Pouco mais de um ano depois de engordar seu caixa com uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) de quase R$ 7 bilhões, a Raízen acaba de anunciar um acordo de mais de R$ 15 bilhões (3,3 bilhões de euros) que garantirá sua entrada mais firme em sua estratégia de transição energética, uma de suas promessas aos investidores no seu processo de abertura de capital.
O contrato envolve o fornecimento de 3,3 bilhões de litros de etanol de segunda geração, batizado de E2G, para a Shell, companhia americana que controla a empresa ao lado do grupo Cosan, de Ruben Ometto. Por trás do movimento está a estratégia da empresa se tornar a maior produtora e comercializadora de etanol feito a partir de resíduos do mundo.
Para se ter uma ideia do tamanho do acordo, a Raízen terá que construir nada menos do que cinco novas fábricas de etanol celulósico para atender apenas a essa demanda. No total, o investimento no parque fabril será de R$ 6 bilhões, sendo que o início da produção está previsto entre os anos de 2025 e 2027.
Pelo acordo informado pela Raízen, a Shell receberá a produção das cinco plantas pelos primeiros 10 anos, com garantia de suprimento, assim, até 2037. O contrato prevê um preço mínimo ao etanol e também um ajuste do preço no momento da entrega do produto. Se o preço estiver acima do mínimo, Raízen e Shell irão compartilhar a diferença.
Com a demanda e preço mínimo garantido se tira muito o risco do projeto
Presidente da Raízen, Ricardo Mussa
Presidente da Raízen, Ricardo Mussa diz que o desenho do acordo foi pensado pela própria companhia, já que hoje ela navega praticamente sozinha nesse mercado. “Com a demanda e preço mínimo garantido se tira muito o risco do projeto”, afirma o executivo, em entrevista ao Estadão.
Além disso, diz ele, o custo de produção é baixo, visto que a principal matéria-prima é o próprio resíduo já gerado na companhia. Para a produção do etanol de segunda geração, lembra, também são necessárias enzimas que são importadas da China e Estados Unidos. “Com a escala que teremos, esses fabricantes vão pensar em colocar uma fábrica no Brasil”, explica.
Segundo ele, a produção do etanol de segunda geração também traz eficiência para a operação da Raízen, já que dará destino a uma parcela relevante da biomassa que era gerada pela empresa. “Dois terços da nossa biomassa não era utilizada. Pegaremos uma planta ineficiente e a transformaremos ]em algo muito útil”.
E a companhia tem caixa para suportar o alto investimento, exatamente por conta do IPO, quando levantou em agosto do ano passado R$ 6,9 bilhões, em uma das últimas aberturas de capital na Bolsa brasileira, que tem sofrido um hiato de operações por conta da maior volatilidade do mercado.
Segundo o presidente da Raízen, não há necessidade de se ampliar o endividamento para custear o investimento. Além do dinheiro do IPO, as plantas são geradoras de caixa. E se houver a necessidade de acelerar o projeto, a empresa tem ainda a opção de fazer uma securitização do contrato, o que significa receber antes pela venda a ser realizada no futuro.
O executivo comenta que também está muito feliz em entregar, antes do prazo, uma promessa feita ao longo do processo de abertura de capital. No prospecto do IPO, a Raízen informou aos potenciais investidores que 80% dos recursos que entrarem no caixa irão para a construção de novas plantas para a expansão da produção de produtos renováveis e capacidade de comercialização.
A empresa vale hoje na B3 cerca de R$ 48 bilhões, cerca de 30% a menos do que na sua estreia com empresa de capital aberto. A queda do preço das ações, segundo o executivo, pode ser explicada em parte pelo ceticismo do mercado em relação ao projeto do etanol de segunda geração, já que se trata de algo novo e havia dúvidas sobre sua viabilidade. Parte dos questionamentos, segundo ele, poderão ser respondidos com esse contrato com a Shell.
O analista da Ativa Investimentos, Ilan Albertman, confirma que a dúvida do mercado tem sido sobre as variáveis que recaem sobre o projeto, sendo o principal deles o bom preço do produto que justifica o alto nível de investimento. “Temos uma boa percepção, mas o projeto está num estágio incipiente do processo e teremos que monitorar a construção de obras, capacidade de alavancagem financeira, preços e demanda”, diz.
E2G: O que é
O etanol de segunda geração se trata de um combustível feito a partir de resíduos, no caso a bagaça da cana, a principal sobra da produção de açúcar e de etanol de primeira geração da companhia. Por isso sua atratividade pela baixa pegada de carbono e por não competir com a produção de alimentos. Segundo a Raízen, o E2G reduz em 80% as emissões de gases de efeito estufa na comparação com a gasolina.
Para demonstrar que esse negócio será uma prioridade para a companhia, a empresa destaca que seu plano de 20 plantas de E2G até 2031 segue intacto. Lembrou, ainda, que a companhia já tem uma planta em operação e três plantas em construção, essa com o início das operações já em 2023. Com o investimento, a empresa ganha argumento com os investidores de que sua estratégia de etanol de segunda geração é de longo prazo.
Saiba mais sobre a Raízen
A meta da Raízen é clara: se tornar a maior produtora e comercializadora de etanol celulósico no mundo, diante da aposta que o mundo terá que passar por uma transição energética por fontes renováveis de energia, algo que fará a demanda pelo produto dar um salto. Essa percepção ficou evidente com pandemia e Guerra na Ucrânia, que jogou luz à necessidade de que seria necessário que o mundo pensasse em alternativas de energia renovável, a preços competitivos.
A Raízen destaca que, com o contrato que acaba de ser assinado com a Shell, sua carteira de demanda contratada de E2G chega a, no mínimo, 4,3 bilhões de euros, o que já está comercializado no longo prazo. “A demanda global por combustíveis sustentáveis está crescendo”, afirma Andrew Smith, vice-presidente executivo da Shell Trading and Supply. “Combinar a inovadora tecnologia de resíduos de cana de açúcar da Raízen com a rede de distribuição global e o relacionamento com os clientes da Shell ajudará a atender a essa demanda.
O presidente da Raízen diz que hoje a demanda pelo produto é tamanha que logo a empresa deverá anunciar outros contratos para a venda do produto que virão das 20 plantas que estão planejadas, o que consumirá exatamente o volume de biomassa produzido pela empresa. O problema depois disso, afirma o executivo, é que não haverá mais resíduo da cana para novas unidades e que, por isso, serão necessários acordos para se ampliar a produção. Como a empresa tem a tecnologia licenciada, logística e capacidade de comercialização, a Raízen buscará parceiros que tenham interesse em produzir o etanol de segunda geração.
Para os analistas da Terra Investimentos, Régis Chinchila e Luis Novaes, o acordo é positivo para a empresa, mesmo com os altos investimentos envolvidos. “No anúncio, a companhia demonstrou confiança sobre o mercado E2G, afirmando haver novas regulamentações em vista que devem beneficiar esse mercado”, dizem.
Em relatório, o Itaú BBA aponta que dentre os desafios no projeto está a construção de diversas plantas de forma simultânea, “mesmo para uma empresa eficiente como a Raízen”. “Poderá haver atrasos nos lançamentos das novas plantas, o que pode afetar materialmente os volumes entregues para a Shell”, aponta o documento. A instituição financeira diz o custo poderá ser maior do que o esperado, o que poderá afetar sua rentabilidade.
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