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Zara, Shein, H&M: como a preocupação ambiental dos consumidores afeta as gigantes do fast fashion

Riscos - e oportunidades - para os negócios começam a mudar o cenário para as grandes varejistas da moda rápida e barata

Por Zahra Hirji
Atualização:

Em seu relatório anual de 2021, a varejista sueca Hennes & Mauritz (H&M) identificou um determinado ponto como um risco “alto” para seus negócios pela primeira vez - um risco maior até do que o aumento dos custos de energia ou a disponibilidade de matérias-primas. Se os consumidores passarem a preferir cada vez mais “produtos e serviços com baixo impacto climático de empresas confiáveis, que são vistas como líderes em sustentabilidade”, escreveu a H&M, a empresa poderia ter um impacto negativo. Se a H&M não fosse vista como líder climática, poderia enfrentar “riscos reputacionais relacionados à percepção da marca”.

A H&M trouxe o assunto novamente algumas páginas depois, desta vez em termos mais otimistas: “Há uma oportunidade”, aponta o relatório, “para o Grupo H&M atrair mais clientes, oferecendo uma oferta mais sustentável e transparente”.

Em 2018, a questão dos produtos sustentáveis não aparecia como um risco para a H&M. Mas nos últimos anos, as empresas de ‘fast fashion’ se tornaram alvo de demandas por mais transparência em relação a esse tema. Varejistas como Shein, H&M, Zara e Boohoo começaram a ser criticados por consumidores, ativistas, imprensa e autoridades públicas pela falta de preocupação com a poluição climática, hídrica e plástica que produzem, pelas condições de trabalho de quem produz suas roupas ou pelo ‘greenwashing’ (o uso de técnicas de marketing para criar uma imagem de empresa sustentável, mesmo que suas práticas não indiquem isso).

H&M vê oportunidade de atrair mais clientes com uma política mais sustentável  Foto: REUTERS/Staff/File Photo

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Enquanto isso, relatório após relatório mostra os consumidores sinalizando um foco maior no meio ambiente quando se trata de decisões de compra. Em uma pesquisa de 2021, por exemplo, dois terços dos consumidores americanos disseram que pagariam mais por produtos sustentáveis.

Mas, apesar de toda a conversa sobre mudanças nos padrões de compras, não há evidências quantitativas claras de que haja algum abandono em massa do fast fashion - nem mesmo quando se trata da Geração Z, ambientalmente mais consciente. É claro que os hábitos de compra podem mudar, mas ninguém sabe ao certo como, quando ou se um consumidor mais preocupado com o clima será bom ou ruim para os negócios.

Origem do fast fashion

Nascido na década de 1990, o “fast fashion” refere-se basicamente ao modelo de negócios de conversão rápida de designs e tendências de moda em roupas baratas e disponíveis rapidamente para o consumidor. Embora seja celebrada por tornar a alta moda acessível às massas, esse modelo também é acusado de promover um consumo excessivo: uma estimativa sugere que a produção de roupas dobrou entre 2000 e 2015, período durante o qual a Fundação Ellen MacArthur estima um declínio de 36% no número de vezes que um item foi usado antes de ser jogado fora. Todos os anos, montanhas de roupas pouco usadas são exportadas para países como Gana, onde grande parte acaba em aterros sanitários ou praias.

Roupas descartadas poluem a praia de Chorkor, em Accra, Gana  Foto: Andrew Caballero-Reynolds/Bloomberg

A indústria de fast fashion sente a pressão para resolver algumas dessas questões, diz Berkley Rothmeier, diretora da consultoria BSR. “Isso está atingindo os resultados financeiros, em termos de lucros trimestrais? Acho que podemos olhar para as informações financeiras e saber que não, pelo menos de forma significativa”, diz. “No entanto, há mais do que isso.”

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Agora é a norma, ela aponta, para grandes empresas de moda, incluindo H&M e Zara, rastrear sua “pegada climática”, definir metas científicas para reduzir emissões, aumentar a utilização de energia limpa, reduzir o uso de embalagens plásticas e de água.

No entanto, há um bode na sala: o próprio modelo de negócios, que prevê que os consumidores verifiquem e comprem roupas novas com muito mais frequência do que a necessidade exigiria. Embora haja evidências crescentes de que as empresas e os compradores estão prestando atenção em como as roupas são feitas e como descartá-las, o boom da revenda é a única indicação de que alguém questiona a quantidade de roupas produzidas atualmente.

Fala-se muito sobre esses jovens quererem fazer compras de forma mais sustentável, mas, quando você olha para os padrões de compras, não há absolutamente nenhuma evidência disso”

Veronica Bates Kassatly, analista

A analista independente Veronica Bates Kassatly diz que qualquer progresso nessa frente dificilmente consegue enfrentar o crescimento do fast fashion. “Fala-se muito sobre esses jovens quererem fazer compras de forma mais sustentável, mas, quando você olha para os padrões de compras, não há absolutamente nenhuma evidência disso”, diz ela, apontando para um culpado em particular: a ascensão da Shein.

Gigante chinesa do comércio eletrônico que levou o fast fashion a um novo patamar, a ascensão da Shein é um dos maiores argumentos contra a ideia de que o modelo está em crise. A empresa faz parte de um novo grupo de varejistas de moda ultrarrápidos que existem em grande parte no ambiente online e aumentam sua base de clientes contando com influenciadores de mídia social e tendências como #thehaul - vídeos sociais que incluem detalhamentos detalhados de grandes pedidos.

