Seja para investir ou ter uma opção extra de moradia, os brasileiros têm aumentado a aposta no mercado imobiliário de outros países. Para evitar a volatilidade da economia local e aproveitar o momento econômico de lugares como Estados Unidos, Portugal, Espanha e Itália, investidores encaram o câmbio em busca de oportunidades. Segundo executivos do setor, esse movimento cresceu de forma consistente nos últimos anos.
Dados do BB Américas sobre financiamento de imóveis para estrangeiros nos Estados Unidos mostram que o número de operações de crédito para aquisição de imóveis mais do que triplicou nos últimos dois anos na companhia. Segundo o banco, em 2022 foram feitas 516 operações de crédito imobiliário que movimentaram cerca de US$ 309,2 milhões, um aumento de 209% em comparação aos 167 negócios fechados no ano anterior, que à época movimentaram US$ 100 milhões.
O número de financiamentos de imóveis liberados pelo BB Américas continua crescendo. Até novembro deste ano, o banco já superou o resultado de 2022, com 582 operações de crédito finalizadas, responsável por movimentar US$ 331,9 milhões. Ainda sem os dados de dezembro, o resultado já mostra um crescimento de 7,3% comparado ao apanhado dos 12 meses de 2022.
Segundo o banco, 75% dos investimentos da carteira de crédito imobiliário do BB Américas estão distribuídos por apartamentos na região da grande Miami, em condados do Sul da Flórida e em casas nos arredores de Orlando. Brenner Cavalcante, vice-presidente executivo de financiamentos, tecnologia da informação e negócios de varejo do banco, conta que as projeções da instituição financeira são de que esse mercado deve se manter aquecido nos próximos anos.
“O brasileiro continua expandindo seus horizontes de investimento no exterior e enxerga a compra de um imóvel nos Estados Unidos, com fácil acesso a capital de financiamento, como uma ótima oportunidade de diversificação e de valorização de patrimônio ao longo do tempo”, afirma Cavalcante.
Mas a aquisição de um imóvel no exterior não é para qualquer bolso. Os investimentos podem ser elevados, bem acima das compras em regiões nobres no Brasil. Um empreendimento de alto padrão na Flórida, nos Estados Unidos, por exemplo, é comercializado por US$ 20 mil o metro quadrado, o que na cotação atual gira em torno de R$ 98 mil. Em São Paulo, na rua Seridó (no Jardim Europa), a mais cara da capital paulista, o metro quadrado do imóvel é vendido por R$ 64 mil, conforme levantamento da Datazap.
O preço das propriedades pode começar em US$ 300 mil (cerca de R$ 1,4 milhão) e chegar a US$ 4 milhões, algo próximo de R$ 20 milhões.
Leia mais sobre o mercado imobiliário
Especialistas em mercado imobiliário internacional avaliam que a junção de fatores como a instabilidade na economia doméstica, a perspectiva de crescimento econômico dos países alvo e a possibilidade de retornos em dólar e euro ampliam a procura dos empreendimentos pelos brasileiros.
Eduardo Guedes, da Prinz (gestora de patrimônio da Manchester Investimentos), avalia que o crescimento dos investimentos imobiliários no exterior é reflexo de uma preocupação em proteger o patrimônio em relação às oscilações da economia brasileira.
“Vemos o interesse dos brasileiros em investir no exterior mais por um contexto político que tivemos no País. Às vezes, nem é tanto pela rentabilidade, mas para proteção do patrimônio”, diz. “Vimos clientes interessados em olhar os investimentos fora do País e, dentro dos ativos no exterior, os imóveis são algumas das opções escolhidas.”
É o caso dos investidores cujas fortunas são gerenciados pelo Family Office da XP. O diretor de planejamento patrimonial do banco de investimentos, Renato Folim, conta que, atualmente, os clientes da instituição têm de 25% a 30% do patrimônio internacionalizado, sendo que entre 30% e 40% em investimentos ligados ao mercado imobiliário. “Na gestão de patrimônio, levamos em consideração o que faz sentido para cada família em relação à diversificação dos ativos. Aí as oportunidades acabam aparecendo e nós escolhemos”, relata.
Tipo de imóvel
Aos que estão de olho nas oportunidades de investimento no exterior, pesquisar é a recomendação inicial. Isso porque o perfil do produto será ditado pelo tipo de investidor, finalidade da compra (se o imóvel será para locação de curta ou longa temporada ou se servirá de moradia para o comprador) e endereço escolhido, entre outras particularidades.
Karla Maluf, sócia e diretora da imobiliária Agulha no Celeiro, diz que o preço de casas e apartamentos pode variar bastante, a depender da quantidade de cômodos, metragem total e serviços disponíveis no condomínio escolhido. Segundo ela, o aumento na demanda por apartamentos para a locação de curta temporada, que costumam ser anunciados em plataformas como Airbnb e Booking, elevou o número de lançamentos de incorporadoras americanas que apostam neste tipo de produto.
Ela lembra que, na região da Flórida, um apartamento negociado pela imobiliária especializada no mercado de luxo pode variar de US$ 600 mil a US$ 4 milhões (R$ 2,4 milhões e R$ 19,6 milhões, respectivamente, na cotação do dólar de sexta-feira, 1º).
