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‘Plano de salvamento’ da Avibras, da área de defesa, envolve fusão com Akaer e apoio do BNDES

Governo decidiu criar um plano para evitar que a empresa entre em falência ou seja comprada por estrangeiros; integrantes das Forças Armadas e do Ministério da Defesa confirmaram estratégia ao “Estadão”; BNDES não se pronunciou

Foto do author Carlos Eduardo Valim
Foto do author Marcelo Godoy

Está em curso um plano de salvamento, com capital privado nacional, da Avibras, uma empresa de defesa que enfrenta dificuldades financeiras e está em recuperação judicial desde 2022. Governo federal e Forças Armadas estão empenhados em encontrar uma solução para evitar que a companhia chegue à falência ou seja comprada por algum estrangeiro. Uma das alternativas tem sido a formação de um grupo de investidores brasileiros para fazer uma oferta de compra da empresa e promover a fusão dela com outra companhia brasileira, a Akaer Engenharia Espacial.

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A Avibras foi criada por um grupo de engenheiros do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em 1961. Hoje é controlada por João Brasil Carvalho Leite, filho de um dos fundadores. Ao longo de sua história, a empresa se estabeleceu como uma das pioneiras brasileiras em equipamentos militares, com especialidade em mísseis e lançadores de foguetes.

Com dívidas de R$ 600 milhões, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial em 2022. Como consequência, ela demitiu 420 funcionários. O quadro remanescente de pessoal é agora de 900 funcionários. No começo deste ano, os credores aprovaram o plano da empresa, que foi homologado pela Justiça.

No primeiro semestre deste ano, a australiana DefendeTex chegou a negociar a compra da Avibras, mas desistiu do negócio. Logo em seguida, a chinesa Norinco fez uma proposta pela empresa, o que causou desconforto no governo brasileiro. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu que a elaboração de uma saída nacional para a companhia, mobilizando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O plano de salvamento da empresa também envolve o Ministério da Defesa e tem o objetivo tanto evitar a falência da Avibras como a venda do controle para algum grupo estrangeiro, em especial, de um país que possa causar problemas diplomáticos e estratégicos. Como os principais fornecedores das Forças Armadas brasileiras são ocidentais, ter um fornecedor importante com controle chinês, por exemplo, poderia exigir um rearranjo de plataformas tecnológicas de todo o aparato militar. Integrantes do Ministério da Defesa e das Forças Armadas confirmaram o plano ao Estadão. O BNDES não quis se pronunciar.

A fusão entre a Avibras e a Akaer tem o objetivo de criar a maior empresa de defesa do País, com potencial para abrir mercados no exterior, além de se consolidar como fornecedora de equipamentos de alta tecnologia para as Forças Armadas brasileiras. A meta é atingir o faturamento de US$ 1 bilhão (R$ 5,48 bilhões) até 2034 e empregar mais de 6 mil pessoas.

Com débito estimado emR$ 570 milhões, essa é a terceira vez que a Avibras renegocia suas dívidas judicialmente Foto: JF Diorio / Estadão

Em conjunto, as duas empresas têm hoje 4 mil funcionários, sendo que 3 mil empregos diretos e indiretos correm risco com a possibilidade de falência da Avibras. Procuradas, elas não responderam à reportagem.

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Ambas as empresas estão baseadas em São José dos Campos (SP), no Vale do Paraíba. A Avibras fornece equipamentos para o Exército, enquanto a Akaer é focada nas Forças Aéreas e no setor aéreo civil. Mas, no momento, apenas a Akaer está faturando, com projetos em andamento.

A oportunidade de explorar o mercado internacional está ligada à escassez de armamentos, especialmente devido aos conflitos na Ucrânia. As ameaças russas levaram países da Europa Ocidental a reforçar suas defesas e aumentar seus investimentos em defesa. Mas a capacidade de fornecimento das fábricas americanas e asiáticas está comprometida pela alta demanda de ambos os lados do conflito e de outras regiões em tensão ao redor do mundo.

Neste ano, a expectativa é que um terço dos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) atinja a meta de destinar 2% do PIB para defesa, uma marca perseguida há anos. Entre eles, está a recém-admitida Finlândia, segundo estudo da Economist Intelligence Unit. Os Estados Unidos também podem alcançar gastos totais no setor acima dos US$ 880 bilhões, no ano.