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A Shein diz que sua abordagem de fabricação permite estoques menores, o que significa menos excesso de produção. Mas não há como negar que a empresa está colocando grandes quantidades de roupas sintéticas baratas no mundo. Muitos compradores da Shein são adolescentes e jovens adultos, o mesmo grupo que teria maior probabilidade de expressar preocupação com a mudança climática.

Kassatly diz que a popularidade da Shein com a Geração Z pode ter a ver com a crença de que a empresa está de fato agindo de forma sustentável. “Algo como: a Shein tem um relatório de sustentabilidade”, diz. Nesse relatório, divulgado pela primeira vez no ano passado, a empresa ainda não havia concluído o cálculo de sua pegada climática. Alguns meses depois, a Shein divulgou emissões totais de 6,3 milhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono (CO2e) para 2021, incluindo as emissões decorrentes do uso de seus produtos; isso é menos do que as emissões divulgadas pela H&M, de 7,8 milhões de toneladas de CO2e em 2021.

Sheng Lu, professor associado de estudos de moda e vestuário na Universidade de Delaware, diz que a Shein é um exemplo da “popularidade de produtos baratos”. Mas ele também vê sinais de que as compras sustentáveis estão ganhando força. “Precisamos de paciência”, diz Lu. “Precisamos criar um ambiente que realmente encoraje as empresas, não apenas punindo-as, a fazer mais para tornar seus produtos sustentáveis.”

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Comunicação com o público

A melhor maneira de entender como as empresas de fast fashion pensam sobre uma possível reação negativa talvez seja observar como elas falam sobre isso - ou não - com investidores e o público.

Depois de endossar a Financial Stability Board’s Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD, Força-Tarefa do Conselho de Estabilidade Financeira sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima), em agosto de 2018, a H&M realizou uma análise detalhada de risco financeiro no ano seguinte, quando identificou pela primeira vez a mudança nas preferências do consumidor como um risco comercial e uma oportunidade. Em divulgações climáticas detalhadas compartilhadas no ano passado com a organização não governamental CDP, a H&M foi um passo além, ao estimar como essas preferências poderiam impactar suas vendas nos próximos três a 10 anos usando, uma variedade de cenários hipotéticos.

“Se assumirmos uma queda hipotética de 10% em nossos mercados europeus e uma queda de 5% em nossos mercados restantes, com base na maior conscientização sobre as mudanças climáticas na Europa, isso significaria uma perda de vendas de aproximadamente US$ 1,6 bilhão”, disse a empresa. Numa hipótese mais conservadora, a perda ficaria em US$ 630 milhões.

A H&M também estimou a possível vantagem financeira de atender à evolução dos gostos climáticos: aumento das vendas de US$ 248 milhões a US$ 764 milhões. A empresa registrou receita de US$ 22,4 bilhões no ano passado.

O porta-voz da H&M, Iñigo Sáenz Maestre, enfatiza que esses números são hipotéticos, “para explicar diferentes cenários” e “não um prognóstico real com o qual estamos trabalhando”. Ele acrescentou que “os clientes estão mais conscientes do impacto da indústria da moda e prestam mais atenção aos esforços das empresas para lidar com seu impacto”.

Em seu próprio relatório anual de 2021, a Inditex, controladora da Zara, chama o potencial de os consumidores preferirem fortemente produtos mais sustentáveis de um risco “agudo”, que pode reduzir os ganhos no curto e médio prazos. Isso, supondo que o mundo esteja se mobilizando ativamente para mitigar a poluição climática pelos parâmetros do acordo de Paris; a empresa considera o risco menos urgente se o mundo demorar a responder a essas questões.

Inditex, controladora da Zara, chama o potencial de os consumidores preferirem produtos sustentáveis de risco 'agudo' Foto: JOSEP LAGO / AFP

A Inditex também identifica um risco reputacional “menor” decorrente de clientes engajados em ativismo climático. Embora a Inditex não detalhe o que tal impacto pode significar para as vendas, em seu último registro no CDP, a empresa descobriu que a mudança de preferências poderia ajudar as vendas - identificando-a como uma oportunidade de US$ 2,9 bilhões. Procurada, a Inditex se recusou a comentar.

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A H&M parece ser a única grande varejista de fast fashion a atribuir números ao risco de consumidores mais preocupados com o clima. “Certamente não é muito comum agora, pelo menos externamente, ver isso”, diz Rothmeier. Mas isso pode mudar à medida que mais empresas endossam o TCFD e com mais pressão regulatória, principalmente na Europa.

Outros varejistas privados de moda rápida, incluindo Fashion Nova e Forever 21, ainda não fizeram nenhuma divulgação ao CDP, mencionaram a sustentabilidade em seus relatórios anuais ou falaram publicamente sobre o que consumidores mais preocupados com o clima poderiam significar para os negócios. Nenhum dos dois respondeu às perguntas da Bloomberg Green.

A Shein, que é uma empresa de capital fechado, mas está de olho em uma oferta pública de ações, também se recusou a comentar. Em seu relatório de sustentabilidade, a empresa observou que está sempre em busca de “oportunidades para apoiar as causas pelas quais os clientes se preocupam, desde o design do produto e a escolha do material até o fim da vida útil do produto, circularidade e doações para caridade”. Em seu site, uma liquidação de primavera apresenta um macacão com cinto por US$ 5,98 e uma jaqueta jeans infantil por US$ 12. / Bloomberg

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