O governo federal vem dando um alívio às varejistas nacionais ao encarecer as vendas das plataformas de e-commerce estrangeiras, especialmente asiáticas. Com a taxação, foram registrados recuos nas vendas online de produtos importados e, de acordo com as empresas nacionais, trata-se de mais um passo em busca da isonomia tributária com seus concorrentes da moda.
Em julho, antes da implementação da chamada “taxa das blusinhas”, foram registradas cerca de 19 milhões de remessas de até US$ 50, com valor total declarado de R$ 1,812 bilhão. Já em agosto, quando passou a ser cobrado 20% de imposto de importação sobre os itens com este valor, as compras recuaram para 11 milhões, uma queda de aproximadamente 42% (com valor aduaneiro de R$ 902 milhões).
Os dados são do balanço do programa Remessa Conforme, que foram levantados pelo Santander. A perda de disposição dos consumidores em comprar produtos estrangeiros se manteve em setembro, tendo o mesmo montante de remessas registradas no mês anterior (11 milhões, com um incremento de apenas R$ 42 milhões de impostos declarados).
O vaivém da taxação
Em abril de 2023, o Ministério da Fazenda chegou a anunciar o fim da isenção do imposto de importação para transações entre pessoas físicas, usada pelas plataformas internacionais para não pagar tributos — apesar de serem pessoas jurídicas, havia empresas que faziam parecer que o processo de compra e venda ocorria entre pessoas físicas.
No entanto, o Palácio do Planalto recuou da decisão, após repercussão negativa nas redes sociais e apelo da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. O PT tinha receio de que a medida impactasse negativamente na popularidade do presidente Lula.
Em agosto do ano passado, o governo federal lançou o programa Remessa Conforme, que isentou de imposto de importação as compras internacionais abaixo de US$ 50 feitas por pessoas físicas no Brasil e enviadas por pessoas jurídicas no exterior. Para isso, as empresas precisaram se cadastrar na Receita Federal em uma espécie de plano de conformidade, que regularizou essas transações.
Companhias como Shein, Shopee, AliExpress, Mercado Livre e Amazon aderiram voluntariamente à certificação e passaram a informar a Receita sobre as vendas remetidas ao País. No entanto, um projeto aprovado no Congresso instituiu o imposto de importação de 20% sobre as compras internacionais de até US$ 50. A medida foi inserida no projeto que regulamenta o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) e cria incentivos às montadoras.
Lula sancionou a taxação no final de junho, apesar de ter se manifestado diversas vezes de forma contrária à medida. À época, ele afirmou que a sanção seria feita pela “unidade do Congresso e do governo, das pessoas que queriam”. “Mas eu, pessoalmente, acho equivocado a gente taxar as pessoas humildes que gastam US$ 50?, comentou à época.
A medida, por sua vez, recebeu o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que articulou um acordo com o Palácio do Planalto para a aprovação.
Alívio às varejistas nacionais
De acordo com o head de varejo do Santander, Ruben Couto, as varejistas nacionais ganharam participação de mercado no decorrer do ano, o que coincide com o aumento dos impostos aos estrangeiros.
No terceiro trimestre, as vendas nominais da C&A cresceram 19% em relação ao mesmo período de 2023. Já as Lojas Renner tiveram alta de 12%, e a Guararapes (Riachuelo), de 11%. Esse desempenho supera o do mercado de vestuário como um todo, que cresceu 6%, segundo dados da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC/IBGE).
Para Couto, os efeitos do programa Remessa Conforme adotados no ano passado demoraram para se refletir nos extratos financeiros, uma vez que as empresas internacionais foram aderindo aos poucos ao programa e, segundo ele, o aumento de impostos sempre gera “uma grande discussão política, por ter viés mais impopular”.
“Já desde o primeiro trimestre do ano ficou muito mais rítmico o ganho de participação das empresas listadas aqui no Brasil, até por que (essa discussão) fez as varejistas acordarem para o mundo do e-commerce, que é uma estratégia já dominada pelo comércio cross-border (transfronteiriço)”, disse.
