RIO - O hidrogênio e produtos capazes de carregá-lo, como metanol e amônia, ainda não se firmaram como combustíveis limpos para transporte, mas esse gás já começa a ser utilizado como catalisador de motores à combustão. A ideia é trazer economia e redução da poluição atmosférica. Uma nova tecnologia tenta fazer isso em navios. O projeto está sendo desenvolvido pela Ocyan, empresa de serviços offshore para óleo e gás, e pela startup brasileira LZ Energia, com aporte milionário da Shell.
Trata-se de um equipamento de injeção de gás hidrogênio direto na admissão de ar dos motores marítimos, para aumentar a eficiência do processo de combustão interno. O hidrogênio não vai misturado ao diesel para navio.
A tecnologia poderá reduzir em até 10% o consumo de diesel marítimo, trazendo economia. As emissões de gás carbônico caem na mesma proporção. Outros gases poluentes, como metano e monóxido de carbono, podem ter redução de até 30% nas emissões, diz o engenheiro químico e diretor executivo da LZ Energia, Igor Zanella. Esses porcentuais ainda dependem do refinamento do software que calcula os volumes a serem injetados para cada cenário de esforço do motor.
Para evitar riscos relacionados ao transporte do hidrogênio, considerado instável, o gás não vai embarcado em quantidade, sendo gerado a bordo, em paralelo à injeção, por meio da eletrólise de volumes de água (separação do hidrogênio do oxigênio da molécula por meio de energia elétrica).
“Usamos água de uso da própria embarcação, que passa por um processo de purificação. A energia para a eletrólise vem do próprio alternador, como no isqueiro de um carro”, diz Zanella. Por ora, o executivo compara, o sistema a ser embarcado nos navios tem o tamanho de três geladeiras.
Carimbo
Batizada H2R (sigla de “hidrogênio para redução”), a tecnologia recebeu no começo de abril uma aprovação da certificadora norueguesa DNV, especializada em indústria offshore. O carimbo, explica Rosane Zagatti, gerente de Tecnologia da Shell Brasil, atesta a efetividade da tecnologia. Segundo ela, uma das principais vantagens dessa tecnologia é não requisitar alteração nos motores, podendo ser instalada em barcos existentes.
“Usar hidrogênio como combustível direto requer outros motores. Não é o que acontece aqui. Essa tecnologia não exige modificação, só busca aperfeiçoar a combustão, com menor atraso na ignição e queima mais completa”, diz.
Desde o fim de 2023 a LZ Energia já comercializa equipamento análogo voltado a caminhões. Nos caminhões, o aparelho se assemelha a uma caixa com volume de uma garrafa pet de 3 litros, que é alimentada com água já purificada a cada três meses. Desenvolvido a partir de 2015, o produto para caminhões custa hoje R$ 7,5 mil e tem retorno financeiro após cinco meses de uso, na média, segundo a empresa. O aparelho também pode ser alugado.
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O equipamento voltado aos navios ainda não tem projeção de preço. Segundo o gerente executivo de negócios digitais e tecnologia da Ocyan, Rodrigo Chamusca, o plano é aperfeiçoar o equipamento até o início de testes em plataformas offshore em meados de 2026. A comercialização efetiva da máquina é esperada para o segundo trimestre de 2027.
Um dos principais interesses das empresas envolvidas é aplicar a tecnologia em navios-plataforma de posicionamento dinâmico, cuja operação é intensiva em consumo de diesel. Caso a tecnologia avance e seja aplicada em motores de sondas e navios-tanque, é esperado efeito relevante na redução de custos e emissões de carbono do setor.
Apoio
A Ocyan e a LZ Energia terão a propriedade intelectual da tecnologia, enquanto a Shell vai receber royalties por vendas futuras e facilidades para a instalação na própria frota, em função dos R$ 17,7 milhões investidos por meio da cláusula de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Combustível (ANP). A cláusula obriga as petroleiras a investirem 1% de sua receita bruta nessa frente. No caso do H2R, os recursos serão aplicados para ampliar os testes.
“Estamos otimistas. O conceito do projeto está bem evoluído e começamos a mostrar os resultados da tecnologia a partir do trabalho feito em laboratório. Não só Shell e Ocyan vão fazer uso dessa tecnologia. Queremos ver sua aplicação em todo o mundo”, diz a diretora da Shell, que entrou no projeto em 2022.
A petroleira tem investido cerca de R$ 500 milhões por ano em mais de 100 projetos desse tipo nos últimos cinco anos. Um terço das iniciativas é com tecnologias de baixo carbono, desenvolvidas dentro de universidades ou por startups como a LZ Energia.
Antes do apoio da Shell, a startup já havia recebido apoio da Ocyan para desenvolvimento inicial e testes, ao preço de R$ 1 milhão. A LZ Energia participou, em 2021, do programa Ocyan Waves, para inovações do tipo beta, em que a empresa define um problema e recebe propostas de soluções. Uma nova edição do programa está aberta, com inscrições até 15 de maio.
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