Está em curso um plano de salvamento, com capital privado nacional, da Avibras, uma empresa de defesa que enfrenta dificuldades financeiras e está em recuperação judicial desde 2022. Governo federal e Forças Armadas estão empenhados em encontrar uma solução para evitar que a companhia chegue à falência ou seja comprada por algum estrangeiro. Uma das alternativas tem sido a formação de um grupo de investidores brasileiros para fazer uma oferta de compra da empresa e promover a fusão dela com outra companhia brasileira, a Akaer Engenharia Espacial.
A Avibras foi criada por um grupo de engenheiros do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em 1961. Hoje é controlada por João Brasil Carvalho Leite, filho de um dos fundadores. Ao longo de sua história, a empresa se estabeleceu como uma das pioneiras brasileiras em equipamentos militares, com especialidade em mísseis e lançadores de foguetes.
Com dívidas de R$ 600 milhões, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial em 2022. Como consequência, ela demitiu 420 funcionários. O quadro remanescente de pessoal é agora de 900 funcionários. No começo deste ano, os credores aprovaram o plano da empresa, que foi homologado pela Justiça.
No primeiro semestre deste ano, a australiana DefendeTex chegou a negociar a compra da Avibras, mas desistiu do negócio. Logo em seguida, a chinesa Norinco fez uma proposta pela empresa, o que causou desconforto no governo brasileiro. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu que a elaboração de uma saída nacional para a companhia, mobilizando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O plano de salvamento da empresa também envolve o Ministério da Defesa e tem o objetivo tanto evitar a falência da Avibras como a venda do controle para algum grupo estrangeiro, em especial, de um país que possa causar problemas diplomáticos e estratégicos. Como os principais fornecedores das Forças Armadas brasileiras são ocidentais, ter um fornecedor importante com controle chinês, por exemplo, poderia exigir um rearranjo de plataformas tecnológicas de todo o aparato militar. Integrantes do Ministério da Defesa e das Forças Armadas confirmaram o plano ao Estadão. O BNDES não quis se pronunciar.
A fusão entre a Avibras e a Akaer tem o objetivo de criar a maior empresa de defesa do País, com potencial para abrir mercados no exterior, além de se consolidar como fornecedora de equipamentos de alta tecnologia para as Forças Armadas brasileiras. A meta é atingir o faturamento de US$ 1 bilhão (R$ 5,48 bilhões) até 2034 e empregar mais de 6 mil pessoas.
Em conjunto, as duas empresas têm hoje 4 mil funcionários, sendo que 3 mil empregos diretos e indiretos correm risco com a possibilidade de falência da Avibras. Procuradas, elas não responderam à reportagem.
Ambas as empresas estão baseadas em São José dos Campos (SP), no Vale do Paraíba. A Avibras fornece equipamentos para o Exército, enquanto a Akaer é focada nas Forças Aéreas e no setor aéreo civil. Mas, no momento, apenas a Akaer está faturando, com projetos em andamento.
A oportunidade de explorar o mercado internacional está ligada à escassez de armamentos, especialmente devido aos conflitos na Ucrânia. As ameaças russas levaram países da Europa Ocidental a reforçar suas defesas e aumentar seus investimentos em defesa. Mas a capacidade de fornecimento das fábricas americanas e asiáticas está comprometida pela alta demanda de ambos os lados do conflito e de outras regiões em tensão ao redor do mundo.
Neste ano, a expectativa é que um terço dos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) atinja a meta de destinar 2% do PIB para defesa, uma marca perseguida há anos. Entre eles, está a recém-admitida Finlândia, segundo estudo da Economist Intelligence Unit. Os Estados Unidos também podem alcançar gastos totais no setor acima dos US$ 880 bilhões, no ano.
Já na Ásia, Japão, Filipinas, Taiwan e Paquistão, além das potências militares China e Índia, estão incrementando fortemente os seus orçamentos de defesa, devido ao risco de conflitos locais.
A demanda por armamentos também é forte nos países árabes, como os Emirados Árabes Unidos, que buscam reforçar suas forças armadas, mas enfrentam dificuldades de fornecimento, tanto devido à produção já comprometida quanto às restrições geopolíticas impostas a empresas de certos países.