Segundo o analista de consumo e varejo do BTG Pactual, Luiz Guanais, no começo de 2024 havia uma diferença de preço entre 25% e 30% na relação entre os produtos do varejo local e os estrangeiros. No entanto, após a implementação da “taxa das blusinhas”, o banco identificou que a diferença de preço caiu para 10%.
Nos dois casos, os produtos locais continuaram mais caros que os estrangeiros e os cálculos foram feitos com base em uma cesta de produtos das empresas Renner, C&A e Guararapes em relação à Shein.
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Contudo, Guanais destaca que o aumento da tributação não foi o único responsável por diminuir a diferença de preço, uma vez que também houve uma redução nos preços dos produtos locais, na tentativa de se tornarem mais atraentes para os clientes brasileiros.
“Houve uma redução da diferença de preços, e agora, com essa perspectiva de aumento do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), apesar de ser uma pequena mudança, ainda deve ajudar a reduzir um pouco mais o gap (diferença) de preço. Não vai reduzir 100%, mas continua ajudando a ter um pouco mais de equidade na tributação desses players”, diz o analista.
No início de dezembro, como mostrou o Estadão, os Estados anunciaram um acordo para elevar a alíquota do ICMS de 17% para 20% sobre as encomendas internacionais. A taxação é feita sobre as compras internacionais de até US$ 3 mil, que são importações realizadas pelo Regime de Tributação Simplificado.
A medida, porém, só terá efeito a partir de 1° de abril, por causa dos princípios tributários da anterioridade e da noventena. Nos Estados em que a alíquota praticada é menor que 20%, haverá a necessidade de encaminhar projetos de lei para as respectivas assembleias legislativas.
Competição
Apesar dessas mudanças tributárias, a advogada tributarista Maria Carolina Gontijo, conhecida nas redes sociais como Duquesa de Tax, avalia que as varejistas brasileiras vão continuar com dificuldades para competir com as plataformas estrangeiras em termos de quantidade e qualidade. “Os chineses não vão virar as costas para um mercado de mais de 200 milhões de pessoas, até mesmo com uma tributação de 50%”, diz.
Gontijo lembra, por exemplo, que a tentativa de “barrar” a entrada da indústria automobilística chinesa no Brasil apenas retardou o processo em cerca de dez anos, mas que não impediu a entrada no mercado.
“A indústria nacional precisa pedir mais competitividade, não piorar o ambiente para os outros a partir da maior taxação. O ideal não é ela ter vantagens dentro do Brasil e fechar o mercado. A indústria precisa de competitividade para se tornar atrativa dentro do mercado nacional”, afirma.
Somada a essa percepção, a advogada avalia que o ambiente de juros altos, de endividamento das famílias e da apreciação do dólar frente ao real pressiona o setor. “É um momento ruim de consumo e a forma como a tributação é estruturada no Brasil não favorece as varejistas. A casa está pegando fogo e não é o aumento da tributação que fará o setor sobreviver”, diz.
Isonomia tributária
No entanto, o diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), Edmundo Lima, diz que o varejo e a indústria, ao longo de toda a cadeia de valor, arca com uma carga tributária ao redor de 80% a 90% do custo do produto, a depender da categoria.
Por isso, a avaliação dele é que o setor nacional já avançou na busca por condições iguais por meio das taxações feitas nos últimos dois anos, mas que ainda não deixa de ser injusta a concorrência com um modelo de negócio que paga apenas pelo menos 17% de ICMS e 20% de imposto de importação.
Ao final dos cálculos, a tributação sobre o produto importado chega a um total de 44,5%, mas que pode vir a ser 50% caso os Estados aumentem a alíquota do ICMS.
Para Lima, o cenário ideal seria a redução da carga tributária que as empresas brasileiras pagam, para poder aumentar o consumo e ter uma maior oferta para o cliente a um preço baixo. “No entanto, com a extrema dificuldade orçamentária do governo brasileiro e necessidade de maior arrecadação, a possibilidade de discutir a redução da carga tributária para o varejo nacional nem foi aberta”, explica.
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