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OEC, Coteminas, Polishop: recuperações judiciais batem recorde no primeiro semestre; entenda

Número de casos no período cresceu 71% em comparação com 2023, segundo dados do Serasa; interromper tendência de endividamento depende do controle da inflação e do câmbio, da queda do juro e da geração de emprego, diz economista

Foto do author Lucas Agrela
Atualização:

O número de empresas que pediram recuperação judicial no primeiro semestre no Brasil chegou a 1.014, um crescimento de 71% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo dados do Serasa. O número também supera a quantidade de pedidos feitos nos anos completos de 2022 (891) e 2021 (833), demonstrando a forte aceleração registrada nos primeiros seis meses deste ano. Empresas como Odebrecht Engenharia e Construção (OEC), Coteminas e Dia e até uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol), a do Figueirense, deram entrada em pedidos de recuperações judiciais neste ano.

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Para o economista-chefe do Serasa, Luiz Rabi, o aumento de pedidos de recuperação judicial é explicado por uma combinação de fatores, como a inadimplência de 73 milhões de consumidores, que leva ao endividamento das empresas, e a taxa de juros, que encarece as dívidas.

“Talvez a gente ultrapasse o recorde histórico que foi no auge da recessão em 2016. Naquele ano, foram 1.863 pedidos de recuperação judicial, sendo 923 deles no primeiro semestre. O primeiro semestre deste ano já bateu o daquele ano. Então, é provável que a gente ultrapasse ou fique muito próximo do recorde histórico, em termos anuais”, afirma Rabi.

Em recuperação judicial, rede de supermercados Dia concentrará operações em cidades de São Paulo Foto: Divulgação/Dia

Segundo os dados do Serasa, os setores mais afetados pela onda de recuperações judiciais neste ano foram comércio, com alta de 65%; serviços, 62%; e indústria, com 44%. As micro e pequenas empresas foram as que tiveram a maior aceleração nos pedidos de recuperação judicial de janeiro a junho em relação ao mesmo período do ano passado. O número saltou de 376 para 713, demonstrando a vulnerabilidade desses negócios ao encarecimento do crédito, diz Rabi. O motivo está ligado à dificuldade de obter fontes de crédito de que as empresas de pequeno porte dispõem, enquanto os médios e os grandes negócios podem, por exemplo, recorrer mais facilmente ao mercado de capitais ou ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Para o especialista, o controle da inflação e do câmbio, a queda do juro e o aumento do emprego são fatores essenciais para mudar o cenário de alto ritmo de endividamento das empresas brasileiras. No entanto, diz, os ventos precisam soprar a favor de forma consistente para que seja possível ver reflexos positivos na adimplência tanto do consumidor quanto das empresas.

Maiores pedidos de recuperação judicial

Os maiores casos de pedidos de recuperação judicial registrados em 2024 até junho foram os da Odebrecht Engenharia e Construção (R$ 4,7 bilhões), da Coteminas (R$ 2 bilhões), da rede de supermercados Dia (R$1,1 bilhão), do fast-food Subway (R$ 483 milhões) e da varejista Polishop (R$ 395 milhões). As dívidas dessas empresas somam R$ 8,7 bilhões.

“Este processo (de recuperação judicial) permite que a empresa em dificuldade negocie com seus credores sob a supervisão do Judiciário, visando a assegurar sua viabilidade econômica e o pagamento de suas dívidas. Quando uma empresa é declarada falida, seus ativos são vendidos e os recursos obtidos são distribuídos entre os credores de acordo com a ordem de prioridade estabelecida pela lei. A falência é considerada uma medida extrema, utilizada quando não há possibilidade de recuperação da empresa”, diz Einar Rivero, CEO da Elos Ayta.

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Na Novonor, antiga Odebrecht, sua construtora e principal operação do grupo, a Odebrecht Engenharia e Construção (OEC) buscou a proteção judicial a fim de evitar a falência e negociar com desconto o pagamento das dívidas, que chegam a quase R$ 5 bilhões.

Segundo a OEC, a decisão foi negociada com seus maiores credores financeiros e ocorreu no âmbito de uma reorganização financeira que exige um financiamento previsto na lei de recuperação judicial, o debtor in possession (DIP). O valor do empréstimo é de R$ 650 milhões e não teve seu financiador revelado. Os empréstimos DIP são feitos em um ambiente protegido pela supervisão judicial e dão preferência de recebimento ao investidor responsável pelo aporte.

