Com aviões cheios de passageiros e tarifas atingindo patamares que não eram vistos desde 2009, as companhias aéreas brasileiras começam 2024 em situação parecida à de 2023: registrando bom desempenho operacional, mas ainda muito endividadas. “O enredo é o mesmo, mas a intensidade é menor”, diz o analista Alberto Valerio, do UBS BB.
Quando fala de intensidade, Valerio se refere ao problema de endividamento das aéreas, que hoje é, de forma geral, menos urgente quando comparado ao de um ano atrás. No início de 2023, sem caixa e com o crédito minguando no mercado por causa do caso das Americanas, essas empresas precisavam renegociar dívidas que haviam sido postergadas na pandemia e estavam para vencer.
Durante o ano, a Azul reestruturou a dívida negociando valores com arrendadores de aviões e com credores financeiros, além de ter levantado US$ 800 milhões (quase R$ 4 bilhões, na cotação atual) com a emissão de títulos.
A Gol recebeu uma injeção de capital e também reestruturou parte da sua dívida por meio da Abra, uma holding criada entre a aérea brasileira e a colombiana Avianca. A Latam – chilena, mas com atuação no mercado doméstico brasileiro –, por sua vez, já havia feito uma reestruturação maior durante o processo de recuperação judicial encerrado em 2022 e começou o ano passado tendo um cenário financeiro mais tranquilo.
Apesar das renegociações terem postergado o pagamento das dívidas, elas obrigaram as empresas a assumirem juros mais elevados (até 100% maiores do que os anteriores). Diante disso, o que as empresas geram de caixa hoje é suficiente apenas para pagar os juros e custear a operação.
“A Azul e a Gol fizeram acordos ótimos no início do ano. Elas conseguiram resolver o problema de 2023, mas agora precisam olhar de 2024 para frente. Precisam tornar a operação mais rentável para amortizar dívidas do passado. A situação delas não é confortável. A despesa é grande e não têm espaço para cortar custos”, diz Valerio.
Para o consultor André Castellini, sócio da Bain & Company e especialista no setor aéreo, o fato de as empresas estarem gerando caixa apenas para pagar dívidas é um dos motivos para as ações delas estarem em um patamar tão baixo. No caso da Azul e da Gol, os papéis encerraram 2023 negociados a 28% e 26%, respectivamente, do valor pré-pandemia.
Na visão dos especialistas, 2023 foi um ano para as aéreas mostrarem que podiam ter uma operação rentável – o que conseguiram com sucesso – e 2024 será o momento de começar a levantar recursos para pagar as dívidas da pandemia. A demanda resiliente, que surpreendeu o mercado ao continuar aquecida mesmo com os preços das passagens altos, pode ajudar, mas um cenário macroeconômico que favoreça o setor também é essencial, o que inclui crescimento do PIB, redução da taxa de juros, um real mais valorizado e preço do combustível em queda.
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Qual o cenário de 2024 para cada empresa?
A situação da Gol é mais crítica que a das concorrentes. Dos analistas do mercado financeiro ouvidos pelo Estadão, há quem a considere “marginalmente” pior do que a do início de 2023. A empresa precisa devolver 20 aviões que arrendou e cujos contratos venceram, mas, para isso, precisa que os jatos passem por uma revisão que, no total, custará entre US$ 200 milhões e US$ 250 milhões. Hoje, o caixa que a companhia gera não é suficiente para bancar isso.
No fim de dezembro, porém, a Gol anunciou que havia conseguido uma garantia para buscar linhas de financiamento com terceiros no valor de até US$ 209 milhões. Essa garantia, concedida também à Azul, é uma aprovação para acessar uma apólice de seguro de crédito recém-desenvolvida e estruturada com o apoio da Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, que pode ser usada para viabilizar serviços de manutenção prestados por uma unidade da GE em Petrópolis (RJ).
No mercado financeiro, a preocupação é grande porque, ao contrário do que ocorreu quando a Latam negociava com os arrendadores, a demanda por aviões em todo o mundo cresceu e as fabricantes não estão conseguindo entregar novas aeronaves no ritmo prometido. Com os arrendadores tendo facilidade para repassar os jatos para outras companhias aéreas, eles estão poucos dispostos a fazerem concessões para a Gol.
Em dezembro, em reunião com analistas do mercado, o CEO da Gol, Celso Ferrer admitiu que a negociação é mais desafiadora do que seria um ano atrás, mas a aposta é mostrar aos arrendadores que a operação da empresa está robusta. De fato, no terceiro trimestre de 2023, a companhia registrou uma taxa de ocupação de 83,7% (alta de 2,4 pontos porcentuais na comparação com o mesmo período de 2022) e um crescimento de 16,4% na receita operacional líquida.
O problema é que esse resultado ainda não é suficiente diante do volume de contas a pagar e há desconfiança no mercado financeiro se a empresa conseguirá gerar caixa em 2024. Procurada, a empresa afirmou que “os incrementos de passivos negociados durante a pandemia estão amplamente divulgados e registrados no balanço da companhia”.
Em relação à Azul, que conseguiu renegociar contratos com os arrendadores em 2023, analistas do mercado apontam que deve haver uma geração de caixa crescente a partir deste ano. O CEO da aérea, John Rodgerson, também tem afirmado que, depois de três anos e meio, 2024 será o primeiro ano com caixa positivo. O executivo diz que a companhia trabalha com a hipótese de o preço do combustível ceder, o que auxiliaria nos resultados.
“Em 2023 focamos na renegociação da dívida. O custo dela acabou mais do que dobrando. A tarifa mais alta hoje paga apenas o juro. Mas a ideia é ampliar a oferta para reduzir custos. Faremos isso conforme recebermos novos aviões da Embraer, que usam menos combustível”, acrescenta Rodgerson. A companhia pretende ampliar a oferta em 11% no ano (mesmo crescimento de 2023).
Para a Latam, que conseguiu renegociações financeiras mais favoráveis antes mesmo de 2023, o desafio de 2024 é aumentar as margens, de acordo com analistas. No terceiro trimestre do ano passado, a empresa teve uma margem operacional de 13,4%, enquanto a Gol e a Azul registraram, respectivamente, 17,7% e 19,6%.
O CEO da Latam no Brasil, Jerome Cadier, destaca que a operação doméstica da empresa já está com uma oferta entre 6% e 8% maior do que a do pré-pandemia. No internacional, a tendência é que os patamares de 2019 voltem a ser vistos no segundo semestre de 2024. “Devemos continuar crescendo com a mesma velocidade de 2023.”
Segundo Cadier, apesar do aumento da oferta, o preço das passagens deve se manter elevado, o que pode ajudar a ampliar as margens. Otimista, o executivo também não vê grandes riscos que possam alterar o cenário de 2024 para a empresa. “A única dúvida é o preço do petróleo. O resto está relativamente controlado.”
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