“Antes, os clientes compravam imóveis no exterior para usar de ‘second home’. Agora, vários prédios estão sendo construídos de olho no público que quer adquirir apartamentos para alugar”, diz Karla. “Temos clientes vendendo uma casa enorme na Flórida para investir, comprando dois apartamentos.”
‘Minha Casa, Minha Vida’ americano
Nem só de produtos de altíssimo padrão vive o mercado imobiliário externo. Mas isso não significa que eles sejam necessariamente baratos. Wagner Nolasco, da W Group USA, é responsável pela comercialização de imóveis de entrada no mercado americano, na região da Florida.
Ele conta que o produto tradicional conhecido como uma espécie de “Minha Casa, Minha Vida” americano é comercializado por cerca de US$ 300 mil (R$ 1,4 milhão). Esse tipo de empreendimento tem cerca de 100 metros quadrados, três quartos e dois banheiros na cidade de Palm Bay, um dos principais endereços pesquisados pelos brasileiros.
O empresário diz que esse tipo de empreendimento “mais popular” — vendido antes mesmo da construção — caiu no gosto dos clientes brasileiros, o que também atraiu a atenção de construtoras e incorporadoras. Ele explica que, para fechar os negócios, as companhias nos Estados Unidos se oferecem para “comprar” parte da taxa de juros do financiamento pago pelo cliente até que a taxa de juros básica dos EUA seja reduzida pelo banco central, o que então deve reduzir o valor do financiamento.
“É uma espécie de amortização feita via construtora. Isso porque o mercado acredita que deve haver uma redução na taxa básica de juros americana no meio de 2024″, diz.
Guedes, da Prinz, afirma que, atualmente, a leitura do mercado financeiro é de que a tendência de alta da taxa de juros nos Estados Unidos deve arrefecer, o que pode indicar um reaquecimento do segmento imobiliário. “Temos visto que a economia americana tem respondido bem a essa alta da taxa de juros”, diz.
Nolasco lembra que, em bancos especializados em crédito imobiliário para estrangeiros, como o BB Américas, é possível financiar até 75% do valor do imóvel do tipo “Minha Casa, Minha Vida” americano, com taxas que vão de 7,5% e 8% ao ano.
Rentabilidade
Destino cobiçado pelos brasileiros que querem investir em imóveis fora do País, além dos Estados Unidos, a Europa segue como um dos principais endereços escolhidos pelos investidores, seja em busca de rendimentos, ou para residência própria.
Em países como Espanha, Portugal e Itália, um apartamento de entrada com 100 metros quadrados é negociado entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões.
Apesar do aporte inicial visto como alto, as taxas de rentabilidade dos mercados europeu e americano superam os ganhos vistos no Brasil devido ao retorno em dólar e euro. Em média, o rendimento de um investidor individual nos EUA gira entre 8,4% e 9,6% ao ano.
Nolasco aponta que esse retorno pode chegar a 12% ao ano no caso de fundos de investimentos que mobilizam quantias maiores e operam a compra de diversas unidades de casas para locação na região.
Em ambas as situações, o retorno médio esperado é superior, por exemplo, ao resultado registrado em São Paulo, que, segundo dados de outubro do Fipezap, têm rendimento médio anual para aluguéis em 5,76% na capital paulista. “O segredo de um bom retorno financeiro dos investimentos está no momento da compra, não podemos esquecer disso. Quando você compra bem, a possibilidade de lucrar é maior, esse é o pulo do gato para o investidor brasileiro”, avalia Nolasco.
‘Passaporte vermelho’
Além do potencial de rentabilidade dos investimentos no segmento imobiliário em países da Europa e Estados Unidos, outra benesse que atrai o público brasileiro diz respeito à possibilidade de facilitar a obtenção da nacionalidade europeia, por meio de um investimento mínimo em cada região.
Visto como principal destino de brasileiros, Portugal anunciou recentemente que deve suspender o programa “Golden Visa” diante da valorização dos imóveis e da alta na demanda por estrangeiros. De acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal (SEF), entre 2012 e fevereiro 2023, 11,7 mil autorizações de residência foram concedidas por meio do programa que facilita a obtenção da nacionalidade portuguesa.
Com as restrições de Portugal em relação ao “Golden Visa”, a expectativa é de que os investimentos imobiliários de brasileiros se concentrem na Espanha. No país vizinho, conforme as regras locais, é possível pleitear a nacionalidade espanhola com investimentos imobiliários a partir de 500 mil euros, cerca de R$ 2,6 milhões no câmbio atual.
Nolasco, da W Group USA, pontua que, diferentemente de alguns países do bloco da União Europeia que facilitam o acesso à nacionalidade europeia mediante investimentos em imóveis, nos Estados Unidos a compra de casas e apartamentos é irrelevante para o processo de obtenção do “green card”.
“Você nem precisa ter visto nos EUA para ter investimento no país. Muitos investidores fazem todo o processo só com visto de turismo e visitam eventualmente os empreendimentos”, afirma o empresário.
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