Os shopping centers que ficam em regiões com grande concentração de prédios corporativos estão entre os que mais encontram dificuldades para recuperar público após a pandemia de covid-19. Com a adesão ao trabalho remoto, não há mais garantia de público nos cinco dias da semana. Ou seja: os shoppings perderam espaço na rotina dos habitantes de cidades como São Paulo. E não só pelo home office, mas também pelo crescimento de compras no comércio eletrônico e pela falta de interesse na atual grade de cinema, segundo relataram especialistas no setor ao Estadão.
Um exemplo dessa tendência é o Shopping Market Place, do Grupo Iguatemi, que tem muitos pontos vazios, mesmo em seu espaço mais nobre, no térreo. “O Market Place é um shopping de almoço para a região dos escritórios. No geral, o fluxo de visitantes ainda está em 80% em relação ao nível pré-pandemia. O home office fez o fluxo diminuir de forma impactante e ainda houve o aumento do e-commerce, o que também afeta outros empreendimentos em regiões de escritórios, como o Shopping Vila Olímpia”, afirma Priscila Cardanha, sócia da Fortezza Partners.
Em 2022, os shoppings ainda estão mais vazios do que antes da pandemia. Segundo dados da Associação Brasileira dos Shoppings Centers (Abrasce), ainda que o volume nominal de vendas de 2022, de R$ 202 bilhões, tenha superado a marca de 2019, de R$ 193 bilhões, uma a cada cinco pessoas que visitavam os shoppings ainda não voltou. São 105 milhões de consumidores a menos nos shoppings.
Entre as apostas para atrair as pessoas novamente estão desde postos de troca de figurinhas da Copa do Mundo até eventos e exposições. Mas especialistas avaliam que será necessário ir além, com uma adaptação do mix de lojas para incluir mais serviços que requerem que o consumidor esteja presente, como consultórios médicos, academias e restaurantes.
Procurado, o grupo Iguatemi afirmou que o Market Place está inserido em uma área que tem se adensado com torres residenciais e comerciais, com retomada gradual de atividades no entorno. “As áreas estratégicas da companhia seguem focadas em negociações qualificadas para trazer novidades para o shopping e tem previsto a chegada de novas operações para complementar ainda mais seu mix de lojas, serviços e polo gastronômico”, afirmou, lembrando ainda que o empreendimento “não é alvo de fusão ou aquisição”.
Consolidação
Com a redução de público e de vendas em 2020 e 2021, a vacância média dos shoppings no País chegou a passar da marca de 10%. Por isso, o valor de mercado dos shoppings centers caiu nesse período, favorecendo uma consolidação do setor. Empreendimentos com muitos espaços vazios entraram na mira para fusões e aquisições, com acordos sendo fechados entre 2020 e 2022.
“A pandemia trouxe oportunidades de fusão e aquisição porque o setor é muito fragmentado. São mais de 30 administradores, sem contar mais de 200 que são individuais, ou seja, não fazem parte de nenhum grupo. Os grupos buscam sinergias para aumentar o poder de negociação e ter redução de custos. É um movimento esperado há muito tempo no setor”, diz Glauco Humai, presidente da Abrasce.
No fim de 2020, a Gafisa adquiriu os shoppings Fashion Mall e Jardim Guadalupe, no Rio, por R$ 99,3 milhões. Enquanto a incorporadora será a dona do Fashion Mall, em São Conrado, e terá um sócio minoritário no Guadalupe. A empresa já começou obras de reestruturação do Fashion Mall, que estava abandonado e era avaliado por frequentadores como “caro”, “vazio” e “decadente”.
Não só os empreendimentos que estavam mal das pernas atraíram compradores. “A aquisição do Diamond Mall (em Belo Horizonte) pela Multiplan mostra aumento da exposição ao segmento de alta renda”, diz Cardanha, da Fortezza Partners. Conforme acordo fechado em agosto, a Multiplan pagará R$ 340 milhões por fatia de 49,9% do empreendimento, que pertencia ao Atlético Mineiro.
