Paçoca é o cachorro de estimação da supervisora de atendimento Daflim Gomes, de 29 anos. Por volta das 22h, quando todas as clínicas veterinárias da cidade de Miguel Pereira (RJ) já estavam fechadas, uma aranha picou Paçoca, que começou a chorar e a dar sinais de que não estava bem. “Ele ficou com falta de ar e o focinho e olho dele incharam muito”, diz a tutora.
Com o pequeno shih-tzu em apuros, Daflim acionou o serviço de telemedicina veterinária da Oi Pet para conversar com um veterinário sem precisar sair de casa e ir até outra cidade para receber atendimento. “Ele orientou o uso de um remédio. O veterinário orientou a buscar um atendimento presencial em caso de desmaio. A receita da medicação chegou via e-mail. Minutos depois, o rosto dele desinchou”, diz.
Assim como aconteceu com a telemedicina humana, o atendimento veterinário a distância ganhou protagonismo nas discussões do setor durante as restrições sanitárias para conter a pandemia de covid-19. No fim de junho deste ano, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) publicou uma resolução formalizando a possibilidade do atendimento virtual por veterinários, desde que o profissional ou a empresa já tenha atendido o paciente em uma consulta presencial nos últimos 180 dias.
A telemedicina veterinária é, além de uma forma de levar acesso a cidades remotas do País, a formalização do atendimento que já era normalmente realizado via ligações ou mensagens depois de uma consulta presencial – atividade que não era remunerada.
Com o sinal verde do conselho, empresas do setor começaram a se movimentar para criar ou ampliar seus negócios. A Oi Pet firmou uma parceria com a MedLive, especializada em telemedicina, para criar um serviço de atendimento para cães e gatos, chamado Oi Digi Pet.
Para Rosemberg Kiffer, CEO da empresa, a telemedicina é complementar ao atendimento presencial e vem para facilitar a vida dos veterinários e dos tutores. “O pet se tornou parte da família, e as pessoas ficam desorientadas quando há um problema de saúde com ele”, diz.
A companhia busca agora parcerias com seguradoras e empresas de cartão de crédito, além de oferecer assinaturas para o consumidor a partir de R$ 19,90 ao mês.
A startup gaúcha TioChico, que tem nome inspirado em São Francisco de Assis, conhecido como protetor dos animais, já atuava na teleorientação veterinária e, desde a liberação, passou a oferecer teleconsultas. A diferença das modalidades é que as consultas permitem outras formas de atendimento, como análise de exames de imagem e prescrição de medicamentos, e não só orientações sobre quais são os melhores alimentos para o pet, por exemplo.
Fundada por Cláudio Goldsztein, Gustavo Alberti e Fernanda Loss, a empresa tem foco no consumidor, com planos mensais de R$ 15,90, apesar de não descartar parcerias corporativas. Com a evolução do mercado de telemedicina animal, a meta é atender 10 mil tutores de cães e gatos até o fim de 2022.
“Para o futuro, pensamos em expandir a atuação para serviços para humanos, como, por exemplo, psicólogos para lidar com o luto da perda de um animal de estimação”, diz Alberti, CEO da TioChico. A startup agora busca investimentos para ampliar os negócios.
Petz fará testes a partir de outubro
Maior empresa do segmento com capital aberto na Bolsa, a Petz anunciou planos de entrar na telemedicina veterinária neste ano. O teste piloto começará em outubro, realizando retornos de consultas presenciais. Se tudo der certo, o plano é expandir para consultas com tutores que já são clientes do serviço veterinário tradicional.
“Ainda estamos na fase de implementação da ferramenta, é um projeto embrionário que em breve estará funcionando a todo vapor”, diz Valéria Correa, diretora técnica do Grupo Petz e do Centro Veterinário Seres.
Para Murilo Breder, analista de ações do Nubank, a Petz tem potencial de crescimento com a telemedicina para animais de estimação. “O segmento digital é 32% da receita bruta de Petz. É dentro desse percentual que o teleatendimento vai começar. Pode ser apenas 3% da receita no início, mas é mais um braço de negócios, algo que não existia”, afirma Breder.
Para as empresas que decidirem atuar com a telemedicina para pets, uma das regras mais importantes da resolução é a necessidade de prontuário unificado com os dados de atendimentos do animal de estimação para que profissionais plantonistas de diferentes turnos possam ter acesso ao histórico.
Um líder técnico, que precisa ser médico veterinário, se responsabiliza pelos atendimentos de toda a empresa. Em casos específicos, o profissional pode tanto declinar o atendimento quanto recomendar a consulta presencial para o tratamento do animal.
O que diz a regulação
Por enquanto, as empresas buscam criar plataformas voltadas ao atendimento do grande público, composto por tutores de cães e gatos. Segundo dados do Censo Pet, divulgado no fim de junho pelo Instituto Pet Brasil (IPB), o número de animais de estimação cresceu 3,7% no País de 2020 para 2021, chegando a 149,6 milhões. São 58,1 milhões de cães (alta de 4%) e 27,1 milhões de gatos (alta de 6%).
Envenenamento
Marcelo Weinstein Teixeira, conselheiro efetivo do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e relator da resolução aprovada sobre telemedicina, afirma que a regulação aprovada é abrangente, incluindo todos os animais, o que permite tanto o atendimento de pets quanto de animais silvestres, como coelhos e cobras, além de animais comuns na agropecuária, como bovinos.
“O atendimento presencial continua a ser o padrão-ouro. Ele não será substituído pelo atendimento a distância. Uma otite acentuada, por exemplo, não pode ser tratada a distância porque é preciso olhar dentro do ouvido do animal”, diz Teixeira.
O conselheiro lembra que a resolução foi resultado de quatro anos de estudo, teve inspiração internacional com lapidação local e está sujeita a mudanças para promover melhora no atendimento de saúde dos animais, evitando o mercantilismo exacerbado da atividade.
Como aconteceu com o início da telemedicina humana, ainda há resistência ao atendimento a distância por parte dos veterinários, apesar de ser uma formalização de um atendimento que já ocorria informalmente, por telefone ou mensagem, e de forma gratuita. “O receio vai acabar. Não estamos em uma era de modificação, estamos em uma nova era”, afirma Teixeira.
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