Petrobras rescinde contrato e ‘reestatiza’ refinaria no Ceará; compradora vai pedir indenização

Ativo foi vendido no ano passado para a Grepar, mas transferência foi adiada várias vezes por questões fundiárias, segundo estatal

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Foto do author Carlos Eduardo Valim
Atualização:

Depois de adiar por duas vezes a entrega de uma refinaria no Ceará, vendida por US$ 34 milhões (R$ 167,3 milhões) no ano passado a um grupo especializado em asfaltos, a Petrobras decidiu rescindir o contrato. A estatal anunciou a “reestatização” da Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor) na segunda-feira, 27, com o argumento de que algumas condições precedentes para transferência do ativo não foram concluídas.

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A compra da refinaria pelo grupo cearense Grepar foi acertada em 2022, durante o governo Bolsonaro. Em junho deste ano, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a venda da Lubnor. Depois disso, a Grepar pagou a primeira parcela, depositando 10% dos US$ 34 milhões acordados pela compra.

A empresa cearense também investiu previamente cerca de US$ 10 milhões, incluindo quatro anos de estudos de negócios, consultoria e preparação para operar a refinaria. Também planejou, a partir de setembro, a contratação de 50 trabalhadores e estima que o investimento total na operação atingiria US$ 100 milhões.

A transferência do negócio estava prevista inicialmente para ocorrer em 1º de agosto. A data foi transferida para 1º de setembro e, depois, para 1º de outubro. Por contrato, o ativo precisava ser transferido até 25 de novembro ou o negócio seria desfeito, e o primeiro pagamento feito pela Grepar, devolvido.

Todo o impasse para a entrega aconteceu devido a questões fundiárias, as quais a Petrobras alegou estarem atrasando a conclusão do negócio.

Contrato de venda da Lubnor foi rescindido Foto: Adriano Machado/ Reuters

A Lubnor está localizada em terreno com partes em posse da União e da Prefeitura de Fortaleza. A maior parte foi dada em outorga gratuita à estatal pela Secretaria de Patrimônio da União. Já algumas ruas, que compreendem cerca de 15% do terreno, são da capital cearense. Em dezembro, ainda com a Petrobras sob comando da gestão anterior, a estatal ofereceu proposta pela compra das áreas da prefeitura, que a considerou baixa.

Os valores se aproximaram nos meses seguintes, mas a gestão do prefeito José Sarto Nogueira (PDT) alegou que a venda dos seus terrenos só seria feita após a aprovação do negócio pelo Cade, o que aconteceu em junho. A Petrobras defendia que, antes de entregar a refinaria, precisava concretizar a compra do terreno.

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Em entrevista ao Estadão, o empresário Clovis Fernando Greca, controlador da Grepar, afirmou que a estatal respondeu que não poderia “vender patrimônio que não era dela”. “Aceitávamos receber o imóvel da mesma forma que a Petrobras ocupa o local. Ela (Petrobras) foi me enrolando, deixou vencer o prazo e disse não reconhecer o meu direito de abrir mão dessa condição precedente. Como as condições não foram implementadas, o prazo venceu, ela pediu a rescisão do contrato”, alega o empresário.

Greca afirma ter feito propostas para resolver o problema, inclusive tendo recebido uma resposta positiva da Prefeitura de Fortaleza para comprar as ruas do município. “A gente compraria e pagaria muito caro por isso. Mas há uma burocracia e leva um tempo para concluir o processo”, disse. O Estadão procurou a Prefeitura de Fortaleza, mas não obteve resposta.

Para o empresário, o negócio foi desfeito devido ao “viés ideológico” do governo Lula. “(O governo atual) é contra qualquer venda de qualquer ativo. Estamos num momento de Estado muito mais atuante na economia. Tudo que for contra esse sentido o governo não quer fazer. Por isso, a Petrobras desistiu de um contrato que não permitia a ela este poder”, afirma.

Segundo a Petrobras, a desistência acontece “em razão da ausência de cumprimento de condições precedentes estabelecidas até o prazo final definido em tal contrato (25/11/2023), em que pesem os melhores esforços empreendidos pela Petrobras para conclusão da transação”.

Desde que assumiu em janeiro, o atual governo demonstrou repetidamente desinteresse na venda de ativos públicos. Em 2 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo após assumir o cargo, determinou a revogação dos processos de privatização de oito empresas, indicadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Em 11 de maio, declarou, durante evento: “Não vamos vender mais nada da Petrobras, os Correios não serão vendidos. Vamos tentar fazer com que a Petrobras possa ter a gasolina e óleo diesel mais baratos”.

A Lubnor é a menor unidade de refino da lista de oito refinarias da estatal colocadas à venda pelo governo Bolsonaro, mas estratégica por ser uma das maiores fabricantes de asfalto do País e fornecedora para todo o Nordeste.

Sem fundamento

A empresa disse que foi “surpreendida” pela decisão da Petrobras de fazer a rescisão “sem fundamento contratual”. Segundo a Grepar, o alegado impedimento do negócio em face das condições fundiárias “não procede”. “Tais condições fundiárias estão vinculadas às condições precedentes que a Grepar validamente renunciou há meses, e a Petrobras não poderia suscitar como fundamento de rescisão do contrato”, diz.

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Ainda conforme a Grepar, a Petrobras “deixou inequivocamente de implementar condição precedente obrigatória para a qual não existia óbice de implementação”, exceto a inação da própria estatal. “Nesta circunstância, o direito e o próprio contrato impedem que a parte que esteja inadimplente pudesse pedir a rescisão do contrato”, destaca.

“Assim, é juridicamente inadmissível a rescisão implementada pela Petrobras com base em seu próprio inadimplemento, uma vez que deu causa e acarretou a não ocorrência do fechamento dentro do prazo final”, afirma a Grepar, em nota. Apesar disso, a Grepar afirma que não insistirá na manutenção do negócio, “face à quebra de confiança e à inequívoca intenção da Petrobras de não prosseguir com a transação contratada, conforme explícitas e reiteradas declarações do Presidente Jean Paul Prates tão logo assumiu o comando da Petrobras, em março deste ano”.

Mas a empresa diz que irá “adotar as medidas jurídicas para resguardar os seus direitos de ser indenizada pelas perdas e danos que a Petrobras de forma deliberada lhe causou, frustrando negócio já contratado”.

Mudança no visual

Localizada em uma área nobre e turística da cidade, entre as praias do Futuro e Iracema, a Lubnor é considerada “um patinho feio no meio do ponto turístico”, e está diante de um impasse, segundo pessoas ligadas ao negócio.

Ao mesmo tempo em que a continuidade da operação da unidade traz ganhos para a prefeitura, como emprego e renda, a poluição visual levou ao planejamento da sua desativação em 2026. As conversas entre a prefeitura e a estatal para reverter esse processo já começaram, e devem ser aceleradas após a retomada do ativo pela Petrobras.

O primeiro passo seria a mudança visual da unidade, para causar menos agressão ao polo turístico. Uma das medidas possíveis seria levar o quadro de boias — onde os navios carregam e descarregam produtos —, para o alto-mar. Hoje, a operação é feita a beira-mar, e isso evitaria o incômodo que a aproximação de grandes petroleiros traz aos turistas.

A unidade poderá também se comprometer a compensar as emissões de carbono rumo ao net zero (zero emissões), seguindo a nova linha adotada pela Petrobras de descarbonizar todas as suas operações. A geração de energia passaria a ser solar fotovoltaica e o hidrogênio produzido na refinaria e pouco utilizado poderá ser trabalhado para iniciar um projeto de hidrogênio verde, segundo fontes ligadas ao negócio.

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