A reciclagem de plástico costuma ser apontada como um dos melhores caminhos para reduzir a quantidade de lixo produzida pelas empresas, e pode ser uma alternativa para a economia circular. Contudo, uma opção melhor para o meio ambiente seria a redução na produção de plásticos de uso único, permitindo que os itens possam ser reutilizados após serem devidamente higienizados, aponta relatório da Fundação Ellen MacArthur.
Segundo a publicação, substituir o uso de plástico descartável por modelos passíveis de reúso pode reduzir mais de 20% do total de plásticos que acabam anualmente jogados nos oceanos até 2040. Os reutilizáveis também podem ajudar a reduzir a extração de matéria-prima da natureza, as emissões de gases de efeito estufa e o consumo de água, segundo o estudo, que foca, principalmente, em embalagens.
“O que nós precisamos é de estratégias que reduzam a quantidade de plásticos que colocamos no mercado e que mantenham circulando na economia aqueles que não serão possíveis de eliminar”, afirma Luisa Santiago, diretora executiva para a América Latina na Fundação Ellen MacArthur.
No estudo, um cenário com reúso de embalagens é pensado como aquele em que o consumidor adquire o produto, a embalagem é retornada em pontos adequados previstos para tal, levada para centros de triagem, passa por processos de limpeza, é novamente preenchida com o produto e colocada à venda.
Ou seja, não seria um sistema de refil, em que os próprios clientes enchem as embalagens. “É um modelo em que os clientes compram produtos da mesma forma que fariam normalmente, mas em embalagens reutilizáveis”, projeta Santiago.
São consideradas como possíveis de reaproveitamento nesse sistema as embalagens de bebidas (garrafas pet), de cosméticos, de comidas perecíveis, como iogurte, e de comidas não perecíveis como arroz, macarrão ou cereais. Também são considerados três cenários: um em que as medidas para o uso de plástico reutilizáveis sejam esparsas; um “mediano” com algumas iniciativas integradas e outro em que ocorra uma mudança ampla e sistêmica.
O relatório estimou que, para as embalagens de bebidas, as emissões de gases de efeito estufa poderiam ser reduzidas entre 19% e 69% em relação à produção dos recipientes atuais; o uso de água, de 40% a 70%, e o uso de material e descarte de lixo, de 48% a 76%. No caso das embalagens de cosméticos, as emissões cairiam de 22% no cenário menos otimista a 60% no mais otimista; o uso de água, de 28% a 57%, e o de material, entre 35% e 60%.
Para as de comida perecível, as emissões podem ser reduzidas de 12% a 52%, o uso de água entre 16% e 45%, e o de lixo, entre 34% e 54%. No de comidas não frescas, o uso de água poderia diminuir de 31% a 65%; o de lixo, de 21% a 45%, e as emissões poderiam ser reduzidas de 6% a 35%.
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Em relação aos custos, poderia haver aumentos, considerando receitas “perdidas” com o não retorno de algumas embalagens. No entanto, quanto mais sistêmicas forem as mudanças, menores esses custos serão e mais fácil será a adaptação de empresas e do público, o que diminuiria o taxa de não retorno.
Mudanças
No entanto, para alcançar esses objetivos, três pontos são fundamentais: escala e infraestrutura compartilhada, padronização e compartilhamento de embalagens e altas taxas de devolução.
O compartilhamento da infraestrutura significa que, para o sistema de reutilização de embalagens plásticas funcionar, múltiplas marcas e produtos devem usar a mesma infraestrutura para coleta, triagem, higiene e transporte, compartilhando custos e entregando uma experiência mais fácil para os consumidores.
A padronização das embalagens se refere ao design estrutural das embalagens em cada categoria de produtos, de modo que as marcas e linhas se diferenciam através dos rótulos e tampas e não através do formato da embalagem. Assim, seria possível reduzir custos e tornar o processo mais eficiente nas etapas de triagem, higiene e armazenamento.
Por fim, as altas taxas de devolução são fundamentais para todos os sistemas de reúso. Para aumentá-las, é necessário incentivar o hábito da devolução, oferecendo uma experiência simples às pessoas, como a coleta compartilhada, em que o cliente pode devolver várias embalagens em um só lugar. “Para implementar um sistema como esse, precisamos da colaboração dos vários atores envolvidos, como as empresas e o poder público”, ressalta Santiago.
Opções
Embora a reutilização seja uma opção melhor, a reciclagem continuará sendo necessária para lidar com a quantidade de plástico gerada. Segundo Santiago, ela ainda precisará ser ampliada. “O que nós precisamos é de estratégias que reduzam a quantidade de plásticos que colocamos no mercado e que mantenham circulando na economia aqueles plásticos que não serão possíveis de eliminar”, resume.
Da mesma forma, o uso de plásticos biodegradáveis pode ser uma alternativa, mas ainda menos interessante do que manter os materiais circulando na economia. “Essas estratégias são como tentar consertar um vazamento de água apenas enxugando as áreas que foram alagadas: não vão resolver o problema na fonte, então continuará sendo um problema”, comenta a especialista da Fundação Ellen MacArthur.
Por outro lado, produtos como canudos e embalagens flexíveis como as de salgadinhos devem ser substituídos por outros, já que são impossíveis de serem reutilizados, e a reciclagem é possível, mas difícil e inviável do ponto de vista econômico.
Ações
Além da responsabilidade das indústrias em adotar esse modelo de forma sistêmica, e dos consumidores em participar para que os itens sejam retornados e possam ser reutilizados, ainda há papéis a serem desempenhados pelos governos e pelo mercado financeiro.
Os governos podem viabilizar a transição para o novo modelo. Algumas ações podem ser tomadas, como estabelecer e expandir sistemas de Responsabilidade Estendida do Produtor (REP) que contêm mecanismos para incentivar o reúso; estabelecer sistemas eficazes de devolução (como esquemas de depósito e retorno), incentivar investimentos em infraestrutura compartilhada e estimular a adoção generalizada dos modelos de reúso.
Atualmente, a principal legislação brasileira para o tema é a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010. Santiago considera que ela não é muito positiva em relação aos plásticos, por colocar pouca ênfase na responsabilidade dos produtores e muita na parte dos cidadãos e do poder municipal, com um olhar apenas para o fim da cadeia.
“Nós precisamos de mecanismos que olhem para a cadeia de produção como um todo; que incentivem a criação de produtos e modelos de negócio que não gerarão resíduos; e que viabilizem a ampliação da infraestrutura de circulação de produtos e materiais”, avalia.
As instituições financeiras, por outro lado, podem contribuir fornecendo os recursos necessários. Ações como oferta de crédito com taxas favoráveis a empresas que queiram fazer a transição para embalagens padronizadas e agrupadas e lançamento de títulos “verdes”, com metas atreladas ao desempenho no tema, podem ajudar a tornar a mudança maior.
Para o Brasil, os impactos podem ser positivos para além das reduções nas emissões, na poluição e no uso de água. Segundo Santiago, empregos de qualidade podem ser gerados, contando com a experiência de trabalhadores que já atuam no sistema de coleta e triagem de materiais recicláveis com conhecimento sobre todo o funcionamento do processo, e poderiam ser empregadas nos sistemas de reutilização.
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