Outro exemplo é o grupo Hemisfério Sul Investimentos, que fez duas aquisições de shoppings em Minas Gerais neste ano. O fundo pagou R$ 333 milhões pelo Shopping Uberaba e R$ 195 milhões pelo Uberlândia Shopping. Os acordos foram selados em um contexto de mercado mais favorável para o setor, com a vacância de volta ao patamar de pouco mais de 5%, como em 2019.
A gente gosta de fazer (empreendimentos do zero), mas nesse momento uma aquisição ou uma fusão pode ser o melhor negócio”
José Isaac Peres, presidente da Multiplan
Em junho deste ano, a consolidação do setor de shoppings deu mais um passo importante com a fusão de dois gigantes. O conselho de administração da BRMalls, dona de shoppings como Santa Cruz, Jardim Sul e Villa Lobos, aceitou a proposta de fusão com a rival Aliansce Sonae, que administra empreendimentos como o Plaza Sul, o Parque D. Pedro e o Leblon. Juntas, elas serão de longe o maior grupo de shoppings do País.
Para Luiz Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls, os shoppings inaugurados a partir de 2015 ainda não atingiram maturidade nos negócios e estão entre os que tiveram mais dificuldades durante o auge da pandemia de covid-19. Por outro lado, são os shoppings que estão fora do controle de grandes grupos que encontram os maiores desafios de competitividade.
“Os shoppings independentes percebem que o cenário é difícil para caminhar sozinhos. Eles dependem de força de negociação com o lojista, um conjunto de shoppings consegue fazer isso e ainda reduz custos de operação e de investimentos em tecnologia”, diz. Para Marinho, o movimento de concentração do setor ainda não terminou. “Em 2023, se a taxa de juros e inflação caírem, a consolidação de shoppings deve acelerar no Brasil”, afirma.
Na visão de Humai, da Abrasce, o mercado de shoppings está em círculo virtuoso, com recuperação do fluxo, vendas e com a entrada de novas marcas e novo mix de lojas. Para ele, os shoppings novos, por exemplo, passam por uma nova inauguração, diante da retomada no contexto do arrefecimento da pandemia. A entidade informou ainda que o setor teve alta 17,4% em setembro deste ano, em relação ao mesmo período de 2021. Ainda assim, Humai acredita que o movimento de consolidação de empreendimentos no Brasil não terminou.
“Nos próximos semestres, mais negociações devem acontecer para o setor ficar mais concentrado como é em outros países. Isso não interfere na capacidade de geração de fluxo, emprego e desenvolvimento para os lojistas. Isso melhora a performance do negócio, sem impactar o poder de vendas e eficácia”, diz.
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Sem novos shoppings
Na visão de Alexandre Machado, sócio do Hedge Investments, outro fator que explica o apetite do mercado por aquisições de shoppings é a redução do número de lançamentos devido ao custo envolvido nesse processo. “Com o aumento do custo do capital, os projetos de greenfield são pontuais porque poucas empresas têm capacidade de tirar projetos do papel. Com os novos empreendimentos fora do radar, há um movimento de investimento nos próprios ativos ou na consolidação do setor”, afirma.
Essa visão de que não há espaço para novos empreendimentos pelo fundador e presidente da Multiplan, José Isaac Peres. Nesta sexta-feira, 4, ele afirmou que o crescimento por meio de fusões e aquisições é uma alternativa mais interessante do que a construção de novos shoppings. “Ainda tem muita oportunidade de fazer novos shoppings”, afirmou.
“A gente gosta de fazer, mas nesse momento uma aquisição ou uma fusão pode ser o melhor negócio”, comentou. Peres lembrou que a Multiplan tem um perfil de expansão muito mais voltado para o desenvolvimento de empreendimentos a partir do zero. Entretanto, segundo ele, há de se considerar o momento macroeconômico mais difícil antes de se tomar uma decisão de construir algo novo. / COLABOROU CIRCE BONATELLI
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