Grande vilã da indústria sob o ponto de vista de emissão de gases poluentes, a siderurgia está diante de uma encruzilhada – sobretudo no Brasil – para cortar suas emissões. Por ora, as alternativas existentes são praticamente inviáveis financeiramente e ainda dependem de novos desenvolvimentos tecnológicos. Mesmo assim, precisarão ser adotadas para os países conseguirem cumprir suas metas de redução de emissões e para o setor poder exportar para os destinos que mais têm pressionado a descarbonização da economia, como a União Europeia.
Globalmente, a indústria em geral é responsável por 7% das emissões, ficando depois de energia e agricultura. No Brasil, esse número é menor e está ao redor de 5%. Mas, entre os segmentos industriais, a siderurgia (seguida pelo setor de cimento) é a campeã das emissões.
Também no Brasil, o desembolso para atingir a neutralidade nas emissões de gases de efeito estufa até 2050 é estimado em R$ 180 bilhões nos próximos 25 anos, conforme projeção de consultoria internacional contratada pelo Instituto Aço Brasil.
Cristina Yuan, diretora de assuntos institucionais da entidade, diz que o valor previsto vai gerar um custo extra de US$ 100 (R$ 611 ao câmbio da segunda-feira, 6) para cada tonelada de produto final. A grande questão, afirma a executiva, é se haverá disposição do consumidor em absorver esse valor adicional.
O mundo produz quase 2 bilhões de toneladas de aço bruto por ano, e mais da metade do volume sai de altos-fornos de usinas chinesas. A média global de emissão é de quase duas toneladas de gases para cada tonelada de aço. No Brasil, está em 1,7 tonelada.
A busca pelo ‘aço verde’
Os meios para reduzir as emissões variam conforme empresa, país e rota de produção. Na Europa, com subsídios de governos, já estão avançados processos e tecnologias para fazer “aço verde”. Na Ásia (destaque para China e Índia), na África e na América Latina, ainda predominam sistemas tradicionais, com alta geração de carbono.
Hoje, a rota mais difundida globalmente para produção de aço – que responde por 72% do total fabricado no mundo – é a que utiliza o alto forno e na qual se obtém como produto o ferro-gusa. Nela, o coque de carvão mineral costuma ser usado como combustível. A emissão média por esse modo de produção é de cerca de 2,3 toneladas de dióxido de carbono para cada tonelada de produto.
Para reduzir as emissões provenientes do coque, as siderúrgicas vêm tentando aumentar a eficiência energética e alterando o mix da matéria-prima (algumas vezes usando biocoke, feito a partir de biomassa).
As maiores empresas do setor que atuam no Brasil já adotam medidas como essas, opções de custo baixo. Essas saídas, no entanto, diminuem as emissões em, no máximo, 20%. “Para chegar a emissões próximas a zero, as siderúrgicas precisam pensar em novas rotas de produção”, diz o consultor Wieland Gurlit, sócio da McKinsey.
Por ora, a aposta mais promissora para o setor é a rota de redução direta (direct reduced iron, ou DRI, na sigla em inglês), na qual se obtém ferro-esponja e em que é possível usar o gás natural ou o hidrogênio verde como combustível. Nesses casos, as emissões podem diminuir em 50% e em 90%, respectivamente.
“A tecnologia que usa hidrogênio verde é pouco usada até mesmo fora do Brasil. Projetos começaram agora a ser anunciados no norte da Europa. Não é uma tecnologia 100% estabelecida, mas está mais avançada que outras, como as com base em eletricidade”, diz João Martins, diretor da consultoria Roland Berger.
O hidrogênio verde é alternativa viável?
Os desafios para colocar a DRI em prática, no entanto, são enormes. O primeiro é que o hidrogênio verde hoje é produzido em baixíssima escala em todo o mundo. Caro para ser fabricado, ele precisa de uma infraestrutura (que inclui usinas e canais de escoamento) hoje praticamente inexistente. Por outro lado, o Brasil é um dos países com maior chance de produzir o hidrogênio verde. Isso porque o combustível demanda um grande volume de energia limpa para ser produzido.
Outro entrave é o volume de investimento necessário para se ter uma planta que produz aço via DRI. Uma unidade de tamanho médio demandaria um aporte de US$ 400 milhões (R$ 2,2 bilhões), de acordo com Martins. No Brasil, porém, as plantas atuais não operam em plena capacidade. Portanto, não haveria necessidade de se construir novas. Converter as unidades existentes, que possuem altos fornos, para modelos que operam via DRI também ainda não se provou viável.
“Tem muita usina no País que ainda é nova, que foi construída ou expandida depois de 2005. Como ainda tem essa capacidade, seria pouco econômico abandonar tudo. Na Europa e nos EUA, ontem tem plantas mais velhas, seria mais fácil”, acrescenta Martins.
