RIO – O fim da política de desinvestimento da Petrobras, no governo Lula, deve provocar uma onda de fusões e aquisições entre as pequenas e médias petroleiras brasileiras, que hoje estão altamente capitalizadas – ou seja, tem dinheiro em caixa para gastar. Mas, sem oferta de campos maduros da estatal (em produção há mais de 25 anos ou com produção acumulada de pelo menos 70% do potencial estimado) para comprarem, essas empresas, chamadas de independentes ou “junior oils”, terão duas alternativas: se juntar e comprar ativos das concorrentes ou buscar ativos no exterior para aumentar sua produção.
Até 2022, a Petrobras mantinha um plano de desinvestimento que previa a venda de uma série de ativos, como os campos maduros e as refinarias. Entre 2017 e 2020, a companhia anunciou a venda de 230 áreas, sendo 194 campos em produção e 36 blocos exploratórios. Esse plano, no entanto, foi paralisado na gestão petista. Sob a administração de Lula, a Petrobras interrompeu o programa de privatização de refinarias e venda de ativos.
Nesse cenário, segundo especialistas, o caminho mais viável para as pequenas e médias petroleiras seria o de fusão e aquisição uma vez que arranjos desse tipo trazem mais sinergias e redução de custos. Uma das operações que pode desencadear esse movimento no mercado é a fusão entre 3R Petroleum e PetroReconcavo. A união entre as duas empresas pode dar origem a terceira maior operadora de petróleo do País, com produção em terra de mais de 80 mil barris de óleo equivalente por dia (boed) já em 2024, só atrás de Petrobras e Prio.
O negócio que começou a movimentar o mercado no início do mês passado é bem-visto entre especialistas. Se concluído, inauguraria uma corrida por hegemonia e menores custos no mercado. A 3R ainda avalia internamente fazer a proposta à PetroReconcavo. Procuradas, a PetroReconcavo informou que não vai comentar o assunto e a 3R não retornou a solicitação até o momento da publicação.
Fusões e aquisições no Nordeste
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Independentes de Petróleo (Abpip), Marcio Felix, não comenta o caso em específico, mas faz coro ao dizer que esse tipo de consolidação é o caminho natural do mercado de campos maduros brasileiro nos próximos anos.
Para ele, a formação de uma grande empresa focada em exploração e produção (E&P) onshore (em terra) significaria só o início de uma onda maior de aquisições. Nesse segmento, haveria ativos apropriados à consolidação em Estados como Espírito Santo, Alagoas e Sergipe, diz Félix sem entrar em detalhes.
No início desse mercado, boa parte dos campos terrestres em cada um dos três dos Estados foi comprada por uma companhia. A Seacrest, por exemplo, tem 31 campos onshore no Espírito Santo; a Carmo Energy tem 11 campos em Sergipe; e a Origem tem sua produção mais avançada em Alagoas, com cinco campo e 600 poços, além de operação significativa na Bahia (Bacia Tucano Sul) e presenças no Rio Grande do Norte e Espírito Santo.
Mais focada em gás, a Eneva atua no Maranhão e no Amazonas, enquanto 3R e a PetroReconcavo concentram suas atuações no Rio Grande do Norte e Bahia.
Um presidente de petroleira que não quis se identificar define a tendência de fusões e aquisições dentro desse mercado como “inexorável”, e atribui isso à natureza do negócio: um mercado de escala que precisa de tamanho para ter custo barato. Quem não tiver tamanho, vai sofrer cada vez mais, diz ele.
Outro executivo de “junior oil” aponta a eventual empresa resultante da fusão de 3R e PetroReconcavo como a futura consolidadora do mercado, a partir do Nordeste. Para ele, se a fusão ocorrer, a empresa vai esbarrar na Eneva, que tem negócio muito bem estabelecido, mas deve avançar sobre uma série de negócios que atuam na região.
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Uma fonte familiarizada com as negociações dentro da 3R para fusão com a PetroReconcavo confirma. Segunda essa fonte, a Origem Energia tem ativos na Bahia, de muita sinergia com o portfólio da possível nova empresa. A próxima empresa a entrar nesse bolo pode sim ser a Origem, mas há outras empresas no Nordeste e no Espírito Santo. O futuro da consolidação no onshore passa muito fortemente por essa primeira fusão (3R e Petroreconcavo). Procurada, a Origem não quis se pronunciar.
Offshore
No offshore (em alto mar), analistas destacam os potenciais de Prio, Enauta e 3R Offshore, mas veem as duas primeiras com mais chances de se tornarem “consolidadoras” no mar em função do conforto financeiro de seus balanços.
No fim de janeiro, o presidente da Prio, Roberto Monteiro, disse que a empresa está preparada para novos investimentos “na casa de bilhão” para a aquisição de novos campos. Ele disse que a empresa seguirá focada na aquisição de campos maduros, mas não pretende comprar ativos com potencial baixo.
Na mesma linha do que havia dito em entrevista ao Estadão/Broadcast no início daquele mês, Monteiro reiterou que a Prio observa campos no Golfo do México, nos Estados Unidos, mas que o foco da companhia em 2024 será o desenvolvimento da produção nos campos de Wahoo e Albacora Leste, na Bacia de Campos.
Já a Enauta fez uma série de aquisições no apagar das luzes de 2023 a fim de diversificar a produção. A companhia comandada por Décio Oddone se firmou no caminho da expansão com a compra de dois campos da Petrobras, Uruguá e Tambaú, no pós-sal da Bacia de Santos, além da infraestrutura de escoamento de gás e da plataforma FPSO Cidade de Santos.
No mesmo período, a Enauta comprou a fatia de 23% do Parque das Conchas, na Bacia de Campos, detida pela QatarEnergy Brasil. A Shell opera o ativo com 50% de participação e ainda tem como sócia a ONGC, com 27%. Juntas, todas essas aquisições obrigam a Enauta a um desembolso de cerca de US$ 208,5 milhões (R$ 1 bilhão).
No mar, dizem os especialistas, a especificidade das operações pode ser um limitador para fusões e aquisições, mas a capilaridade do mercado e os elevados ganhos com sinergias como o uso compartilhado de embarcações podem pesar. A onda de sinergia no offshore pode ser rápida. Hoje há muitas ‘empresas monoativos’ ou com operações menores que podem ser receptivas a uma proposta das maiores, dizem especialistas. Procurada, Enauta não se pronunciou. A Petrobras foi consultada, mas até o momento desta publicação não havia respondido.
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