A empresa do setor têxtil Coteminas, que pertence ao empresário Josué Gomes, atual presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entrou em recuperação judicial em maio deste ano. O pedido foi motivado por um vencimento antecipado de debêntures (títulos de dívida) cobrado pelo fundo FIP Odernes, que solicitou acesso a ações da Ammo Varejo, controlada do grupo, como garantia pelo não pagamento dos débitos. À época, Josué pediu afastamento da Fiesp para se dedicar à empresa.

O caso da rede Dia se tornou público em março, uma semana depois do anúncio de um processo de reestruturação das operações no País, que levaria ao fechamento de 343 lojas e três armazéns. Vinte dias antes, a companhia trocou de CEO, com o diretor financeiro Sébastian Durchon assumindo o comando.

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O plano da empresa era continuar operando 244 lojas no Estado de São Paulo. No documento entregue à Justiça de São Paulo, a empresa informou estar procurando investidores interessados em comprar sua operação no Brasil como um todo.

Também em março, a rede de lanchonetes Subway entrou com o pedido de recuperação judicial na Justiça de São Paulo. Gerida no Brasil pela SouthRock, também operadora das marcas Starbucks, Eataly, TGI Fridays e Brasil Airport Restaurantes (Bar), o Subway havia sido excluído do processo de recuperação judicial feito pelo grupo no fim do ano passado. À época, a SouthRock considerou “a postura colaborativa até então adotada por relevante parte dos credores financeiros” do Subway. Esse cenário mudou em 2024, culminando no pedido de recuperação da empresa. No fim de junto, a Zamp, dona do Burger King, disse avaliar a compra da operação do Subway no País.

O caso da Polishop pegou o mercado de surpresa. O negócio liderado por João Appolinário, que faz investimentos em empresas em programa de TV, entrou com pedido de recuperação judicial também em maio deste ano. A Polishop já fechou mais de 100 lojas em shoppings e é alvo de mais de 50 ações de despejo. O acúmulo de dívidas da Polishop ocorre há alguns anos. Mais recentemente, desde 2022, os shoppings onde a empresa mantinha lojas começaram a entrar com processos na Justiça por falta de pagamento do aluguel. À época o valor acumulado era de R$ 9 milhões.

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No primeiro semestre, nem o futebol passou sem um pedido de recuperação judicial. O Figueirense teve problemas com dívidas tanto com fornecedores quanto com trabalhadores e a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) busca negociar as dívidas de R$ 165 milhões com deságio, contando com a proteção da Justiça para evitar a falência. “A apresentação dos planos de recuperação judicial representa o cumprimento de uma importante etapa do processo e reflete a proposta do Figueirense para o pagamento dos credores”, diz a nota oficial do clube.

Falências e aquisições

A legislação de recuperação judicial (Lei nº 11.101), de 2005, fez cair drasticamente o número de falências requeridas de empresas. De lá para 2023, o número foi de 9.548 para 983.

Para Rabi, a legislação da recuperação judicial se popularizou e os credores estão pressionando cada vez mais cedo as empresas a buscarem essa proteção para negociar as dívidas e evitar falências. Os números do Serasa mostram que o ano de 2023 teve 43% mais recuperações judiciais do que falências requeridas. Nos primeiros seis meses de 2024, foram 1.014 RJs e 448 falências.

Para Gederson Ferreira, sócio da boutique de investimentos Araújo Fontes na área de M&A, o cenário do endividamento das empresas não chega a reduzir os preços de negociações de venda de operações para o pagamento de dívidas. Porém, as condições de negociação ficam mais favoráveis para os compradores.

“A lei permite que ativos de uma empresa, algumas unidades ou filiais, sejam negociados com anuência dos credores e do administrador judicial. Nesse caso, o ponto positivo é que ele seguiria para o investidor livre de qualquer passivo ou risco do passado. É um CNPJ novo, o que acaba sendo uma vantagem para o investidor. Isso não necessariamente interfere no valor, que precisa ser o valor de mercado para que a negociação seja aceita pelos credores”, afirma Ferreira.

O especialista diz ainda que o ano de 2024 terá operações de aquisições de cifras altas com apelo estratégico, sem uma tendência setorial clara. Já em termos de quantidade aquisições, o setor de tecnologia deve continuar em alta, como aconteceu nos últimos anos, mas também há espaço para consolidação de setores como serviços de logística, educação e alimentos.

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