São Paulo - Quando o grupo Votorantim transformou, há doze anos, uma área que detinha na Mata Atlântica numa reserva florestal chamada Legado das Águas, no Vale do Ribeira, em São Paulo, tratava-se apenas de mais um custo para o tradicional grupo industrial da família Ermirio de Moraes. Mas a boa ação ambiental, que compreendia a preservação de 31 mil hectares, uma área equivalente à de Belo Horizonte, agora, vem se comprovando um bom negócio.
Integrada a outra reserva em Niquelândia (GO), a Legado Verdes do Cerrado, permitiu a criação da empresa Reservas Votorantim, que agora estrutura um projeto-piloto de reflorestamento de 3 mil hectares para a geração de créditos de carbono. “Nós nos preparamos para isso, sabendo que o momento chegaria. Demorou um pouquinho, mas o momento chegou”, diz o diretor-executivo da Reservas Votorantim, David Canassa. “As promessas feitas no Acordo de Paris, de 2015, estão acontecendo agora. O mercado de conservação vem ganhando impulso e tem grande tendência de desenvolvimento.”
Para limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius até 2050, empresas do mundo inteiro divulgaram, nos últimos anos, metas de zerar as emissões líquidas de carbono em suas operações. O mercado de carbono é o carro-chefe deste desenvolvimento do reflorestamento como um negócio, mas há também outras formas explorar o potencial de receitas para manter a floresta de pé, seja provendo compensação ambiental, como forma de empresas cumprirem o Código Florestal, seja contribuindo para cadeias de negócios locais e para o turismo. Ao recuperarem áreas degradadas ou mesmo mantendo de pé as árvores de locais onde poderiam por lei serem derrubadas, as empresas podem emitir títulos de créditos de carbono. Já quem libera gás na atmosfera precisa comprar esses títulos, para cumprir suas promessas de baixar as suas emissões líquidas. Assim, as reflorestadoras ganham dinheiro vendendo para quem polui.
Segundo a consultoria McKinsey, a demanda por créditos de carbono no mundo pode crescer 15 vezes ou mais até 2030, e até 100 vezes até 2050. Com isso, passaria de uma movimentação de US$ 1 bilhão em 2021 para US$ 50 bilhões em 2030. O Brasil concentra 15% do potencial global de captura de carbono por meios naturais, a forma mais simples e econômica de se fazer isso.
Pesos-pesados
Além do Votorantim, outros grandes grupos e conhecidos pesos-pesados do mundo empresarial brasileiro e reconhecidos investidores entraram no negócio de reflorestamento. Um exemplo é o da startup re.green, fundada em 2021, que atraiu em sua segunda rodada de investimentos, no ano passado, capital de R$ 389 milhões. Os recursos vieram do BW, escritório de investimentos da família Moreira Salles, da Gávea Investimentos, do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e com participação de Fábio Barbosa, CEO da Natura&Co, e das gestoras de recursos Lanx Capital e Dynamo. Neste ano, Guilherme Leal, da Natura, se juntou a eles.
Assim, o seu conselho de administração é dos mais estrelados, com Arminio e João Moreira Salles. O objetivo da empresa é restaurar 1 milhão de hectares da Mata Atlântica e da Amazônia, uma área do tamanho de Sergipe. Para se ter ideia do tamanho do desafio, o compromisso climático feito pelo Brasil em 2015 previa reflorestar 12 milhões de hectares até 2030, como forma de cortar em 43% as emissões de gases-estufa relativas aos níveis de 2005.
Também deve ajudar a cumprir essa promessa a Biomas, que tem investimento de R$ 20 milhões de cada grupo associado, envolvendo Vale, Suzano, Marfrig, Rabobank, Itaú Unibanco e Santander, para reflorestar 2 milhões de hectares. E mais a Mombak, criada por um ex-diretor financeiro do Nubank, Gabriel Haddad Silva, e um ex-CEO da 99, Peter Fernandez, que estruturaram um fundo que busca levantar R$ 520 milhões para reflorestamento.
Já o BTG Pactual garantiu US$ 230 milhões numa rodada de investimentos no ano passado para o seu tradicional fundo americano Timberland Investment Group (TIG), que tem quatro décadas de atuação e agora tem meta de US$ 1 bilhão para reflorestamento na América Latina. Em abril, a Casa Branca anunciou que trabalha na liberação de empréstimo de US$ 50 milhões para essa empreitada do TIG.
No mês seguinte, o BTG anunciou a compra de participação minoritária na Systemica, empresa que estrutura, desenvolve e implementa projetos de redução de emissão de gases efeito estufa, além de comercialização dos ativos ambientais gerados.
