O novo plano diretor da cidade de São Paulo, aprovado no mês passado pela câmara dos vereadores e promulgado nas últimas semanas pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), vai ampliar a oferta de terrenos para as incorporadoras, facilitar a oferta de vagas nos empreendimentos e incentivar a diversificação das tipologias dos novos apartamentos. Mas as mudanças não devem ser imediatas. A expectativa é de que os primeiros empreendimentos erguidos sob as novas regras só comecem a surgir no mercado no ano que vem e os lançamento em 2025.
Nesse movimento, o preço dos terrenos deve desacelerar comparado ao ritmo de crescimento verificado nos últimos anos. Mas isso não significa queda no preço dos imóveis, já que haverá um aumento de custo para as incorporadoras, segundo especialistas. Para o consumidor, as mudanças serão percebidas no formato dos prédios, com unidades híbridas. Num mesmo empreendimento, será possível ter apartamentos maiores, com 100 metros quadrados (m²), e studios de 30 m², além de áreas comerciais.
No momento, construtoras e incorporadoras avaliam como prosseguir com os investimentos, repensando projetos e decidindo quais os próximos passos do setor que também aguarda por uma retomada no crescimento. “O novo plano diretor melhora a situação para os empreendedores devido à maior oferta de terrenos. Já para a população, esperamos que vá abrir o leque de opções de apartamentos para compra”, afirma Eder Kenke Nörnberg, diretor da consultoria imobiliária CBRE.
A grande novidade da nova legislação é a ampliação das áreas próximas do transporte público em que é possível construir mais. Na maior parte da cidade, a regra é que as edificações podem ter uma área construída equivalente ao tamanho do terreno. Já nessas áreas próximas do transporte público, o coeficiente de aproveitamento é de até quatro vezes.
No plano anterior, o incentivo valia para terrenos em um raio de até 600 metros das estações de metrô e trem e de até 300 metros no caso de corredores de ônibus. No novo plano, o limite salta para 700 metros e 400 metros, respectivamente. Além disso, basta que o quarteirão esteja na zona do raio, e não, necessariamente o terreno.
Na prática, isso estende o incentivo para áreas ainda mais distantes. Mas essas mudanças têm um custo. Lucas Rietjens, analista da Guide Investimentos, diz que as medidas devem encarecer os imóveis e que as incorporadoras devem repassar ao consumidor o aumento de custo do metro quadrado em áreas próximas ao transporte público.
Na visão de José Roberto Graiche Junior Presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), formada por cerca de 90 empresas, ao criar apartamentos com 60 m² ou mais, as construtoras devem incluir varandas maiores, mais dormitórios ou um escritório, medidas que podem fazer os moradores ficarem mais tempo no mesmo imóvel.
Leia também
Para Junior, o plano diretor de SP tende a frear a escalada de preços das propriedades. “Os preços dos terrenos na cidade subiram desde o anúncio do plano diretor porque ganharam maior potencial de construção. Mas o preço tende a crescer menos do que poderia devido à escassez de terrenos no futuro, por questão de oferta e demanda”, afirma.
Construtoras e incorporadoras ainda estão em etapa de estudos a respeito do plano diretor para elaborar novos projetos, que devem surgir entre o fim do ano e o começo de 2024, com lançamentos para o ano seguinte. Silvio Iamamura, diretor de operações imobiliárias e novos negócios da EZTEC, diz que a empresa já avalia como vai lidar com as mudanças trazidas pelo plano diretor. “Toda mudança na legislação urbanística gera impacto. Novas estratégias estão sendo estudadas”, afirma.
Com investimentos engatilhados para o biênio 2023-2024 - aproximadamente R$ 1,2 bilhão em investimentos -, o presidente da construtora Tarjab, Carlos Borges, vê como positiva a revisão do plano diretor de São Paulo. O empresário conta que, a princípio, as mudanças previstas na legislação não devem impactar na tomada de decisão da companhia, que só passa a avaliar essas mudanças para os aportes feitos a partir de 2025.
“Eu acho que a revisão foi positiva de uma forma geral”, avalia Borges. “O plano não traz nenhum risco para a cidade, ele traz mais possibilidades de que mais pessoas tenham acesso a morar em regiões de maior infraestrutura.”
