THE NEW YORK TIMES - Havia um certo desespero no ar no shopping onde a Shein abriu uma loja temporária. Um segurança posicionado na entrada do estabelecimento disse que em cada um dos três dias seguintes à abertura da loja, ele recusou cerca de 20 subornos de pessoas que queriam entrar sem ficar na fila. Com frequência elas ofereciam US$ 20, afirmou, embora algumas tenham chegado a oferecer quantias maiores, como US$ 100.
No domingo, último dia de funcionamento da loja, os primeiros clientes chegaram por volta das seis da manhã. A Shein estava programada para abrir ao meio-dia. A fila aumentou ao longo da manhã, dando voltas e chegando até a praça de alimentação, passando pelo carrinho de bubble tea e um restaurante mediterrâneo. Qualquer pessoa que chegasse depois das 12h30 era aconselhada a ir para casa – perdendo a oportunidade de comprar ali itens como brincos de margarida por US$ 1, chapéus de balde por US$ 4, croppeds de malha de tricô por US$ 12, bolsas baguete de couro falso por US$ 13 e sandálias mule de plástico em cor neon por US$ 29.
E-commerce
“Tivemos de retirar os números da vitrine”, disse o segurança, Don Dickerson, apontando para onde um adesivo branco com o horário de fechamento da loja, às 20h do sábado, havia sido arrancado. O estoque limitado fez com que a loja fechasse às 16h daquele dia.
O interesse era um espetáculo à parte, levando em consideração que muitos shoppings têm tido dificuldades na última década para atrair uma quantidade tão grande de consumidores: cerca de 700 pessoas esperando do lado de fora de uma loja com a fachada branca e anteriormente ocupada pela American Eagle Outfitters, espremida entre a Swarovski e a Bath & Body Works. Na sexta-feira, o primeiro dia de funcionamento da loja temporária, um homem pediu sua namorada em casamento em frente à entrada da Shein.
“Estava muito nervoso e queria surpreendê-la”, disse Neemias Jaime-Vega, 23 anos. “Ela adora a Shein.” A noiva dele, Michelle Alvarado, 22 anos, concordou balançando a cabeça. “Os preços são tão acessíveis”, disse ela na tarde de sábado, depois da segunda visita consecutiva à loja. Ela vestia um top tomara que caia vermelho com texturas, vendido pela Shein por US$ 7. Michelle disse que faz compras pelo site mais ou menos duas vezes por mês.
Essas lojas temporárias não são como a maioria das pessoas interage com a marca. Em 2022, até o momento, foram abertas apenas cinco delas nos Estados Unidos, o mercado mais significativo da Shein. Mas elas fazem parte de uma tentativa de fazer a marca chinesa de fast-fashion parecer menos misteriosa. A Shein – oficialmente pronunciada como “xi-in”, embora muitas vezes seja conhecida como “xêin” – recentemente ultrapassou a Amazon como o aplicativo de compras mais baixado nos EUA, de acordo com a análise da Sensor Tower. A empresa chinesa de capital fechado se recusou a compartilhar dados financeiros, mas, segundo estimativas da Coresight Research, gerou US$ 10 bilhões em receita em 2020.
Dúvidas em relação às práticas da Shein
No entanto, assim como a Shein cresceu, aumentaram as dúvidas em relação às suas práticas. A marca com frequência estampa manchetes por conta de polêmicas, como vender um colar com um pingente de suástica por US$ 2,50 ou copiar o trabalho de designers. (A empresa disse que leva as alegações de infração a sério, exigindo que os fornecedores garantam que seus produtos não violam a propriedade intelectual de terceiros.)
A Shein também foi acusada de trabalhar com fornecedores que desrespeitam as leis trabalhistas e não cumprem as divulgações necessárias sobre as condições de trabalho. Em resposta, a marca chamou a atenção para as “auditorias internas regulares” e um código de conduta “rígido” em conformidade com as leis para seus fornecedores. A empresa também contratou empresas como a Openview e a Intertek para auditar suas instalações; “quando violações são encontradas, tomamos medidas extras, que podem incluir a rescisão”, disse a Shein.
No ano passado, uma investigação do programa de TV de jornalismo investigativo CBC Marketplace encontrou níveis elevados de chumbo em alguns produtos da marca, como em uma jaqueta infantil e em uma bolsa minúscula. A Shein disse que testa regularmente os produtos, seguindo os padrões das agências reguladoras internacionais, e “as violações são imediatamente corrigidas”.
