A pandemia de covid-19 trouxe rupturas nas correntes de comércio globais, prejudicando diversos setores. Um dos poucos beneficiados, mesmo com as grandes dificuldades logísticas estabelecidas, foi o de produção de alimentos, que viu os seus preços dispararem. Com as pessoas presas em casa, muitos itens deixaram de ser consumidos, mas ninguém buscou diminuir suas refeições. Esse cenário permitiu a uma empresa brasileira, a trading Timbro, fundada em 2010 por um empresário de sobrenome famoso, Jorge Guinle, e por Bruno Russo, dar um salto no volume dos seus negócios.
Antes da pandemia, em 2019, ela faturava R$ 2,5 bilhões. Neste ano, a projeção é atingir R$ 12 bilhões, o suficiente para colocá-la como a segunda maior trading brasileira, atrás apenas da Comexport. O período também ajudou a empresa a se consolidar como mais do que apenas uma comercializadora de commodities brasileira, de atuação tradicional. A Timbro passou a fazer negócios entre outros países que não o Brasil, originados lá fora e destinados a outros países.
Dessa forma, atua com commodities agrícolas produzidas também no México, Paquistão, Índia, Argentina e Uruguai. “Existem muitos negócios neste mundo. É importante ter proximidade e atenção ao cliente”, afirma Guinle. “Somos um ativo muito interessante para o Brasil, e podemos levar nosso conhecimento de fazer comércio exterior para o mundo.”
Atualmente, cerca de 10% dos negócios da empresa já não passam pelo Brasil. Para estabelecer essa atuação verdadeiramente internacional, a Timbro conta com escritórios em Miami, Genebra, Osaka, Lisboa, Londres e Cidade do México, que atendem às suas regiões próximas.
Há dois meses, até para representar o novo porte dos negócios e para abrigar os seus cerca de 370 funcionários, a holding inaugurou uma nova e moderna sede, que ocupa um andar inteiro em um prédio na Avenida Faria Lima, em São Paulo, repleta de plantas e espaços de convivência abertos. O objetivo é aproximar os funcionários e as diferentes divisões umas das outras. “O desafio é nos tornarmos uma empresa de médio porte para os padrões globais do setor, sem perdermos a nossa cultura”, diz o empresário.
Novo capítulo
Além do forte crescimento e da internacionalização, a empresa chama a atenção também por representar um novo capítulo na história empresarial de uma das linhagens mais importantes para a história da economia brasileira. Com a Timbro, o sobrenome Guinle, da família gaúcha de origem francesa que se estabeleceu no Rio de Janeiro e que ajudou a fazer a fama internacional da cidade durante o século XX, agora tem um renascimento empresarial justamente na avenida que representa o coração financeiro da cidade de São Paulo.
O empresário Jorge Guinle, fundador da Timbro, não poderia ser mais diferente do seu primo distante de mesmo nome e sobrenome, que foi o mais famoso Guinle da segunda metade do século passado. O playboy Jorginho Guinle (1916-2004) se gabava de não ter trabalhado um dia sequer na vida e de ter namorado algumas das estrelas mais famosas da era de ouro de Hollywood, como Marilyn Monroe, Rita Hayworth, Hedy Lamarr, Ava Gardner, Anita Ekberg, Kim Novak e Janet Leigh. Ele também representou a decadência do clã, que perdeu importância e negócios durante a ditadura militar, e morreu sem posses, morando de favor dos novos donos no Copacabana Palace, que fora construído por seu tio Octávio, em 1923.
Jorginho representava a terceira geração da família. Era filho de Carlos Guinle, um dos sete filhos de Eduardo Palassin Guinle (1846-1912), que se mudou de Porto Alegre para o Rio de Janeiro e começou a erguer o império empresarial no fim do século 19. Já Jorge, da Timbro, que viu o primo apenas uma vez, na infância, é da quarta geração, e vem do ramo de Eduardo, o primogênito do patriarca.
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Ao erguer uma trading de negócios multibilionários, Jorge Guinle representa uma tradição em comércio exterior que vem de seus dois pais. Do lado paterno, os Guinle foram responsáveis pela construção e administração do Porto de Santos, ao receber a concessão da Princesa Isabel, em 1888, o que permitiu ao Brasil se tornar uma potência de commodities agrárias e mineral no século 20. Já a sua mãe, Germana Guinle, empresária bem-sucedida e filha do usineiro e banqueiro João Ribeiro Coutinho, fundou a SAB Trading, que entre as décadas de 1970 e 2000 foi relevante na exportação de açúcar.
Jorge começou a carreira corporativa trabalhando na empresa da mãe. Lá conheceu Bruno Russo, que era estagiário. Depois que a SAB foi vendida, eles se reencontraram e Russo sugeriu criarem uma empresa para importar máquinas da chinesa Sany, como caminhões-guindaste e retroescavadeiras. Foi a fundação da Timbro.
A partir dessas origens modestas, eles procuraram construir uma trading com perfil internacional, altamente diversificada, menos dependente de commodities agrícolas, como costumam ser as empresas de origem brasileira do setor. Também aproveitaram um espaço aberto pela perda de força da Cotia Trading, que chegou a ser uma das maiores empresa do País nos anos 1980 e que entrou em recuperação judicial em 2016.
“Os modelos de atuação para a Timbro eram as tradings japonesas e as multinacionais com faturamento na casa das centenas de bilhões de dólares”, afirma Russo, fazendo referência aos grupos como Mitsui, Mitsubishi e Sumitomo, que se tornaram poderosos conglomerados industriais nipônicos, e empresas globais tais como as chamadas ABCD (ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus), além de Trafigura e Glencore. Elas são diversificadas, atuando em diversas frentes ao mesmo tempo.
Hoje, a Timbro atua em quatro divisões: gestão e execução de importação para grandes empresas; comercialização de commodities, tanto agrícolas quanto minerais, além de matérias-primas siderúrgicas; distribuição de produtos para o varejo e atacado; e serviços financeiros voltados a comércio internacional. “Somos uma grande gestora de contratos e administradora de riscos, que incluem variações de câmbio e de cotações de commodities”, explica Guinle.
Dentro dessas áreas, existem negócios tradicionais para as tradings, como importação e exportação de grãos e alimentos. Mas também a primeira dessas divisões inclui até a importação de aeronaves executivas, em especial para empresários do agronegócio, que já levou a empresa a ser uma das maiores compradoras de aeronaves do país. Já na distribuição de produtos para varejo, ela se encarrega de trazer produtos que levarão marcas próprias de redes de mercados e farmácias, contratos confidenciais.
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