Apesar de causar algum impacto ao setor, Caio Nabuco de Araujo, analista de fundos imobiliários na Empiricus Research, afirma que o plano diretor não deve alterar o tom do mercado imobiliário de forma estrutural. “Após a diluição das propostas iniciais, há poucas mudanças significativas para o planejamento estratégico das empresas, como eventuais ganhos ou perdas de margens”, diz Araujo.
Para o sócio e fundador da incorporadora Idea!Zarvos, Otávio Zarvos, a atualização do plano diretor que regerá a criação de novos empreendimentos imobiliários pelos próximos 10 anos teve poucas mudanças e continua privilegiando áreas mais nobres da cidade, em bairros como os Jardins, Pinheiros, ou Itaim.
“As construtoras são agentes de investimentos, não são agentes de desenvolvimento urbanos, não é papel delas desenvolver o espaço urbano. As empresas vão para onde elas acreditam que terão retorno financeiro, cabe ao poder público incentivar que elas cheguem em mais regiões”, afirma.
Por se tratar de uma incorporadora com foco em empreendimentos de alto e altíssimo padrão, Zarvos avalia que o novo plano diretor não deve ter um impacto direto nos próximos lançamentos da companhia. “Fundamentalmente, o plano diretor não vai mudar muita coisa nos apartamentos.”
Ainda segundo o empresário, além de não fomentar que o dinheiro circule em mais áreas da cidade, a junção de fatores econômicos do País podem retrair ainda mais os investimentos de novos empreendimentos imobiliários fora de áreas nobres da capital, já que projetos voltados para classe média costumam ser mais sensível a oscilações econômicas. “Vamos ver as empresas continuar a investir em áreas de maior poder aquisitivo”, diz.
Custo adicional para grandes empreendimentos
Para o consultor sênior de terrenos da CBRE, Vitor Perrotta, o incorporador vai se deparar com um aumento no custo da chamada “Cota de Solidariedade”, contrapartida paga por empreendimentos de grande porte para a Prefeitura de São Paulo investir em habitações de interesse social.
No plano diretor vigente até então, todo empreendimento com uma área computável de 20 mil metros quadrados ou mais devia pagar um valor equivalente a 10% do valor venal do terreno a título de Cota de Solidariedade. No novo plano, essa fatia subirá para 20%. Ou seja, um empreendimento de 20 mil metros quadrados equivale a um condomínio de 200 apartamentos.
Na avaliação da professora de economia da ESPM, Cristina Helena de Mello, a cota social é um ponto de tensão do plano diretor e pode atrapalhar o lançamento de novos projetos, já que o valor dessa nova regra ainda precisa ser estudado pelas companhias. “A exigência de uma cota social pode atrapalhar a viabilização de novos investimentos, porque as empresas terão que entender como comercializar esse novo modelo, o que impacta diretamente nos custos do projeto”, diz Cristina.
Novo plano flexibiliza oferta de vagas de garagem nos edifícios
O plano diretor vigente libera as incorporadoras a oferecer uma vaga de garagem por apartamento, independentemente do tamanho. No novo plano, apartamentos com menos de 30 metros quadrados não têm direito a vaga, a menos que a incorporadora pague um extra por isso. Já apartamentos de 30 metros quadrados a 60 metros quadrados têm direito a uma vaga. Os apartamentos maiores podem ter mais de uma vaga: a cada 60m² adicionais, é possível adicionar mais uma vaga.
Ligia Rocha, sócia-diretora da JWurbana Arquitetura e Urbanismo, aponta falhas no plano diretor, como o fato de estimular o aumento de carros por condomínio e ampliar a concentração da população em áreas nobres, enquanto pode empurrar a população de renda mais baixa ainda mais para a periferia.
“O novo plano diretor não fez uma revisão voltada ao equilíbrio social da cidade, não lidou com o ajuste do plano para construir para quem precisa, não foi participativo ao considerar pouco ou quase nada sobre os pedidos da sociedade civil e não garantiu o direito à cidade, à moradia e à melhoria do transporte público e da mobilidade, como prevê a Constituição Federal”, afirma Ligia.
Para a especialista, o trânsito nas áreas nobres tende a piorar devido ao aumento de vagas de estacionamento em imóveis de alto padrão, em vez de estimular o uso do transporte público.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.