afirma ela.

Até mesmo na cozinha o perfil de compra das pessoas mudou. Na pandemia, a marca de panelas de luxo Royal Prestige vendeu caçarolas como nunca. “Eram panelas que a pessoa podia fazer comida para a família toda sem sujar mais nada”, conta Cinthia Helena Serra Oliveira, gerente sênior de marketing da marca americana.

A busca era pela praticidade na hora de cozinhar para a família, enquanto todo mundo estava em casa, trabalhando e estudando remotamente. Na quarentena, a caçarola teve uma alta de vendas de 30%. Agora, o carro chefe da empresa mudou.

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A busca agora é por indulgência, em não mais por praticidade. E o reflexo disso é que a panela chocolateria da marca assumiu a liderança de vendas. “Nem todo mundo mais está cozinhando em casa. Mas quando chegam do trabalho ou terminam o serviço no home office, querem conforto”, diz a executiva.

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