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Nem cigarra, nem formiga

Especialista em finanças familiares ressalta a importância de encontrar o equilíbrio entre desfrutar do presente e guardar para o futuro

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Por Estadão Blue Studio
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3 min de leitura

O palestrante e consultor Thiago Godoy é conhecido como “Papai Financeiro”, perfil que criou nas redes sociais em 2021, inspirado pela chegada da filha Angelina. “Naquele momento, eu estava focando o meu trabalho para a orientação de famílias, então tudo se alinhou”, conta. Durante o mestrado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Godoy estudou a dinâmica de 400 famílias endividadas, com o propósito de entender as origens emocionais e comportamentais de uma realidade comum no País: gastar mais do que se ganha. As conclusões foram analisadas no recém-lançado livro de estreia, Emoções Financeiras (Editora Gente), que chegou à lista dos mais vendidos.

Thiago Godoy, especialista em finanças familiares Foto: Acervo pessoal

Quais as principais conclusões, em linhas gerais, do seu estudo sobre o endividamento das famílias?

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Há características aprendidas em família que são muito importantes para influenciar como vamos lidar com o dinheiro. Uma delas é a chamada orientação intertemporal, que é a maneira como as pessoas administram o conflito entre desfrutar do presente e se preparar para o futuro. O ideal é encontrar um equilíbrio entre as duas coisas, mas raras famílias conseguem fazer isso. A maioria tende a ser como as cigarras da famosa fábula: focam mais no presente, por estilo de vida ou por necessidade, porque muitas vezes realmente não sobra nada. Poupar dinheiro não é fácil. Do outro lado, há uma minoria que age como as formigas, exageradamente preocupadas em guardar para quando o inverno chegar. O importante é encontrar o equilíbrio. Nem tanto lá, nem tanto cá.

Como encontrar esse ponto de equilíbrio perfeito entre presente e futuro?

Do ponto de vista prático, há um parâmetro que se tornou senso comum e realmente faz sentido, que é guardar 10% do que se ganha. Essa é uma boa referência porque se aplica a qualquer nível de renda. Para ter paz de espírito e trabalhar com tranquilidade, é muito importante acumular uma reserva de emergência suficiente para bancar seis meses de gastos. Construir essa reserva deve ser a prioridade. Depois, pode-se conciliar a meta de ampliar a reserva com a definição de objetivos como viajar, comprar um carro ou uma casa. O ser humano só se motiva de verdade quando enxerga a perspectiva de um benefício concreto. Isso aumenta a determinação para fazer esforços e eventuais sacrifícios. Poupar apenas por poupar não mobiliza com a mesma intensidade. Tudo isso depende de um diálogo aberto e permanente sobre as finanças com os membros da família, para que todos remem para o mesmo lado e entendam as circunstâncias. Manter a margem de pelo menos 10% exige que os custos sejam sempre revistos e aparados, da mesma forma que a gente faz com as unhas e com os cabelos.

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Os brasileiros têm mais dificuldade para poupar do que outros povos?

A influência cultural do país em que se vive certamente é importante. Os japoneses tendem a poupar mais, porque paciência e longevidade fazem parte da cultura. Os europeus, sociedades antigas que já enfrentaram muitas guerras, doenças e desastres naturais, também são cuidadosos – não têm, por exemplo, a necessidade de trocar de carro com muita frequência. Já nós, brasileiros, nos aproximamos das práticas dos Estados Unidos, incluindo o consumo e a obsolescência programada. É uma cultura mais voltada ao imediatismo do que à preocupação com o longo prazo. Existem dados que mostram que 57% da população dos Estados Unidos não tem sequer US$ 1 mil guardados, apesar dos salários médios bem maiores que os nossos.

Como você se interessou pelo universo da educação financeira?

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Foi pela dor. Nunca tive o perfil de pessoa certinha, regrada, mas aprendi na marra que precisava encontrar o ponto de equilíbrio. Aos 26 anos, fiz uma viagem aos Estados Unidos em que saí comprando no cartão de crédito de forma um tanto irresponsável. Resultado: gastei o dobro da reserva que havia feito para a viagem. Não consegui pagar o cartão, tive que parcelar a dívida e isso se tornou uma bola de neve. Precisei ficar um ano no sacrifício, trabalhando duro e sem desfrutar quase nada, para zerar a dívida e compensar aquele descuido de alguns dias. Ali eu tomei a decisão de nunca mais ficar endividado e passei a me interessar em entender como administrar a vida financeira. Tive que encontrar o ponto de equilíbrio entre a cigarra que eu tendia a ser e a formiga que precisei encontrar dentro de mim.

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