Tudo isso faz parte de uma estratégia maior do banco, que olhando para o seu próprio balanço, já contabiliza mais de US$ 1,5 bilhão de linhas do portfólio de crédito ligadas a empresas e investimentos com aspectos sociais ou ambientais positivos, segundo a chefe de investimentos sustentáveis e de impacto do BTG, Patricia Genelhu. “Há toda uma frente na qual a América Latina pode contribuir internacionalmente, de recursos naturais e economia verde, e trazemos iniciativas para estruturar produtos financeiros num cenário global”, diz.
Por sua vez, a família Klabin-Lafer é reconhecida pelos esforços no Pantanal, com o Refúgio Ecológico Caiman, de Roberto Klabin, como forma de garantir a preservação da região. Até a Fazenda da Toca, que recebe investimentos da Península Participações, da família Diniz, e administrada em Itirapina (SP) pelo ex-piloto de Fórmula 1 Pedro Paulo Diniz, tem dedicado parte dos recursos para reflorestar a propriedade.
Potencial de ganhos
Essas são diversas boas ações que, cada vez mais, se caracterizam como negócios de alto potencial. O estudo da McKinsey, realizado em setembro do ano passado, revelou que o Brasil ainda gera menos de 1% da sua capacidade anual de créditos de carbono. E isso ainda acontece principalmente por conta de projetos de conservação e de geração de energia a partir de resíduos. Dessa forma, a atividade de reflorestamento abrirá todo um novo espaço de expansão e de geração de receita.
Cerca de 80% do potencial brasileiro está na restauração florestal, que são projetos geradores do que são considerados créditos de alta qualidade, por terem benefícios associados como de recuperação da biodiversidade e de impacto social para comunidades locais. “Projetos que realmente são sustentáveis e positivos podem receber preços maiores para seus créditos”, diz o executivo-chefe de investimento de impacto do BTG Timberland Investment Group, Mark Wishnie.
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A demanda por eles deve explodir. Segundo a McKinsey, das 80 principais empresas atuando no país, 77% já haviam publicado alguma meta de redução de emissões, até o ano passado. À medida que mais empresas entram em ação para cumprir as suas promessas o mercado de crédito de carbono voluntário se acelera. “Muitos executivos têm hoje remuneração financeira por bônus atrelada a emissões de gás carbônico. Isso muda toda a motivação para eles se engajarem em combater a mudança climática”, afirma o alemão Heiko Spitzeck, professor de sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.
Ao mesmo tempo que as transações livres entre empresas evoluem, espera-se que o mercado regulado também ajude a trazer mais negócios. Para o Brasil, a expectativa é de que ocorra logo a criação da regulação do mercado de crédito de carbono, que teve as suas linhas gerais apresentadas na quarta-feira 12, num esforço coordenado envolvendo dez ministérios. Internacionalmente, certificados e padrões globais devem ser estabelecidos, o que vai permitir a compra de créditos gerados em outros países, o que deve beneficiar em muito o Brasil.
Com a demanda global crescente, o preço do crédito de carbono tende a aumentar bastante se a oferta não conseguir acompanhar a tendência na mesma velocidade. Isso, segundo Spitzeck, pode estimular até o agronegócio a atuar com a integração entre lavoura, pecuária e floresta, já que os três negócios podem passar a trazerem rendimentos comparáveis.
Desafio da regularização fundiária
Apesar do imenso potencial brasileiro, há também desafios locais. Um deles é a dificuldade de regularização fundiária em certas regiões, como na Amazônia. É preciso muito cuidado para garantir que a propriedade não será contestada ou que o vendedor da área assumiu a região de forma legal. “Trabalhamos de forma muito cautelosa, sempre com a assessoria jurídica acompanhando tudo”, diz a diretora de relações institucionais da re.green, Mariana Barbosa. “Pretendemos trabalhar com três modelos de acesso a imóveis, a compra, na qual avançamos muito, a parceria e outra que está surgindo, a de concessões florestais.” A empresa já comprou área da Mata Atlântica, no Sul da Bahia, rica em biodiversidade, e outra amazônica, no Noroeste do Maranhão. “Em breve, teremos mais duas ou três áreas”, diz.
Já a riqueza da biodiversidade brasileira, apesar de consistir num grande trunfo, também traz uma dificuldade de operação. “O Brasil é um dos países mais biodiversos do planeta. Quando se fala em construir floresta nativa, num hectare de terra, precisamos ter, às vezes, mais de 100 espécies diferentes. É muito diferente de florestas de eucalipto e pinus da Europa e EUA”, diz Canassa, da Reservas Votorantim. “Apesar disso, eu desafio a minha equipe a termos o mesmo índice de perdas de pinus e eucalipto, de menos de 1%. No Brasil, é muito comum perdas de 20% a 30%. Isso mostra a falta de protocolos de plantio e não faz sentido econômico.”
Desafios como esses só devem ser vencidos com a combinação entre ciência, vontade de fazer a diferença num mundo que percebe com cada vez mais clareza os impactos das mudanças climáticas e, claro, um bom volume de investimentos de empresários que entendem muito sobre como fazer bons negócios.
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