Tudo isso contribuiu para que a Shein se tornasse um arquétipo de um certo gênero de empresas de roupas superbaratas: é a líder de um grupo de marcas preferidas pela Geração Z, como a Fashion Nova e a Boohoo, acusadas por críticos (inclusive da própria geração Z) de contribuir para o consumo excessivo e para o desperdício.
A Shein, entretanto, chamou sua estratégia de produção de roupas de “transformadora”: ela começa encomendando pequenos lotes de roupas (100 a 200 peças) e acompanha a resposta dos clientes a esses lotes antes de fazer pedidos maiores.
Como uma peça de roupa pode ser tão barata?
Mesmo assim, muitos dos vídeos nas redes sociais a respeito da Shein – incluindo os incrivelmente populares vídeos de “comprinhas”, que mostram pessoas experimentando um grande número de itens adquiridos, peça por peça – inspiram comentários com as seguintes questões: como um top de US$ 4 pode ser feito para durar e não acabar em um aterro sanitário? Como os trabalhadores que costuraram e enviaram essa roupa podem ser remunerados de forma justa?
No entanto, isso não tem desencorajado os fãs da marca, muitos dos quais dizem não haver provas suficientes para deixar de fazer compras na Shein.
Ann Taylor, influenciadora de moda, 25 anos, que vive em Toronto e recebeu vales-presentes da marca, vê esse tipo de comentário em vídeos “o tempo todo”, disse. Ela observou que quase sempre eles expõem preocupações de que a empresa esteja violando as leis trabalhistas.
Há pouco tempo, vídeos virais no TikTok que alegavam mostrar pedidos de ajuda costurados em roupas da Shein de trabalhadores foram amplamente desmascarados. Mas o Public Eye, grupo que monitora o comportamento de empresas, em um relatório de novembro de 2021 sobre as fábricas que trabalham com a Shein, disse que seus pesquisadores entrevistaram três funcionários cujos expedientes ultrapassavam a duração máxima estabelecida no país e descobriram alguns locais de trabalho com corredores e escadas bloqueados.
Isso não mudou o ponto de vista de Ann. Se houvesse relatos de que a empresa estaria violando as leis de trabalho infantil, por exemplo, “eu sem dúvidas seria contra isso”, disse ela. “Se os trabalhadores estão se queixando por não estarem sendo bem remunerados, isso é completamente diferente de dizer que estão forçando as crianças a trabalhar.”
“Como posso estar lutando contra eles se não tenho como apoiá-los?”, disse ela, sugerindo que Shein se tornou um alvo por ser uma marca “desfavorecida”.
No mês passado, quando Ann se casou, ela e o marido decidiram planejar o casamento com um orçamento limitado para economizar e dar uma entrada na compra de uma casa. Depois de ver o preço de US$ 1.800 por um vestido de noiva em uma boutique tradicional do ramo, Ann começou a pesquisar on-line por “algo simples, mas muito sexy e elegante”, disse.
Embora a maioria de alegações, rumores e ataques online seja falsa, somos parcialmente responsáveis pela disseminação dessas narrativas falsas. Negligenciamos muito a comunicação e um maior engajamento com nossos clientes.”
George Chiao, presidente da Shein nos EUA
Ela encontrou um vestido branco justo com as costas nuas à venda no site da marca chinesa por 39 dólares canadenses. (Sim, a Shein tem várias opções de vestido de noiva. Assim como redes para animais de estimação, perucas, escovas de dentes, tapetes, espumadores de leite, curativos para bolhas, unhas postiças para os pés, capas para volantes de carro e uma variada seleção de lingerie e roupas de bebê.)
O vídeo que ela publicou no TikTok sobre o vestido no primeiro semestre deste ano já foi curtido mais de 900 mil vezes. A Shein o republicou e enviou dois vales-presentes de US$ 100, que ela usou para fazer pedidos com vários itens e depois filmou para vídeos de “comprinhas”. No futuro, ela talvez se junte ao exército de influenciadores que criam conteúdo pago para a marca.
No entanto, inicialmente, Ann não disse às pessoas que o vestido veio da Shein. Ela não tinha vergonha da origem da peça, mas “se parece que estou com algo caro, não vou espalhar que fui mão de vaca. Se você o vê como valioso, não vou dizer que não é”, afirmou.
