Depois de um 2023 morno, com poucos aportes de investidores devido às instabilidades do cenário global, 2024 promete ser de recuperação. Setores ligados à tecnologia e relacionados ao consumo doméstico são os que devem atrair maiores investimentos neste ano, segundo especialistas consultados pelo Estadão.
Além das crises geopolíticas, com guerra entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas, o mundo enfrentou um cenário de elevada taxas de juros, o que provocou uma mudança no fluxo do dinheiro. Em vez de aplicar os recursos em empresas, muitos investidores preferiram a estabilidade dos títulos públicos, como aqueles emitidos pelo governo americano. O grosso do fluxo mundial de investimento foi exatamente para os bonds americanos.
No Brasil, o enredo não foi diferente. Com uma taxa básica de juros (Selic) de 13,75% durante todo o primeiro semestre (o ciclo de queda dos juros começou em agosto), os investidores que colocam dinheiro em fundos de private equity (que compram participação em empresas) deram uma brecada em suas investidas. A preferência foi investir em renda fixa. “Também tivemos uma troca do governo federal e isso gerou um receio no mercado que só foi se dissipando ao longo dos meses”, diz o sócio do Pátria Investimentos, José Augusto Teixeira.
Mas este ano promete uma virada. Isso porque a queda nos juros no Brasil e a possibilidade de um início de cortes nas taxas americanas pode “tirar da toca” o dinheiro que está nessas aplicações de renda fixa e fazê-lo voltar para a economia real. A expectativa do mercado em geral é que, até maio ou junho, os cortes nos juros americanos comecem. Aqui, a previsão é que a Selic chegue ao final do ano entre 10% e 8%.
“O juro alto atrapalha a captação de recursos. Se essas previsões realmente se tornarem realidade, teremos um retorno”, diz o vice-presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), Piero Minardi, diretor da Warburg Pincus, que investe em empresas de tecnologia.
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Os gastos do governo e uma possível pressão inflacionária são os únicos empecilhos com potencial para jogar areia na engrenagem da queda de juros, segundo ele.
E para onde o dinheiro deve ir?
Os negócios que mais devem chamar atenção são aqueles ligados à tecnologia. “Na verdade, são empresas de todos os setores, mas com soluções tecnológicas para melhorar a produtividade”, diz o cofundador da aceleradora de statups Strive, Tiago Galli, ex-sócio do C6 Bank.
O Pátria Investimentos, gestora de ativos em private equity, por exemplo, está de olho em oportunidades tecnológicas no setor de agronegócio. “Empresas na área de agricultura que promovam tecnificação para ajudar pequenos e médios produtores a fazer uma melhor gestão do plantio, que os auxiliem a serem mais preditivos diante das mudanças climáticas estão no nosso foco”, diz o sócio do Pátria responsável por novos investimentos e private equity, Luiz Felipe Cruz.
Ainda na seara da tecnologia, os especialistas dizem que empresas da área de saúde também devem atrair investimentos. “São as healthcares que se propõem a resolver, com tecnologia e até inteligência artificial, os problemas de custos altos desse setor”, diz Minardi.
Qual será o aplicativo que mais fará sucesso?
Na área das empresas de tecnologia, o próximo “killer app” – a aplicação que será uma das mais buscadas – estará no campo da identificação, segundo Galli. “Aplicativos que ajudem a provar que você é você mesmo. Ou que o conteúdo que você está vendo é real ou é fake. Nessa escalada de golpes com inteligência artificial, isso é mais do que necessário”, diz ele.
E o setor financeiro?
Na área das “fintechs”, as companhias de tecnologia que atuam no setor financeiro, espera-se uma grande consolidação. A expectativa é que haja junção entre bancos digitais, por exemplo. Ou a verticalização de serviços, que é a atuação em nichos específicos, como seguros, saúde, a simplificação da jornada de pagamentos nos e-commerces, como começar uma compra no Instagram e finalizá-la no WhatsApp. “Esse é um setor mais maduro, então é natural que haja esse tipo de movimentação”, diz Galli.
Olhando para dentro
Setores ligados ao consumo doméstico também devem atrair investimentos. São empresas que estão muito desgastadas com a alta dos juros, que não só fez essas companhias se endividarem, mas que também afastou os consumidores das compras.
Com as taxas caindo, o endividamento das empresas e do consumidor fica mais ameno. E, por isso, a atividade nessas companhias deve melhorar. Nesse campo, segundo o Pátria, estão, por exemplo, os atacarejos (principalmente na região Nordeste), os supermercados regionais e aqueles que atuam em um raio de atendimento restrito a poucos bairros, em grandes cidades, como São Paulo. Esse tipo de varejo deve passar por uma expansão este ano, segundo Cruz.
Com essa retomada do consumo doméstico, Minardi também aposta em empresas de educação com foco em ensino básico e fundamental, e em varejo especializado, como o voltado ao setor pet, farmacêutico e de luxo.
Infraestrutura
Com o Novo Marco Legal do Saneamento, aprovado em julho de 2022, os fundos também estão de olho nessa área de investimentos que – com certeza – é uma das mais atrasadas no País: mais de 100 milhões de brasileiros não tem esgoto e mais de 4,4 milhões não têm banheiro em casa, segundo relatório do Instituto Trata Brasil, divulgado em novembro.
“Essa é uma área muito carente desde sempre e que nunca teve investimentos por falta de regulação”, diz Marcelo Souza, sócio e diretor do setor de energia do Pátria.
Empresas de energia – principalmente as renováveis, como solar e eólica – e também de tratamento de resíduos e lixo – por conta das mudanças climáticas extremas também devem ser aceleradas, afirma Souza.
E com a expansão das redes 5G, espera-se investimentos também em torres e data centers para sustentar a demanda criada em relação à infraestrutura e armazenamento de dados.
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