Já na Ásia, Japão, Filipinas, Taiwan e Paquistão, além das potências militares China e Índia, estão incrementando fortemente os seus orçamentos de defesa, devido ao risco de conflitos locais.

A demanda por armamentos também é forte nos países árabes, como os Emirados Árabes Unidos, que buscam reforçar suas forças armadas, mas enfrentam dificuldades de fornecimento, tanto devido à produção já comprometida quanto às restrições geopolíticas impostas a empresas de certos países.

Recentemente, como estratégia de acesso a armamentos, o Grupo Edge, estatal de defesa dos Emirados, adquiriu participação relevante nas brasileiras Condor e Siatt (Sistemas Integrados de Alto Teor Tecnológico). Presente em mais de 85 países, a Condor é a principal produtora mundial de gás lacrimogêneo e líder em outros produtos não letais para uso militar, defesa civil e segurança pública. Já a Siatt desenvolve armamentos de alta complexidade, como mísseis anti-navio de longo alcance.

Possível fusão

Antes de entrar em recuperação judicial, a Avibras conduzia um dos projetos mais estratégicos para o Exército, com o Astros, um programa voltado a desenvolver um sistema de foguetes de artilharia de longo alcance e de alta precisão. Isso envolve o míssil tático de cruzeiro AV-MTC, que permitirá a artilharia alvejar objetos a 300 quilômetros de distância.

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Já a Akaer tem uma longa trajetória em importantes projetos da Embraer, como o desenvolvimento da família de aviões E-Jets, do Super Tucano e do cargueiro KC 390. Além disso, a empresa teve participação relevante na nacionalização do Gripen NG, o caça da empresa sueca Saab utilizado pela Aeronáutica brasileira. Ela também participou dos projetos da AEW India, do Airbus A400 M, das aeronaves Helibras EC-725, Esquilo e Pantera, e muitos outros.

Fundada em 1992, a Akaer é controlada por César Augusto Teixeira Andrade e Silva, um dos cofundadores da empresa. Em 2015, a Saab adquiriu uma participação na Akaer para integrá-la ao projeto dos caças Gripen, que passaram a ser parcialmente produzidos no Brasil. A sueca venceu a licitação para fornecimento dos caças, superando a francesa Dassault, com os Rafale, e a americana Boeing, com o Super Hornet F/A-18. No entanto, em 2023, a Saab vendeu suas ações de volta para Teixeira.

Uma fusão entre Akaer e Avibras também traria o potencial de produzir e adaptar equipamentos de uma empresa para outros usos. O projeto de lançamento de mísseis do Astros, por exemplo, pode ser adaptado para uso aéreo, ao se combinar com a tecnologia da Akaer.

Segundo fontes próximas ao processo, a participação dos controladores de ambas as empresas dependerá dos aportes do mercado e de instituições financeiras, especialmente na cobertura dos custos da recuperação judicial da Avibras e nos investimentos necessários para desenvolver a nova empresa.

A formatação da fusão ainda está em discussão. Segundo uma fonte próxima da negociação, a participação dos controladores de ambas as empresas dependerá dos aportes do mercado e de instituições financeiras, especialmente na cobertura dos custos da recuperação judicial da Avibras e nos investimentos necessários para o novo negócio.

A fase atual é de prospecção dos investidores nacionais e com as instituições financeiras brasileiras, para montar um consórcio de bancos. O BNDES também acompanha as negociações por meio do BNDESpar, que poderá ajudar no financiamento. Segundo a fonte, já existem pré-acordos firmes para o aporte na Akaer. O BNDES e dois bancos privados podem converter créditos em participação acionária.

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Como forma de evitar preocupações do governo e das Forças Armadas, a ideia é manter o controle nacional. A expectativa é que mesmo se investidores internacionais entrarem posteriormente no projeto, ajudando na integração de tecnologias e abertura de mercados, a participação acionária estrangeira não deveria passar de 20%.

Em julho, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) apresentou um projeto de lei na Câmara dos Deputados, para o governo federal estatizar a Avibras, pagando cerca de R$ 2 bilhões, para desapropriá-la, plano que agrada a algumas alas do PT. Segundo o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), “é um problema muito difícil”. “A empresa não vale mais nada, está parada e o patrimônio líquido é negativo. A situação é gravíssima”, diz. “O governo teria de entrar para valer neste jogo aí.” Mas o ministro José Mucio Monteiro Filho (Defesa) já avisou que o governo não tem dinheiro para cobrir o rombo da empresa.

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