Se não puder produzir aço via DRI, outra forma para reduzir as emissões da siderurgia seria capturar carbono na atmosfera e enterrar. Atualmente, campos de petróleo já exauridos são apontados como os melhores locais para estocar esse carbono.
Leia também em Economia Verde
Injetar esse gás embaixo do fundo do mar, no entanto, também demanda energia. Essa alternativa também é vista como inferior em termos ambientais, dado que dificilmente se conseguiria capturar mais de 80% do carbono emitido.
“Eu diria que, no Brasil, essa opção pode ser mais econômica, justamente porque o País ainda tem muitas plantas siderúrgicas novas”, diz Gurlit, da McKinsey. “O Brasil vai achar uma solução. Não tem como escapar. Na minha visão, vai ser uma mistura dessas duas opções, que hoje são as mais viáveis”, acrescenta.
O consultor, entretanto, não vê mudanças acontecendo no setor brasileiro no curto prazo. As primeiras produções de um aço com baixa emissão de carbono devem ocorrer em 2030, mas voltadas para a exportação.
Emissões no mundo
Na siderurgia mundial, conforme a World Steel Association, a China responde por 63% do total de emissões de CO₂, depois vêm Japão, Coreia do Sul e Taiwan (juntos, 9%), Índia (7%), União Europeia (5%) e América do Norte, 4%. Para 2030, a previsão é de redução das usinas chinesas para 54% (com estabilização da produção nos atuais patamares) e aumento na Índia para 13% e de outros países na Ásia em ascensão, sustentados por investimentos da China.
A China ainda faz 90% do seu aço usando minério de ferro e carvão metalúrgico, emitindo 2 toneladas de carbono por tonelada, afirmou Germano Mendes de Paula, professor da Universidade Federal de Uberlândia e especialista na indústria siderúrgica, em recente apresentação sobre avanços e desafios da descarbonização realizada no Insper, em São Paulo. Na Índia, a situação é pior: 2,2 toneladas.
Nos EUA, 70% do aço é produzido via uma rota um pouco menos poluente do que a que usa o coque como combustível. Lá, a fabricação é à base de sucata, gerando 800 quilos de CO₂ por tonelada.
Falta de sucata é barreira
Uma barreira para expandir esse modo de produção é a escassez de sucata. Nesse caso, a situação se agrava porque países desenvolvidos, com alta geração de sucata por suas indústrias, começam a restringir as exportações. Por exemplo, os EUA, que absorvem praticamente toda sucata do país para suprir suas aciarias elétricas. A Itália é outro país que começou a impor controle na exportação da matéria-prima.
Diante dos altos custos para descarbonizar a siderurgia, países da Europa concederam, apenas em dois anos, € 10,5 bilhões de subsídios para reduzir emissões de CO₂ da siderurgia da região. Todavia, o bloco econômico representa apenas 7% da produção mundial de aço (136 milhões de toneladas). “A Europa é o motor da descarbonização”, destaca Mendes de Paula. A região tem atuação em várias frentes: mercado de carbono, criação do CBAM (mecanismo de ajuste de carbono na fronteira, que taxa bens importados) e fundos de inovação.
Alguns fabricantes de produtos de alto valor agregado, como montadoras de automóveis europeias, já se mostram dispostos a pagar a mais pelo “aço verde”. Na Europa, o polo de descarbonização é direcionado principalmente ao setor automotivo.
Fica a dúvida sobre outros consumidores, de aços de menor valor agregado, como a construção civil. O grande problema está na Índia, no Sudeste Asiático e na América Latina, afirma Mendes de Paula. “A conta não fecha. É muito dinheiro para a indústria, em diferentes níveis, arcar sozinha.”
Yuan, do Aço Brasil, aponta uma questão: justifica o setor no Brasil fazer todo esse esforço de investimento para reduzir CO₂ enquanto aço com alta geração de carbono da China, que adiou para 2060 seu plano de neutralização das emissões, continuar entrando em ritmo forte no mercado brasileiro? “Que o governo considere impor uma taxa na fronteira para barrar esse tipo de aço.”
O caminho para a ‘siderurgia verde’
Estudos da CRU Consulting, consultoria independente especializada em commodities, indicam que somente poderia ser considerado “green steel”, ou aço verde, aquele que tiver uma emissão inferior a 400 toneladas de dióxido de carbono para cada tonelada de aço acabado (laminado).
Esse nível, no Brasil, já pode ser visto, por exemplo, na Aperam, que opera à base de sucata e carvão vegetal, e na Aço Verde do Brasil (AVB), que utiliza biocarbono nos altos-fornos, ambas com geração de CO₂ em torno de 200 toneladas. As duas empresas, no entanto, não consideram as emissões de seus fornecedores no cálculo de emissão por tonelada de aço produzido.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.