Recentemente, como estratégia de acesso a armamentos, o Grupo Edge, estatal de defesa dos Emirados, adquiriu participação relevante nas brasileiras Condor e Siatt (Sistemas Integrados de Alto Teor Tecnológico). Presente em mais de 85 países, a Condor é a principal produtora mundial de gás lacrimogêneo e líder em outros produtos não letais para uso militar, defesa civil e segurança pública. Já a Siatt desenvolve armamentos de alta complexidade, como mísseis anti-navio de longo alcance.
Possível fusão
Antes de entrar em recuperação judicial, a Avibras conduzia um dos projetos mais estratégicos para o Exército, com o Astros, um programa voltado a desenvolver um sistema de foguetes de artilharia de longo alcance e de alta precisão. Isso envolve o míssil tático de cruzeiro AV-MTC, que permitirá a artilharia alvejar objetos a 300 quilômetros de distância.
Já a Akaer tem uma longa trajetória em importantes projetos da Embraer, como o desenvolvimento da família de aviões E-Jets, do Super Tucano e do cargueiro KC 390. Além disso, a empresa teve participação relevante na nacionalização do Gripen NG, o caça da empresa sueca Saab utilizado pela Aeronáutica brasileira. Ela também participou dos projetos da AEW India, do Airbus A400 M, das aeronaves Helibras EC-725, Esquilo e Pantera, e muitos outros.
Fundada em 1992, a Akaer é controlada por César Augusto Teixeira Andrade e Silva, um dos cofundadores da empresa. Em 2015, a Saab adquiriu uma participação na Akaer para integrá-la ao projeto dos caças Gripen, que passaram a ser parcialmente produzidos no Brasil. A sueca venceu a licitação para fornecimento dos caças, superando a francesa Dassault, com os Rafale, e a americana Boeing, com o Super Hornet F/A-18. No entanto, em 2023, a Saab vendeu suas ações de volta para Teixeira.
Uma fusão entre Akaer e Avibras também traria o potencial de produzir e adaptar equipamentos de uma empresa para outros usos. O projeto de lançamento de mísseis do Astros, por exemplo, pode ser adaptado para uso aéreo, ao se combinar com a tecnologia da Akaer.
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Segundo fontes próximas ao processo, a participação dos controladores de ambas as empresas dependerá dos aportes do mercado e de instituições financeiras, especialmente na cobertura dos custos da recuperação judicial da Avibras e nos investimentos necessários para desenvolver a nova empresa.
A formatação da fusão ainda está em discussão. Segundo uma fonte próxima da negociação, a participação dos controladores de ambas as empresas dependerá dos aportes do mercado e de instituições financeiras, especialmente na cobertura dos custos da recuperação judicial da Avibras e nos investimentos necessários para o novo negócio.
A fase atual é de prospecção dos investidores nacionais e com as instituições financeiras brasileiras, para montar um consórcio de bancos. O BNDES também acompanha as negociações por meio do BNDESpar, que poderá ajudar no financiamento. Segundo a fonte, já existem pré-acordos firmes para o aporte na Akaer. O BNDES e dois bancos privados podem converter créditos em participação acionária.
Como forma de evitar preocupações do governo e das Forças Armadas, a ideia é manter o controle nacional. A expectativa é que mesmo se investidores internacionais entrarem posteriormente no projeto, ajudando na integração de tecnologias e abertura de mercados, a participação acionária estrangeira não deveria passar de 20%.
Em julho, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) apresentou um projeto de lei na Câmara dos Deputados, para o governo federal estatizar a Avibras, pagando cerca de R$ 2 bilhões, para desapropriá-la, plano que agrada a algumas alas do PT. Segundo o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), “é um problema muito difícil”. “A empresa não vale mais nada, está parada e o patrimônio líquido é negativo. A situação é gravíssima”, diz. “O governo teria de entrar para valer neste jogo aí.” Mas o ministro José Mucio Monteiro Filho (Defesa) já avisou que o governo não tem dinheiro para cobrir o rombo da empresa.
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