BRASÍLIA - A Votorantim Cimentos negocia o encerramento da disputa judicial que se arrasta desde que foi condenada em 2014 pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por participação no Cartel do Cimento. Se concretizada, a saída vai resultar no pagamento com descontos de até 65% em multa bilionária e na substituição de restrições concorrenciais impostas pelo Cade. O Estadão/Broadcast apurou que, no processo mais relevante, o valor da multa original, antes do desconto, supera hoje R$ 2 bilhões.
Para finalizar o litígio na Justiça, a gigante do setor se ampara no Desenrola Agências Reguladoras, uma das medidas aprovadas pelo Congresso para compensar a desoneração da folha e garantir a arrecadação do governo federal. Pelas regras do programa, valores inscritos na Dívida Ativa há cinco anos ou mais têm desconto de 50% se pagos à vista, e de 65% se o tempo de inscrição for de dez anos ou mais. Há condições menos vantajosas se houver parcelamento do débito.
Procurada, a Votorantim Cimentos confirmou que está em discussões com o Cade e com a Procuradoria Geral Federal (PGF) para firmar uma “potencial transação”. Em comunicado, a companhia confirmou também que a negociação envolve pôr fim aos processos administrativos e judiciais envolvendo a Votorantim Cimentos e o órgão antitruste.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, na parte concorrencial, as novas restrições à empresa, dentro dessas negociações, devem envolver limitações na influência administrativa da Supermix Concreto, empresa na qual a Votorantim tem participação societária.
À época da condenação, o Cade impôs às empresas e pessoas físicas envolvidas no chamado Cartel do Cimento uma multa de R$ 3,1 bilhões, até então o maior valor que a autoridade antitruste já havia aplicado para punir um cartel. O episódio é considerado histórico pela dimensão. No processo, o Cade concluiu que durante décadas o cartel, que envolvia as maiores empresas do setor à época, controlou o preço de um dos principais insumos da construção civil no País, dando prejuízo de R$ 1 bilhão aos consumidores brasileiros.
Obrigações suspensas
As obrigações pró-concorrenciais originalmente impostas pelo Cade há dez anos estão até hoje suspensas por decisão judicial, após a companhia recorrer ao Judiciário contra a condenação no Cartel do Cimento. A substituição dos remédios foi negociada com o próprio órgão antitruste. Entre os expedientes originais estava a obrigação de a companhia alienar 35% da sua capacidade instalada em concreto, o que não foi feito.
O acordo foi validado pelo tribunal do Cade e agora precisa ser homologado judicialmente. Embora o Desenrola tenha sido criado para o governo reaver dívidas não tributárias, o entendimento da Advocacia-Geral da União (AGU) foi de que, para a empresa aderir à transação especial, era preciso dar uma solução também para as obrigações não pecuniárias (os remédios do Cade), o que permitirá, num próximo passo, o encerramento do litígio judicial que contesta a condenação de 2014.
Essa repactuação foi votada no fim da sessão do Cade desta quarta-feira, 11, muito rapidamente, por se tratar de um caso sigiloso. A aprovação teve uma ressalva, o voto contrário do conselheiro Gustavo Augusto. Sem entrar em detalhes, o conselheiro disse não rechaçar a possibilidade de revisão das restrições, mas discordou da opção para esse caso. Em sua avaliação, o interesse público primário deveria ser o cumprimento da decisão do órgão tomada há dez anos. Para ele, houve uma inversão dessa prioridade no momento em que o poder público privilegiou o recebimento da multa.
Leia também
“Me parece que aqui está se invertendo a lógica, ou seja, está se privilegiando o interesse público secundário, que é o recebimento da multa, abrindo-se mão do interesse público primário, que seria o cumprimento integral da decisão, embora pudéssemos, eventualmente, discutir parte dela”, afirmou Gustavo Augusto.
Já a Procuradoria Federal junto ao Cade argumentou no processo que o novo acordo seria vantajoso para o ambiente concorrencial, apurou o Estadão/Broadcast. Os envolvidos avaliam que o encerramento do litígio e o pagamento da multa com as condições abertas pelo Desenrola seriam positivos tanto para a empresa quanto para o órgão antitruste. Pontuam também que as condições de mercado mudaram em dez anos e, portanto, as restrições definidas pelo órgão antitruste teriam perdido a razão.
Arrecadação
A expectativa de arrecadação com o Desenrola Agências Reguladoras é marcada por um vai e vem da Procuradoria-Geral Federal (PGF) nos últimos meses. Inicialmente, depois que a medida foi aprovada pelo Congresso, o governo estimou que o programa poderia verter R$ 4 bilhões aos cofres públicos ainda neste ano, o que foi confirmado no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas do 4.º Bimestre, publicado pela equipe econômica em setembro.
No entanto, o documento seguinte, relativo ao 5.º bimestre, chegou a dispensar essa previsão ao considerar um parecer da PGF que alertava não ter como assegurar “com elevado grau de certeza” o efetivo ingresso do valor ainda em 2024. Uma semana depois, o cenário mudou novamente. No relatório extemporâneo publicado no final de novembro, o governo melhorou sua projeção de resultado primário ao incorporar um possível ingresso de R$ 2,7 bilhões com o Desenrola Agências Reguladoras. A decisão levou em consideração de novo um parecer da PGF, dessa vez afirmando que a entrada dos valores tinha “alta probabilidade” de acontecer.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.