Ela sente o mesmo em relação às críticas a respeito da Shein copiar designers famosos. Recentemente, Ann comprou, em outro site, um par de sapatos de salto alto por US$ 29 que lembram um modelo da marca Balenciaga. Embora apoie “100% a autenticidade [de produtos]” – e diga ser contra o uso de logotipos em falsificações – “acho que as pessoas merecem ter coisas boas sem pagar uma fortuna. Muitos de nós que trabalhamos em empregos comuns de 8h às 18h não podemos pagar por sapatos que custam US$ 2 mil”.
Steven Prugar, profissional de tecnologia da informação, 32 anos, de Pittsburgh, que usa os pronomes elu e delu, disse que os preços da Shein e a grande variedade de opções em tamanhos maiores permitiram que elu experimentasse vários estilos – para aprender o que funciona com o tipo de corpo delu – depois de se reconhecer como não binário em 2020.
“Você pode construir um guarda-roupa impressionante sem ir à falência, o que é muito bom, principalmente para muitas pessoas de média e baixa renda que não podem gastar US$ 100 em vestidos”, disse ele. Prugar estima que cerca de um terço das roupas dele são da Shein.
Ao longo dos anos, elu também percebeu um aumento na qualidade da Shein, assim como nos preços. Peças que já foram vendidas por US$ 10 talvez estejam por US$ 20 agora, mas o tecido aguenta mais lavagens. Ultimamente, elu tem feito compras no site em média uma ou duas vezes por mês – que costumam incluir cerca de oito itens por US$ 100.
Há mais ou menos um ano, Prugar começou a usar grupos on-line como uma ferramenta para ter opiniões sobre roupas e compartilhar recomendações de produtos.
Em um grupo do Facebook, as pessoas postam modelitos da Shein sendo usados em jantares de aniversário ou audiências de divórcio, durante as férias e em festivais de música, em ensaios com temática boudoir ou no primeiro dia de aula dos filhos. Elas compartilham capturas de tela de seus pedidos surpreendentes: um comprador de primeira viagem que pagou US$ 796 por 79 itens; outro que gastou mais de US$ 2.800 na Shein ao longo de seis meses, com pagamentos parcelados pela Afterpay.
Mas mesmo entre esses fãs da marca, vez por outra surgem conversas a respeito do impacto ambiental ou dos níveis de chumbo da Shein. “Entendo”, disse Prugar. “Mas quando se faz uma investigação profunda sobre qualquer produto ou serviço, haverá problemas éticos em algum lugar da cadeia de suprimentos.”
Embora Prugar não se importe em boicotar empresas como a Chick-fil-A por razões éticas – devido ao envolvimento da rede de fast-food com doações anteriores a grupos LGBT+fóbicos – elu geralmente tem a sensação de que “toda empresa tem teto de vidro. Na verdade, não há muito que se possa fazer em relação a isso”.
Campanha nas redes sociais
Mas isso não impede a Shein de tentar. Neste mês, a empresa planeja iniciar uma campanha nas redes sociais para dar às pessoas uma “perspectiva interna” dos esforços da empresa no que diz respeito a trabalho, sustentabilidade e segurança dos produtos, disse George Chiao, presidente da Shein nos EUA. A marca também tem se esforçado para dar mais ênfase “a noção de acessibilidade – que a Shein é uma marca acessível”.
“Embora a maioria dessas alegações, rumores e ataques on-line sejam falsos, somos parcialmente responsáveis pela disseminação ou perpetuação dessas narrativas falsas”, disse Chiao, que está na empresa desde 2015. “Negligenciamos muito a comunicação e um maior engajamento com nossos clientes e nossa comunidade.”
Contudo, ele acredita que grande parte da discussão on-line negativa sobre a Shein seja resultado de pessoas sendo “vítimas da pressão dos colegas”, disse ele, comparando os debates on-line a respeito da marca com aqueles que acontecem na política.
Chiao sabe que a maior parte da base de clientes permanece intacta, ainda obcecada pelos preços baixos.
“Eu nem piso mais na H&M”, disse Jaime-Vega, que pediu a namorada em casamento em frente à loja da Shein em Dallas, referindo-se aos preços mais altos da multinacional com sede na Suécia. Sua noiva, Michelle, apontou para a sacola grande que carregava: uma mistura de sapatos, roupas, acessórios e produtos de beleza que custou pouco mais de US$ 100.“Com certeza não conseguiria comprar tanta coisa assim na H&M.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.